Sociedade

Matar idosos é impedir que as crianças conheçam sua árvore genealógica

Comemorou-se esta semana o 1 de Outubro, Dia Internacional do Idoso. Sobre o idoso no nosso país já muito se escreveu. No geral, nota-se que há falta de respeito sobre as chamadas “bibliotecas vivas”, que são progenitores de gerações inteiras e que idolatram e amam incondicionalmente os seus filhos, mas que na velhice são tratados como trapos.

 

No país, foi já aprovada e promulgada a lei que promove e defende as pessoas idosas, de modo a promover e resgatar o seu estatuto na sociedade pois há que apoiar a pessoa idosa com todo o carinho, porque em obediência ao ciclo da vida, todos nós seremos ou estamos a caminho da velhice e em ética de reciprocidade “não faça aos outros aquilo que não quer que te faça a ti”.

Para assinalar a data, domingo traz algumas estórias de como são tratados os idosos no país pela família em particular e pela sociedade no geral. Os nomes aqui mencionados são fictícios para não ferir susceptibilidades.

Vovó Quefassane Nhambangue é mãe de Txakazani Zunguza, funcionária do Estado, licenciada pela maior e mais antiga instituição do ensino superior com uma viatura para todo o terreno, na altura adquirida via leasing. A música no carro era bem alta, sempre com um toque de perfume e retoque na maquilhagem. Aliás, um copo e uma garrafa de um glenfilddiche 18 anos ou Dalmore, não faltavam no interior na viatura.

Antes da sua formação, as circunstâncias da vida obrigaram-na a transferir a sua mãe, Quefassane, algures em Fanha-Fanha, distrito de Homoine, província de Inhambane para a cidade Maputo, para com ela partilhar dois quatros e uma sala de uma dependência arrendada, algures no coração do bairro da Malhangalene, na cidade capital Maputo.

Joãozinho e Roldinha, netos de Quefassane, receberam uma educação à mistura com mimos e atenção em doses moderadas da avó. O banho, as refeições e o “xixi cama” foram sempre tomados na hora certa e não só, era a avó quem lavava e trocava as fraldas pelas madrugadas inteiras. Era a avó responsável em encontrar as melhores raízes para hiplepsia (muri wa macameta), para parar as diarreias típicas da dentição infantil, enquanto a estudante Txakazani frequentava a faculdade, como também era assídua frequentadora de eventos sociais.

Até essa altura, as crianças gostavam, respeitavam, amavam, protegiam e veneravam a sua querida avó, como também Txakazane, órfã de pai, aos cinco anos de idade, idolatrava e glorificava sua mãe. Aliás era comum vangloriar-se perante as amigas que “minha mãe é uma grande mulher. Sem a minha mãezinha Quefas, não sei o que seria de mim. Santa mulher, um anjo em pessoa com que a mãe natureza me bafejou”.

Nos tempos de lazer, a vovó contava, aos seus netos e sua filha, todos estudantes, histórias sobre a guerra de Ngungunhane, da libertação nacional, do envolvimento de Moçambique na luta pela independência do Zimbabwe, a morte de heróis do século XX, os acordos de Lusaka, de Nkomati, entre outras histórias deste país, de Mondlane, Samora e outros!

Num desses passeios, Tzakazane viu o seu carrão destruído num encapotamento, do qual saiu ilesa, entretanto, a dívida com o banco deveria ser amortizada, independentemente de se estar a usar ou não. A maior frustração de um Homem é de entregar parte do ordenado mensal, por algo que não se está usufruir, lamentava-se a jovem.

Sob cuidados e liderança da vóvó Quefas, como carinhosamente a tratavam, as crianças formaram-se, porém somente o Joãozinho, conseguiu empregar-se numa das empresas públicas, que com o tempo ascendeu ao cargo de direcção e tem a sua vida organizada. Igual sorte não teve a sua irmã Roldana, como é tratada na esfera familiar, embora diplomada em engenharia florestal, ou seja, a engenheira, pré disposta a trabalhar somente na cidade capital Maputo e nunca fora dela.

A engenheira teve dois filhos e “como era no princípio”, a avó transformou-se em mãe dos seus bisnetos, embora não os pudesse assistir com a mesma intensidade e vigor, porque a idade avançava a cada dia e não só, o nível de relacionamento entre os membros da família de desmoronava a cada dia, pois todos pensavam que a avó Quefas era o motivo dos azares de mãe e filha.

 Com cinco e dois anos idade as crianças mais novas foram viver em parte incerta, porque (já) não podiam ter contacto com a avó Quefas, nos últimos tempos proibida, pois não devia tocá-las.

Para depreciar a suposta atitude da avó, traduzida em feitiçaria, logo pela manhã, mãe e filha trancavam a dispensa, abandonavam a casa e só regressavam a alta hora da noite. A velha ficava sozinha, sem ninguém para lhe servir um simples chá ou dirigir-lhe um simples bom dia, como ela tanto anseiava.

Não tardou que as duas se mudassem de casa, deixando a idosa na rua, deambulando sem beira nem eira, alegando-se que sofria de demência, ora era feiticeira, malcriada, etc.

Crianças fazem escarnio aos seus avôs

A história da Quefassane Nhanbangue assemelha-se a muitas bibliotecas vivas, que não só de forma misteriosa se apagam, mas de forma, torturada, desconsolada, comovente, lastimosa e sem piedade as idosas morrem.

Muita dessas idosas, se não se suicidam, são atiradas ao “Deus dará”, espancadas, torturadas física ou psicologicamente, enterradas vivas ou mesmo esquartejadas pelos seus próprios filhos, alegadamente porque são feiticeiras ou feiticeiros, impedindo que os seus filhos cresçam a conhecer a sua árvore genealógica, e por via disso, sem estrutura e respeito pelo próximo.

Nas nossas casas, as crianças fazem escárnio aos seus avôs, ante o olhar e sereno e impávido dos seus pais. Idosos há nas famílias que passam dias trancados em cubículos, sem receberam um “olá!” de quem quer que seja e na vez que o fazem é somente para lhe atirar um prato ou uma chávena chá, sem providenciar água para lavar a cara, escovar os dentes ou mesmo lavar as mãos, para depois alegar-se que vovó cheira mal. Como não vai cheirar se não lhe dão água?

 Não imaginam como é doce receber o carinho, o afecto de uma avó/avô. Um avô ou uma avó não bate no seu neto. Educa-o com todo o amor, transmite ao neto o amor, a lealdade.

Noslocais de concentração pública é comum os jovens empurrarem-se com os idosos e não lhes ceder o lugar, mesmo perante a sua fragilidade. Há um tempo os Transportes Públicos Maputo (TPM) portavam informação orientado a partilhas de assentos com os idosos. Poucas pessoas cumpriram com essa medida porque “oh…. Se não é minha avó….”.

A transportadora TPM é orientada a reservar lugares para a pessoa idosa, entretanto, em nenhum momento se monitorou se os bancos reservados foram efetivamente ocupados pelos idosos ou não.

A estrutura familiar sofreu modificações

E na família, quando ele procura participar em algum debate ou numa actividade, há sempre repreensões do tipo: “lugar de velho é em casa”, “está ficando igual a criança, quer participar de tudo”, “velho não tem mais nada para aprender” e as crianças vão, ingenuamente fazer o uso dessas expressões negativas para a saúde das “nossas bibliotecas vivas”.

Infelizmente esta realidade não é só moçambicana ou africana. É Mundial, porque a estrutura familiar sofreu modificações rápidas ocasionadas pelo aumento do contingente de separações, divórcios, viúvas ou solteiras morando sozinhas nas cidades, a crescente e necessária participação da mulher no mercado e movimentos migratórios quer nacionais, quer internacionais em busca de oportunidades de trabalho, idosos exercendo chefias de família, entre outros factores.

As modificações no seio da família geram a violência, que pode corresponder a qualquer dano intencional físico, moral, psicológico e/ou social que é o resultado de actos (ou omissões) da família que viola os padrões da estrutura familiar.

O envelhecimento faz parte de nossa vida! É um processo natural que se inicia no momento em que as pessoas nascem. Não há, porém, limites estabelecidos para o término dessa caminhada. Há que manter sempre acesa a chama do entusiasmo, pois a vida tem encantos para aqueles que gostam dela.

A Lei que Promove e Defende as Pessoas Idosas agrega a discriminação, a humilhação, o abandono, a acusação de feitiçaria, a exposição do idoso a uma situação de perigo de vida, como práticas puníveis nos termos lei.

Idosos: são como as árvores viçosas cheias de vigor

O envelhecimento faz parte de nossa vida! É um processo natural que se inicia no momento em que as pessoas nascem. Não há, porém, limites estabelecidos para o término dessa caminhada. Para os idosos, apoiados pelas suas famílias há  que manter sempre acesa a chama do entusiasmo, pois a vida tem encantos para aqueles que gostam dela.

A Biblia através de Salmo 92.13-15, valoriza a sabedoria dos mais velhos considera-os como árvores viçosas cheias de vigor e de frutos mesmo na velhice. “Até à vossa velhice, eu serei o mesmo e, ainda quando tiverdes cabelos brancos, eu vos carregarei. Já o tenho feito. Levar-vos-ei, pois, carregar-vos-ei e vos salvarei.” (Is 46.4).

A família, a comunidade e a sociedade no geral precisam dignificar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua liberdade, autonomia, bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. Existem várias formas agradáveis de viver com as “nossas bibliotecas vivas”, a exemplo da dança, artesanato, viagens, fazendo caminhadas, preenchendo significativamente o seu tempo, para manter o espírito alegre e sempre juvenil. 

É preciso respeitar a personalidade formada, a riqueza da experiência acumulada. As pessoas idosas podem trazer de volta muitos valores perdidos pela sociedade, porque elas acumulam sabedoria. Elas são dicionário de vida, o exemplo a seguir (??) e conselheiro para os mais novos, pois já enfrentou todas as fases da vida e atingiu a maturidade, que é sinónimo de serenidade equilíbrio e força de vida.

Já driblou os dissabores, trabalhou para o sustento da família, criou e cuidou seus filhos, netos e bisnetos, para não falar de comunidades inteiras; uniu corações, deu a mão a quem precisou, acarinhou os mais necessitados e ainda carrega o brilho nos olhos de quem possuiu o segredo da sabedoria da terceira idade.

Brígida da Cruz Henrique

Foto de Carlos Uqueio

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