A água voltou a verter nas torneiras dos consumidores ligados à rede dos privados, nas zonas periféricas da cidade de Maputo e na província de Maputo, depois de um dia de suspensão no
abastecimento. Segundo o presidente da Associação dos Fornecedores de Água de Moçambique (AFORAMO), Paulino Cossa, a medida de voltar a fornecer o líquido vital surge em nome da “dignidade humana e para a valorização do diálogo à busca da melhor solução sem que a população seja afectada”.
Tudo começou quando na passada quinta-feira os fornecedores de água da rede privada suspenderam o seu abastecimento à população, alegando desentendimentos com o Governo nas matérias que estão a ser negociadas. É que o Executivo, representado pelo Fundo de Investimento do Património de Abastecimento de Água (FIPAG), está a expandir a sua rede de abastecimento, passando naturalmente por locais onde existem redes de privados.
Associação dos Fornecedores de Água de Moçambique (AFORAMO), na prática, quer a rede pública fora das zonas onde existe a rede privada ou, se isso não for possível, exige indemnizações por perda dos seus investimentos e/ou clientes e por perdas de lucros em virtude da sobreposição dos projectos públicos sobre os seus.
AFORAMO PROMETE MAIS CORTES
Na sexta-feira última, depois de restabelecido o fornecimento de água, o presidente da AFORAMO, Paulino Cossa, disse ao domingo que existirão mais cortes no abastecimento de água, “caso o governo não se mostre interessado em ultrapassar este desacerto”.
Com efeito, segundo o presidente da AFORAMO, a nova suspensão poderá acontecer no próximo mês de Agosto e também nos meses subsequentes, de forma a pressionar o executivo a estabelecer medidas satisfatórias.
Cossa disse que“para a agremiação decidir voltar a abastecer água à população não foi pela pressão do Governo, mas pelo respeito aos nossos clientes, porque na verdade são eles que sofrem com a medida”.
De facto, o sofrimento marcou as populações das duas autarquias que ficaram um dia sem água e como alternativa chegaram a recorrer à água turva dos poços, que não operavam há mais de dois anos, para assegurarem as necessidades básicas.
Contudo, ao final do dia da sexta-feira e ontem de manhã, numa ronda efectuada pela nossa reportagem pelas cidades de Maputo e Matola, mais concretamente, nos bairros Zona Verde, T3, Khongolote, Ndlavela, Malhazine, Magoanine, Bagamoyo, 25 de Junho, Benfica, Zimpeto, entre outros, os sistemas de abastecimento de água da rede dos privados, verificamos que o fornecimento estava efectivamente restabelecido.
POPULAÇÃO EXIGE RESPONSABILIDADE
NO FORNECIMENTO DE ÁGUA
Os consumidores da água da rede dos privados exigem responsabilidade no fornecimento do precioso líquido e respeito pelos contratos estabelecidos por ambas partes. Prometem que se a AFORAMO fizer novos cortes sem o seu consentimento, vão avançar para os tribunais.
Helena Delfina, morador do bairro de 25 de Junho, disse ter um contrato com o fornecedor César, com uma taxa mensal de 150 meticais. “Não faz sentido suspenderem o abastecimento de água. Temos um contrato e pagamos no fim de cada mês. Eles têm obrigação, nos termos do acordo que fizemos, fornecerem-nos água. Não podem cortar sem nos dizer nada”.
Tomás Neves, morador do bairro de Bagamoyo, contou à nossa Reportagem que o seu bairro não se ressentiu da falta de água, uma vez que o Governo a disponibilizou através de camiões cisternas. Porém, disse que era um absurdo o que “está a acontecer neste país, onde qualquer um se põe a ameaçar o Governo. Eles têm contratos connosco e não queremos saber dos seus outros problemas”, disse.
Entretanto, houve quem não aderiu à medida de corte, e tal facto ocorreu em Zimpeto, onde Argentina Nhantumbo, fornecedora privada de água, por entender que a população não deve sofrer por causa do desacerto entre o Governo e AFORAMO, decidiu não parar de disponibilizar o precioso líquido.
POR QUE TUDO ACONTECEU
O Governo tem o direito de garantir à população as condições sociais mínimas, designadamente a expansão da rede eléctrica, abastecimento de água, educação entre outras. A Política Nacional de Águas foi aprovada por uma resolução do Governo em Agosto de 1995 e surge na sequência da Lei de Águas de 1991.
Em 1995, a grande prioridade do Governo foi a recuperação dos serviços básicos de água, em particular o abastecimento de águas às áreas urbanas, peri-urbanas e rurais. Houve também a necessidade de introduzir novos parceiros no sector de águas, em particular operadores privados, e desenvolver novas abordagens na provisão de serviços de água.
Depois de uma década desde a aprovação da Política Nacional de Águas, muitos sucessos foram alcançados. Isto é visível no sub-sector do abastecimento de água urbana, onde foi criado um novo quadro legal de gestão-delegada, permitindo que a gestão de cinco sistemas ficasse a cargo dum operador privado, enquanto os activos e os investimentos foram entregues a uma nova instituição para-estatal, o Fundo de Investimento e Património do Abastecimento de Água (FIPAG), e um regulador independente, Conselho de Regulação do Abastecimento de Água, que tem o papel de garantir uma defesa equilibrada dos interesses dos consumidores.
Os operadores privados, por estarem muitos anos a assegurar o abastecimento de água nas zonas rurais sentem que correm o risco de perder clientes e, na sequência, os seus investimentos. É que as obras de instalação de condutas de transporte de água estão em curso, para proporcionar maior disponibilidade e capacidade de distribuição do precioso líquido. Em 2001, o Conselho de Ministros aprovou uma medida que visa melhorar a rede de abastecimento de água na província e cidade de Maputo.
Os fornecedores privados de água não querem que o FIPAG expanda a rede de distribuição de água para as zonas onde estão a operar, com receio de perderem os clientes. O Governo, por seu turno, reconhece a existência de operadores privados como parceiros importantes no fornecimento de água à população, e afirma não haver nenhum interesse em prejudicá-los.
Durante as negociações, o Estado moçambicano criou um plano estratégico para licenciar os operadores privados, de modo a continuar a desenvolver a sua actividade nos locais onde FIPAG não consiga estabelecer a rede de abastecimento de água.
Em meados do mês de Junho passado, a Associação de Fornecedores de Água de Moçambique (AFORAMO) apresentou questões ao Governo, que uma vez não fossem resolvidas retirar-se-ia do negócio, deixando cerca de dois milhões de clientes à deriva.
Entretanto, a directora Nacional de Água, Suzana Loforte, reforçou a obrigação que o Governo tem de disponibilizar água à população. Contudo, reconhece que“ainda não dispomos de recurvos suficientes para responder à procura de água, pois onde FIPAG não chegará, os operadores privados poderão abastecer água à população”.
Governo necessitaria de 500
milhões de dólares para indemnizar privados
A directora Nacional de água, Suzana Loforte, disse na semana passada, em Maputo, que, feitas as contas, o Governo moçambicano necessitaria de mais de 500 milhões de dólares americanos para indemnizar os fornecedores de água das zonas periféricas da cidade e província de Maputo registados na Associação de Fornecedores de Água de Moçambique (AFORAMO).
O Governo teria que pagar entre 900 e um milhão de dólares americanos a cada fornecedor, num universo de 600 privados, sendo que alguns operam há cerca de 15 anos.
Segundo a directora Nacional de Água “claramente, se disséssemos que vamos desembolsar esse valor para cerca de 600 fornecedores privados não estaríamos a ser correctos connosco próprios”.
Entretanto, Suzana Loforte disse que está a decorrer um trabalho de levantamento nas zonas onde o FIPAG tenha desenterrado ou danificado as condutas e infra-estruturas, no âmbito das obras de expansão da rede de distribuição de água em diversos pontos de Maputo e Matola, para o Governo arcar com os prejuízos.
Paralelamente a isso, “o Governo tem estado a dialogar com Associação de Fornecedores Privados de Água, com vista a alcançar soluções justas e coerentes, com o único objectivo de fornecer a água potável às populações a preços acessíveis e com qualidade aceitável”.
Idnórcio Muchanga