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Camponeses revoltados

Por admin

Camponeses do distrito de Inharrime, província de Inhambane, estão de costas voltadas com a empresa processadora de mandioca para o fabrico de cerveja, DADTCO MANDIOCA LDA. Em causa está o preço aplicado na compra da produção.

Cada quilograma de mandioca é comprada por um metical e cinquenta centavos (1.50 MT) contra os três meticais e cinquenta centavos (3.50 MT) inicialmente acordados.

Em actividade desde o ano de 2013, a fábrica de processamento da mandioca, na província de Inhambane, funciona em coordenação com os agricultores do sector familiar.

Funciona seis em seis meses, em cada comunidade num modelo rotativo. Já foi instalada no distrito de Zavala, actualmente opera no distrito de Morrumbene. A unidade processa mais de 40 toneladas de mandioca por dia.

Conta-se que quando foi anunciada a sua entrada em funcionamento havia muita expectativa no seio dos camponeses daquela província, pois acreditava-se que seria o fim do desperdício da cultura, que na altura apenas era usada para a produção de farinha de mandioca (vulgo rale).

No entanto, o sonho virou pesadelo sobretudo aos agricultores de Nhacoongo.

Camponeses referem que na véspera do arranque do projecto foram orientados para aumentarem áreas de cultivo, convidar mais pessoas para ajudá-las na limpeza e plantação das estacas, dentre várias actividades.

A medida visava responder à demanda da fábrica que precisaria de grandes toneladas daquela matéria-prima para garantir o seu funcionamento diário. Visava, por outro lado, revolucionar o tipo de agricultura que é praticada, que passaria de subsistência para comercial.

Todos afirmam que acataram a orientação. Quem trabalhava numa área de dois hectares aumentou para cinco, outros para 10 ou mais. Na altura tinham acordado que a empresa pagaria 3.50 meticais por cada quilograma de mandioca.

O preço anunciado estimulava os camponeses a produzir mais, pois acreditavam que se numa só planta podiam ter pelo menos 7 meticais, imagine-se o rendimento global de uma machamba de 10 hectares!

Contudo, os ânimos ficaram frustrados quando a empresa entrou em funcionamento e a sua direcção anunciou que compraria por 1.50 meticais cada quilograma de mandioca.

“FOMOS ENGANADOS”

Camponeses que falaram com a nossa equipa de Reportagem consideram que foram enganados pelas autoridades daquela empresa, visto que não foram honestos durante a negociação do preço.

Diamantino Vitorino é um dos produtores que ainda encontra-se desapontado com a direcção daquela unidade fabril. Lembra que foram aconselhados para contraírem crédito do Fundo de Desenvolvimento Distrital, vulgo 7 milhões, para contratarem a mão-de-obra para a limpeza e aumento das áreas de cultivo.

Disseram-nos que devíamos aumentar as áreas porque a empresa precisaria de muitas quantidades de mandioca. Eu passei de três para 12 hectares só de mandioca. Convidei pessoas para me ajudarem a pensar que teria um rendimento, mas surpreendentemente, quando arranca o projecto, disseram-nos que o preço não seria aquele que foi primeiramente acordado, disse Diamantino Vitorino, acrescentando: ficamos frustrados e sem ideia sobre o que fazer para recuperar o valor que investimos no trabalho, mas porque já tínhamos produzido grandes quantidades.

António Cuambe, outro produtor, disse que quando se apercebeu que a empresa não estava a honrar com o acordo, expulsou a primeira equipa que foi à sua machamba para negociar a compra da sua mandioca.

Preferi mandá-los embora porque achei que o que estavam a fazer era uma roubalheira. Agora faço farinha e vendo em latas. Não estou preocupado. Uma lata de 15 quilogramas custa por 150 meticais. A medida deles não compensa porque compram com esse preço, mesmo assim, nós é que pagamos as pessoas que ajudam a arrancar e carregar no camião. Por pessoa pagamos 200 meticais, por dia, explica.  

Cuambe disse ainda que os produtores já apresentaram a sua preocupação ao secretário do bairro, contudo este ainda não deu resposta, facto que preocupa mais.

Quando negamos vendê-los, eles dizem-nos que saímos a perder porque nunca vamos ter um comprador, mas eu prefiro assim, ao invés de alimentar aqueles que querem ter mais lucros à nossa custa, considerou.

Cuambe conta que na fase experimental tinha investido em três hectares para mandioca, sendo dois para a venda e um para o consumo. 

Por sua vez, Celeste João é uma das agricultoras que abastecia a fábrica com a sua produção, mas que nos últimos tempos decidiu parar. Conta que o grupo já solicitou a empresa uma revisão do preço em vigor, pedido que não foi aceite, alegadamente porque a empresa é nova e fez muito investimento que precisa de recuperar.

Já vendi três vezes. O dinheiro chegou para pagar as minhas dívidas e aumentar as áreas de produção. A situação está complicada. Quando abriu a fábrica pensamos que seria a nossa salvação, mas não é o que aconteceu. É preocupante ainda porque não temos outro cliente. A única alternativa é fazer farinha de mandioca (rale), apontou.

“OS QUE RECLAMAM

SÃO PREQUIÇOSOS”

A nossa equipa de Reportagem falou telefonicamente com um dos elementos da Direcção da empresa para entender sobre as lamentações dos agricultores do distrito de Inharrime.

Na conversa, o nosso entrevistado, que preferiu falar em anonimato, desmentiu ter havido antes um acordo entre as partes sobre o preço da mandioca. Anunciou ainda que actualmente a sua empresa paga 2 meticais por quilo para quem não tem transporte e 2.50 para quem leva o produto com os seus meios para a fábrica.

Contudo, referiu que a relação entre a empresa e os camponeses é boa, fruto disso, é que sua maior parte está satisfeita, visto que muitos já têm casas melhoradas, conseguem pagar os estudos dos seus filhos nas universidades, facto que no seu entender não era possível num passado recente.

As pessoas que estão a reclamar sãos preguiçosas. Nós estamos a ajudar muitos agricultores desta província, e sentimos que eles estão satisfeitos porque já têm cliente para fornecer a sua mercadoria. Ultimamente, eles é que nos contactam sempre que têm mandioca,disse o nosso entrevistado.

Num outro desenvolvimento, disse que a sua empresa está naquela província para revolucionar a agricultura, de familiar para comercial. Para isso, estabeleceu uma parceria com duas empresas, nomeadamente SNV e SDC, vocacionadas para o treinamento dos agricultores nas técnicas agrícolas, como de plantação, sacha, para além de fornecimento de estacas de mandioca.

Em relação ao abandono ou a demora de recolha de alguma mandioca nas machambas, disse que a sua empresa processa mandioca fresca, pelo que não é verdade o que os produtores alegam.

Abibo Selemane
abibo.sulemane@snoticicas.co.mz

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