Sociedade

Há quem veja na lusofonia uma nostalgia do império

O antigo Presidente da República Joaquim Chissano concedeu ao jornal português Expresso uma interessante entrevista cujo pano de fundo era a lusofonia. Pela pertinência do 

tema domingo pública na íntegra a conversa.

“A língua portuguesa é o instrumento dos objectivos que nos unem”, foi assim que Joaquim Chissano resumiu o desafio lançado pelo painel da Grande conferência Expresso 40 anos, no qual participou, intitulado “Lusofonia-Sonhos e Realidade”. Chissano repetiu que, na discussão sobre a Europa, África não entrou na equação do velho continente, mas deveria ter constado”, porque “África tem potencialidades para criar sinergias”. O que vem primeiro: “as acções ou as organizações?”, perguntou Chissano, assegurando que “o português há-de surgir nas acções”. O pano de fundo destas afirmações era a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), organização que leva Chissano a perguntar: “Como fazer que ela vingue”.

Disse que a língua é o ponto de partida para comunicar e chegar às pessoas. Como é que isso se concretiza em termos políticos, como é que se pode ser próximo das pessoas enquanto representantes de instituições e países?

Os moçambicanos conhecem as instituições pelas obras que fazem, conhecem os países parceiros pelas obras que realizam no país. Por exemplo, quando falamos de cubanos em Moçambique, as pessoas sabem que falamos dos médicos que foram enviados para os distritos e para as aldeias. Como eu dizia na minha intervenção, é preciso começar pelas acções. Já criámos a CPLP, agora estamos a ver quais vão ser as acções. Ao princípio era apenas para a promoção da língua e a nossa união na base da língua. Eu próprio discuti isso perguntando: a língua para fazer o quê? Para falar o quê? Primeiro tracemos projectos e programas. Se chegássemos à conclusão de que não há nada mais a fazer além da concertação diplomática, a CPLP seria só para isso. Mas eu creio que há muito mais a fazer. É preciso que os Estados, depois de toda essa experiência acumulada, pensem o que se pode fazer para acabar com todas as desconfianças do passado.

Está a referir-se exactamente a quê?

Há quem veja na lusofonia uma maneira de perpetuar a nostalgia do império. Como quem diz que se não se insistir na lusofonia perde-se a influência toda… tudo isso deve ser posto no passado, porque agora perseguimos um objectivo comum, que é o bem-estar dos nossos povos e o que poderemos fazer em conjunto para nos apoiarmos uns aos outros.

Como avalia a saúde da democracia em Moçambique?

A democracia está a desenvolver-se. Faço questão de dizer que em Moçambique a democracia não começou só quando instituímos o multipartidarismo. Já tínhamos uma democracia participativa muito ampla, com uma grande colaboração da população na gestão da coisa pública. Agora estão a combinar-se as duas formas, a representativa e a participativa. No meu tempo era prática fazer presidências abertas em Moçambique, importei o nome de Portugal. Um presidente não só visita as regiões como discute directamente com as instituições de base e com a população. O Presidente apercebe-se de qual é o pulsar e, além disso, anota os anseios da população para os incluir na elaboração da política do Estado. A democracia multipartidária veio trazer a representação de várias forças políticas, mas a maior força política que está no Governo, a Frelimo, continua a fazer tudo para que a população participe directamente na coisa pública.

Refere-se aos representantes da sociedade civil?

Refiro-me à população. Depois há as organizações da sociedade civil, que também são muito activas em Moçambique. E refiro-me à própria comunicação social, que tem muita liberdade e participa. Há quem se contente em dar a informação e quem se contente em criticar as autoridades. Mas há quem ajude na construção do país e na elaboração de pensamentos comuns. Posso dizer que a nossa democracia se enriquece com essas coisas todas.

Afirmou que podemos aprender com os outros e concorda que Cabo Verde é uma lição de estruturação de Estado. O índice de 2012 da Transparência Internacional estabelece uma diferença fundamental entre Moçambique e Cabo Verde no que se refere à percepção da corrupção. Em 173 países estudados, Cabo Verde está em 39.º e Moçambique em 123.º lugar. Quer comentar?

No princípio, nós tivemos de fazer muito trabalho para adoptarmos as condutas necessárias e educar as pessoas sobre o que é a corrupção. A própria noção de corrupção leva o seu tempo a integrar e Moçambique é um país vasto, precisamos de anos para fazer o que outros fazem em semanas. Temos de ter uma comunicação directa. A corrupção não depende só de quem está no poder, mas também de todos os que actuam com o poder. Depois existem as instituições. Nós nem sequer as tínhamos e não se pode combater a corrupção sem boas instituições judiciais. Há que ter também uma boa instituição policial que não seja ela própria corrupta. O funcionalismo público também foi alvo de uma reforma, mas é preciso tempo para que tudo isso dê frutos. Houve uma altura em que as medidas coercivas não se podiam sequer aplicar porque as instituições não estavam preparadas para isso.

Essas instituições não foram já criadas em Moçambique?

Sim, agora já criámos. Temos uma unidade para combater a corrupção que tem de ter pessoal incorruptível. Nós nem tínhamos Procuradoria-Geral da República e tivemos de abrir uma escola para juízes. Conheci muitos profissionais que não queriam ir para a jurisprudência porque preferiam abrir escritórios de advocacia. É uma questão de processo. Cabo Verde tem uma intelectualidade maior relativamente à população e eles conseguiram criar instituições fortes, que já podem servir de referência.

Novos parceiros, novas oportunidades, novos desafios. Moçambique está a começar a exploração de gás e tem dois milhões de hectares de terra alugada para investimentos. Transformar isso numa oportunidade de desenvolvimento exige instituições capazes de controlar os processos. Elas existem?

Não há oficialmente venda de terras em Moçambique. Fazemos uma espécie de leasing, um direito do uso da terra durante um período com pagamento de taxas em conformidade com o que se faz na terra. E tentamos proteger a população que tem direito a utilizar a terra. Quando a terra está para ser cedida a um empresário, mesmo que seja nacional, há sempre uma concertação com as populações que vivem na região. Geralmente, elas exigem apoio ao desenvolvimento das suas actividades em troca, seja ele social, técnico ou material. Há casos em que os chefes tradicionais fazem contratos com os investidores estrangeiros que acabam burlados. Porque se o Governo quiser reclamar as terras, eles perdem-nas e nem sequer as infra-estruturas que tenham sido construídas serão compensadas. Nós não temos um problema de landgrabbing, o Estado não permite isso.

O mesmo é válido para o impacto ambiental da exploração mineira e de hidrocarbonetos?

Os investimentos de exploração mineira e de gás acontecem como em toda a parte. Têm estudos de impacto ambiental e aí o Governo tem por desafio ver como é que essa exploração vai poder beneficiar a população no mais curto espaço de tempo. Basta dizer-se que se descobriu gás ou petróleo que as populações acham que vão receber dinheiro no dia seguinte. Tem de haver um trabalho de esclarecimento, tem de haver uma negociação correcta com os investidores para que parte dos investimentos beneficiem directamente a população com uma redistribuição de parte das receitas. O Governo também fomentou que houvesse um mínimo de parcerias com moçambicanos. Vi isso na área do carvão, em que se fizeram concursos só para moçambicanos que ficaram com direito de uso das terras, incluindo para exploração de recursos minerais. O problema é que os moçambicanos não têm dinheiro, não têm know how e não têm máquinas. O que os moçambicanos têm é a terra, aquilo que está lá.

Como vê a exploração dos recursos energéticos no país e na região relativamente às oportunidades de negócio e de desenvolvimento?

Vejo a perspectiva de esses recursos virem a poder servir muito bem a região. Ela precisa de energia eléctrica e nós temos capacidade de desenvolver muita energia eléctrica com base no carvão, no gás e na energia hídrica. África do Sul e Zimbabwe necessitam muito de electricidade e tanto nós como a Tanzânia e a Namíbia, onde já estão a produzir electricidade a partis do gás, podemos contribuir para acabar com a dependência do carvão.

Moçambique vai ter eleições autárquicas este ano e presidenciais em 2014. Que oposição tem a Frelimo hoje em dia? Quem será o candidato do partido à presidência?

Não sei, no congresso da Frelimo a Comissão Política entendeu não levantar a questão. Creio que vamos conseguir encontrar candidatos na Frelimo que possam ganhar as eleições. Na oposição, francamente não estou a ver. A Frelimo é um partido muito forte, a oposição é que é instável. A alternância democrática não significa o poder dado de bandeja, mas que cada partido deve lutar por conquistar o poder. E as regras democráticas têm de ser bem claras e transparentes.

 

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