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Crua e dura realidade da Beira

Por admin

As estradas da cidade da Beira estão esfarrapadas. Aliás, as imagens que colhemos naquela área autárquica falam por si. Contam uma estória verídica que dói a quem por lá vive ou passa. Pior porque a mazela se estende até ao aeroporto, quando se sabe que os terminais aeroportuários, em todo o mundo, espelham a realidade da urbe, onde estão implantadas. São o “cartão postal” ou até a “cozinha do restaurante”. Se alguém espreita e vê sujidade, desiste de comer.

Turistas nacionais e estrangeiros chegam à Beira às dezenas, e por vezes centenas, e mal colocam o pé fora daquele edifício se decepcionam, porque são obrigados a percorrer uma via que de estrada só tem nome. É tanto buraco que alguns automobilistas e motociclistas, põem de lado as regras elementares de trânsito e palmilham o troço tranquilamente em contramão à cata de um piso melhor.

Chegados ao entroncamento da saída do aeroporto, e seguindo pela direita, em direcção à Manga-Mascarenha, assiste-se então ao filme propriamente dito, pois, em certos pontos nada mais resta ao automobilista que disputar os passeios com os peões, alguns dos quais menores de idade, daqueles que mal compreendem o risco de partilhar a passagem com viaturas de todos os tamanhos.

Há que observar que em certos horários, aqueles passeios são povoados por crianças que vão e regressam das escolas primárias localizadas nas imediações. Por causa disso, os riscos de acidentes de viação são exponenciais para os titulares do binómio peão-automobilista.

Buracos aqui, outros ali, uns maiores que os outros, tornam o trânsito lento e, para viaturas mais pequenas, de tipo Corolla, Vitz, Polo, Duet, Fit, entre outros, o cenário é de matar, uma vez que em redor das covas formam-se montes de areia e pedra que roçam nos cárteres (peça chave para o funcionamento do motor) e fazem com que se conduza com o coração nas mãos. É que, se o cárter é atingido por um pedregulho e rompe, o óleo de motor vaza e acabou. Adeus carro!

Depois de cruzar a via principal de acesso à cidade de cimento, há que atravessar o bairro da Munhava, o mais populoso e vibrante da Beira, para ir lidar com muitos mais buracos “cultivados” mais adiante.

O que não deixa provocar uma ligeira coceira atrás da orelha é que todos reconhecem que as estradas estão em estado lastimoso. Todos mesmo, incluindo membros do governo provincial, funcionários municipais e particularmente os munícipes que deviam ser os primeiros a questionar e a exigir os seus direitos, como acontece, por exemplo, em Maputo.

Na capital do país, os transportadores semi-colectivos não hesitam em paralisar as suas actividades em protesto contra o mau estado das vias. Basta recordar o frenesim que o elenco de David Simango, edil local experimentou recentemente por causa dos buracos que surgiram como cogumelos na Avenida do Trabalho, próximo do mercado da Malanga. Depois é a Imprensa que exerce o seu papel levando a que a edilidade reponha a comodidade na urbe reduzindo, deste modo, o espaço de manobra para o “deixa andar”.

Entretanto, na Beira o clima é bem diferente. Ninguém aborda o assunto de frente. Antes pelo contrário, paira um ambiente de “amor platónico”, daqueles que cega, pelo governo municipal em geral, e pelo edil, Daviz Simango, em particular. Tocar no assunto é sujeitar-se à estranheza. Quem está por perto olha de forma verrumante como quem diz “os buracos são nossos. E daí?!”

A nossa equipa de Reportagem percorreu a Beira de lés-a-lés e observou que, por exemplo, a EN6 tem troços que são simplesmente intransitáveis até para motociclistas. Procurámos colher o sentimento dos que por ali passavam e, nicles. Ninguém quis “por a boca no trombone”.

Outro dado que nos saltou à vista foi o facto de alguns populares de Manga-Mascarenha terem entendido barricar a estrada principal que atravessa o bairro, muito perto da administração local. Reclamavam o facto de os automobilistas, sobretudo camionistas, estarem a invadir os seus quintais e a colocarem em risco as suas vidas e propriedades.

Para nossa surpresa, Albano António, o vereador da área de Construção e Urbanização, apareceu a reagir ao sucedido dizendo que a população tinha razão pois, “já dissemos aos camionistas para evitarem estradas sem capacidade de carga para veículos de grande tonelagem”, o que no fundo quer dizer que, para ele, o problema não reside nos buracos, mas, sim, nos camionistas que são uns “teimosos”.

Estamos muito mal

O representante do Estado na cidade da Beira, José Cuela, é dos poucos que não consegue esconder o seu sentimento e diz mesmo que “a Beira está mal. Muito mal. Temos buracos por tudo o que é canto desta cidade. Em frente ao Governo Provincial, junto à Delegação da Televisão de Moçambique, em direcção ao Dom Carlos, a EN6 está intransitável, a via do aeroporto é a pior de todas. Não sei para onde vamos com isto”, desabafa.

Por seu turno, o chefe da bancada da Frelimo ao nível da Assembleia Municipal, Mateus Saíze, afirma que o actual governo municipal recorre a uma acção estratégica que consiste em acumular fundos para usar na véspera do período eleitoral, como forma de mostrar ao eleitorado que tem uma certa capacidade.

Ele fez isso é Setembro e Outubro de 2013. Realizou uma obra de reabilitação da Avenida Mártires da Revolução, mas, só foi até à entrada do Estoril. Dali para frente não mexeu e os buracos estão lá. Depois disso, levou as máquinas para a Manga Mascarenha, nas ruas 2 e 6, mas, logo que a campanha eleitoral terminou deixou de executar as obras e hoje os buracos são tapados com saibro”, disse Saize.

O que pode resultar do tapamento de buracos com areia, segundo o autarca Saize é o bloqueio do sistema de drenagem das águas pluviais, uma vez que é operacionalizado por máquinas montadas há poucos anos, sob a égide financeira do Banco Mundial, no valor de 60 milhões de dólares.

Para Mateus Saize, o Conselho Municipal da Beira não tem problemas de tesouraria para resolver grande parte dos seus problemas, pois, o Governo Central assegura a canalização de um Fundo de Estradas, Fundo de Funcionamento e Investimento e a autarquia gera receitas. “Entretanto, se a zona de cimento, que é a que produz mais receitas é a que apresenta mais problemas,  então na periferia é muito pior”, afirma.

“A culpa é da chuva”

O vereador para a área de Construção e Urbanização, Albano António, aceitou abordar o assunto com a nossa equipa de Reportagem. Já nos tinham avisado que Daviz Simango, presidente do Conselho Municipal, raramente atende a chamadas “estranhas”. Bem que ensaiamos uma e mandamos uma mensagem cuja resposta foi um estrondoso silêncio, pelo que ficamo-nos pelo vereador.

Felizmente, Albano dirige um mega pelouro que inclui a área de Construção, Planeamento Físico e Cadastro, Manutenção de Estradas e Pontes, Protecção Costeira e Mudanças Climáticas, e ainda os Serviços de Saneamento, pelo que “matámos todos os coelhos com uma só cajadada”.

Para este vereador, os buracos que se propagam, quais cogumelos, pela cidade da Beira, têm dois culpados. O primeiro é a bancada da Frelimo que não quis aprovar o orçamento no final do mandato passado alegando que não poderia aprovar um orçamento que não iria fiscalizar. O segundo é a chuva que continua a cair e, segundo ele, a impedir que se executem obras. 

Temos em manga vários projectos de reabilitação de estradas que prevêem a resselagem de cerca de 27 quilómetros de estradas e o custo é estimado em 400 milhões de meticais”, afirma, para logo a seguir reforçar que “é preciso não esquecer que algumas estradas foram erguidas na década 60 e não estão preparadas para suportar o tráfego crescente de viaturas, incluindo camiões com mais de 40 toneladas”.

Mais adiante, aquele vereador enumera que as estradas da Beira carecem de intervenções de grande vulto, porque a cidade está localizada abaixo do nível médio das águas do mar, tem cerca de 104 anos de existência e regista o movimento de mais de 600 camiões que acedem diariamente ao porto local.

Estamo-nos a preparar para agir em duas frentes. Onde o nível freático é elevado, vamos usar pavês e onde as condições parecem razoáveis continuaremos a resselar com asfalto. O problema é que o pavês custa 1800 meticais por metro quadrado, mas, oferece uma grande vantagem de manutenção, por ser barata”, sublinhou.

Sobre o uso de areia para tapar buracos, Albano António afirma que esta é apenas uma medida de emergência e que não se trata somente de areia, como muitos pensam e parecem ver. Segundo ele, aquela é uma mistura de areia com 15 por cento de cimento.

Jorge Rungo

Fotos de Jerónimo Muianga        

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