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Médicos devem iniciar-se nas zonas rurais

Por admin

Chama-se Omar Primeiro, ou, simplesmente, dr. Omar. Nasceu em Chimoio, na província central de Manica. Cedo sonhou estudar Medicina, desejo que viria a ser concretizado em 2011, na 

Universidade Eduardo Mondlane (UEM), em Maputo. A vontade de trabalhar perto das comunidades rurais, em detrimento de muitas regalias que, regra geral, só acontecem nas grandes cidades, fê-lo decidir emigrar de Maputo para Niassa.

Chegado a Niassa e depois de algum tempo de ambientação na capital provincial, Lichinga, Omar foi colocado no distrito do Lago, muito concretamente no Centro de Saúde da vila municipal de Metangula, onde encontrámo-lo durante uma recente visita que o nosso jornal fez àquela parcela do país, banhada pelo Lago Niassa.

É uma pessoa de fácil comunicação, o que o torna médico muito presente. Aliás, pessoas contactadas pelodomingo caracterizaram-no com a seguinte frase: “Para além de médico, o dr. Omar é um homem íntegro, humilde, sensível e, sobretudo, humano”.

Eis a conversa que tivemos com aquele profissional da Saúde, que, a dado passo, convidou os quadros superiores mais jovens para iniciarem a sua carreira nas zonas rurais.

Como chegou a Niassa?

Vim a Niassa por vontade própria. Considerei-a uma província promissora, virgem, agradável e própria para iniciar a minha actividade médica. Até porque, a meu ver, os médicos deviam iniciar-se nas zonas rurais.

Confirmaram-se as suas expectativas em relação a Niassa?

Sim. É um lugar que tem gente boa, acolhedora, apesar de algumas dificuldades, próprias de uma província emergente.

O que encontrou no distrito de Lago que possa realizá-lo como profissional de Saúde?

Primeiro, como médico que sou, que jurei servir o povo moçambicano, independentemente do local onde estiver, estou consciente de que o objectivo principal, aqui, no Lago, é melhorar a saúde dos seus residentes.

… e individualmente?

Individualmente, o meu objectivo é crescer todos os dias, vendo o meu trabalho a ser valorizado.

Quais são as principais patologias do distrito do Lago?

A malária, a diarreia, as infecções respiratórias baixas e superiores, para além de muitas doenças relacionadas à malnutrição, sobretudo em crianças.

Qual tem sido a reacção das comunidades aos apelos do pessoal da Saúde, sobretudo no que diz respeito à prevenção de doenças?

Tem havido uma resposta satisfatória, mesmo tratando-se de uma zona pesqueira, onde algumas pessoas usam redes mosquiteiras para actividade de pesca, prejudicando desta forma as crianças e mulheres grávidas, que são as principais vítimas.

Como disse anteriormente, muitas pessoas têm-se esforçado em melhorar as suas condições de higiene, concretamente no que ao saneamento do meio diz respeito, bem como no uso de cloro e outras formas de tratamento de água para evitar diarreias.

Este comportamento tem ajudado a reduzir os índices de mortalidade materno-infantil, para além de que as pessoas preocupam-se em ir rapidamente aos centros de Saúde quando estão com alguma enfermidade.

GREVE DOS MÉDICOS

O que acha da greve dos médicos?

Em relação a esse assunto eu gostaria de não me pronunciar. Entretanto, reconheço que, nós, como médicos, precisamos trabalhar para salvar as vidas que estão em perigo, apesar de reconhecer a justeza do posicionamento da minha classe, muito concretamente no que se refere à luta pela melhoria das condições dos médicos.

Concorda que os médicos colocados nos distritos estão em desvantagem em relação aos seus colegas das cidades?

Bem, é um desafio. Penso que a diferença reside no facto de os médicos que se encontram nos distritos estarem desprovidos de residências condignas e estarem num ambiente profissionalmente desvantajoso. Refiro-me às trocas de experiências com outros profissionais mais experientes, principalmente quando se trata de um caso em que, sozinho, o médico não está em condições de resolver.

Se nas grandes cidades há condições de investigar algumas doenças, nas zonas rurais há dificuldades de encontrar alguém da classe com quem se pode discutir assuntos de natureza profissional. O mesmo não se pode dizer em relação às condições básicas para a sobrevivência, sem grandes sobressaltos, de um funcionário do Estado. Estou certo de que daqui a dois ou três anos muita coisa vai mudar para o melhor.

A outra diferença está nas oportunidades. Enquanto nas grandes cidades, um médico pode melhorar o seu salário, trabalhando numa outra clínica privada, aqui essa possibilidade não existe. Um médico depende unicamente do seu salário, para se alimentar, pagar a renda de casa e, como africano, apoiar a família, sempre alargada.

Concorda com a existência de médicos-turbo?

Depende. Para a situação actual em que vivem os médicos, não há alternativa que não seja encontrar outras formas de “engordar” a renda familiar. Em circunstâncias normais, um médico deve prestar toda a sua atenção a um único patrão, dando o melhor de si para a satisfação das necessidades dos seus pacientes. De referir que antes de sermos médicos, somos seres humanos, com necessidades para atender, incluindo o crescimento profissional.

Os seus colegas mais velhos dizem que os médicos jovens que actualmente trabalham nos distritos encontraram melhores condições do que eles na altura em que começaram a profissão…

Talvez seja verdade. O problema é que neste momento as coisas estão mais facilitadas. Parte das condições para a existência de um ser vivo, está criada, para além de que o governo e as lideranças comunitárias estão directamente envolvidos nas questões de saúde. Tudo isso facilita o trabalho do médico nas componentes prevenção e curativa. Outra questão está relacionada com as facilidades de locomoção, ao encontro do doente. Para além de atendermos aos doentes que vêm ter aos hospitais distritais, também realizamos visitas ambulatórias aos postos administrativos, localidades, povoados, entre outros locais, onde se situam unidades sanitárias e cujos doentes não conseguem deslocar-se às unidades sanitárias de referência, por estarem longe das suas zonas de residência. Esta facilidade não existia no tempo em que os médicos mais velhos trabalharam nos distritos, muitas vezes em situação difícil por causa da guerra civil.

Concretamente, em que consiste o envolvimento das lideranças comunitárias na prevenção de doenças?

Em quase tudo, desde a mobilização das populações até ao acompanhamento destas aos centros de saúde. Há uma interligação das autoridades comunitárias com o pessoal da Saúde, o que torna fácil a acção dos últimos.

Como se sente, por exemplo, quando num comício popular alguém se levanta para criticar o trabalho da Saúde?

Acrítica é sempre bem-vinda, ela melhora o desempenho de qualquer trabalhador. Encaro-a como um bem que vem catapultar a minha actividade, desde que ela seja feita de maneira construtiva.

Porém, há casos em que certas pessoas, movidas por má fé, difamam o pessoal da Saúde. Algumas pessoas – isso acontece muito nas maternidades – pensam que se um agente da Saúde recomendar um banho é ofensa. É sempre importante aconselhar os pacientes para se apresentarem asseados nas unidades de saúde. É uma questão de saúde, pois a higiene pessoal é também uma das formas de manter saúde de um paciente. E é bom que os nossos governantes também percebam isso. 

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