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Aprendo ronga para me inserir na comunidade

Por admin

Atsuko Negami Matola é formada em Antropologia Social. Para ela a interacção com a comunidade da povoação de Xitevele é fundamental para a sua inserção social 

como esposa de um régulo. Por isso, para além de falar fluentemente português, está a aprender a língua ronga.

 

Quando conheceu o seu esposo sabia que era régulo?

 

Quando o conheci, nem sabia o significado de ser régulo ou hosi, como chamam aqui. Já tinha visto gente com aquele fardamento de autoridade comunitária, mas não tinha noção do que representava.

 

O que lhe chamou atenção nele?

Ele foi quem apresentou no terreno o projecto que a Embaixada do Japão iria financiar, isto em 2009. A forma organizada de se exprimir deixou-me muito impressionada. Não vou falar muito da minha relação conjugal, pois a minha tradição não permite que falemos muito do nosso marido.

 

Era a primeira vez que estava em Moçambique?

Não, a primeira vez foi em 2000. Trabalhei como voluntária na província de Nampula. Em 2009, vim pela segunda vez a Moçambique. Trabalhava para a Embaixada do Japão.

Sempre tive uma ligação forte com África. Não sei explicar como surgiu. Penso que é uma questão espiritual. Ainda com 18 anos, queria trabalhar nas comunidades, mas como ainda era jovem não sabia materializar isso.

 

Foi fácil adaptar-se à nossa cultura?

Não diria que foi fácil. Mas havendo vontade de conhecer e aprender de uma forma relaxada torna-se fácil, porque tudo que fazemos com esforço torna-se demasiado difícil. É preciso querer fazer a coisa, acima de tudo.

 

Hoje amarrou capulana e lenço. Sente-se bem com o traje tradicional moçambicano? Ou veste assim por ser esposa de um líder comunitário.

Quando vim a Maputo pela primeira fiquei três anos na cidade de Maputo. Convivi com a cultura moçambicana no contexto de cidade, o que é bem diferente de vivê-la no campo. A maneira de estar nas zonas rurais é diferente do que acontece nas zonas urbanas. No campo a tradição e os costumes são mais fortes. Houve coisas que foram fáceis de assimilar, por exemplo, a capulana, pois gostei dela. Sempre que visse uma capulana bonita antes de cá estar comprava. Outras eram-me oferecidas. Vejo que a capulana não é apenas usada pela sua beleza, mas serve também para cobrir, estender na mesa como pano, carregar bebé. É multifuncional. A cultura de amarrar pano é semelhante à do Japão, pois usamos também panos muito coloridos no corpo.

 

Preparação do lobolo

 

Como é a sua relação com a comunidade em que vivi?

Como disse o meu marido, realizámos o casamento civil restrito por conveniência, mas ainda não o anunciámos à comunidade por não se ter feito ainda o lobolo. Mas algumas pessoas já sabem que eu existo e qual é o meu lugar nesta família. Ainda estamos a preparar o lobolo e estou a aprender o ronga.

 

Fala fluentemente a língua portuguesa. Onde aprendeu?

Quando estava em Nampula, em 2000, fiz um curso de português durante seis meses, mas não foi suficiente. Quando voltei ao Japão, continuei o curso de língua portuguesa lá e quando estava a fazer os meus estudos na Inglaterra tive aulas particulares de português com uma colega brasileira.

 

 Aqui em Xitevele está a aprender a falar ronga.

Sim, estou a aprender com uma senhora idosa da comunidade e próxima à família, a vovó Cecília, que é minha professora não só de ronga como também da cultura ronga. Acho importante aprender essa língua, porque a maior parte das pessoas aqui fala mais ronga do que português e gosto de me comunicar com elas. Acho fundamental que eu saiba a língua local para apoiar o meu marido no seu trabalho.

 

Com que se identifica mais no nosso país?

Gosto da natureza. Aqui no campo acho bonito a forma como as pessoas se relacionam, o modo como se cumprimentam. As pessoas respeitam-se muito, isso é muito bonito. As pessoas aqui são mais calorosas, gostam de ajudar. Encanto-me também com os pratos tradicionais como matapa, nhangana, tseque e xima.

 

O que achou difícil de fazer aqui no campo?

Cozinhar debaixo das árvores, principalmente nos dias de chuva. Por isso, o meu marido construiu uma cozinha para mim. Outra dificuldade está na conservação da comida em si.

 

O seu marido tem conhecimentos sobre a medicina tradicional e comunica-se com os seus antepassados. Como você assimilou essa realidade?

Demorei algum tempo para perceber esta realidade e não digo que agora percebo tudo, mas temos as nossas posições e crenças que em algum ponto se assemelham. Professo a religião animista, em que se acredita que os espíritos habitam também nas árvores, no ar, enfim na natureza. Agora estou a aprender algumas regras tendo em conta esta realidade do meu marido. Há dias em que não posso entrar na sua cabana e quando entro sei como me devo comportar nesses momentos.

 

Tem cozinhado comida japonesa?

Faço algumas coisas, mas com pouca frequência. Às vezes por falta de material. Aqui prefiro comer comida moçambicana. Mas quando vou ao Japão, como a comida japonesa com muito gosto, pois quando a preparo aqui não chega a ser igual, não sei se é pela diferença climática que influencia também no gosto dos alimentos.

 

Entre os pratos tradicionais moçambicanos, qual é que gosta de cozinhar?

Tenho feito pratos simples. O Matola gosta de quiabo, gosto de fazer tseque, batata frita e matapa também, mas como leva muito tempo a confeccionar faço poucas vezes.

 

Como tem sido o seu dia-a-dia no meio familiar?

Estamos a aproximar-nos cada vez mais, principalmente nas cerimónias, que têm sido frequentes aqui em casa. São pessoas que chegam para ajudar a fazer as bebidas, varrer, cozinhar e nesses contextos acabamos nos conhecendo melhor, apesar de não saber ainda falar bem ronga.

 

Quando é que saiu do Japão para a Inglaterra?

Nasci e cresci no Japão. Aos 16 anos fui estudar para Inglaterra, onde fiz o meu ensino médio, licenciatura e mestrado. Na Inglaterra, também me especializei em Antropologia Social. Quando terminei os estudos voltei ao Japão. Tenho uma irmã que estava também a estudar na Inglaterra só que acabou casando lá e por lá ficou.

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