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Vencidos pelo álcool

Por admin

Maputo está a testemunhar uma era de venda e consumo excessivo de álcool. Bebe-se por tudo e por nada. Por ter dinheiro e por não ter. Para esquecer e para lembrar. Na morte e no nascimento. Na rua, em casa, praças, jardins, bares, barracas, enfim.

Bebem os homens. Bebem as mulheres. O pior é que se começa a beber bem cedo, na adolescência, e parece não haver uma reflexão séria sobre os malefícios imediatos e de longo prazo.

Consumir álcool está na moda, mas, tem efeitos perversos em todos os prismas da vida. É perigoso para a saúde, para as finanças domésticas e pode levar também a avultados prejuízos para quem bebe e a seguir põe-se a conduzir. Entretanto, um pouco por todo o país, a juventude parece incapaz de experimentar um momento de lazer sem um copo na mão.

Motivos para beber vão desde o nascimento de uma criança até a morte de um ente querido. Vale tudo. Bebe-se a rodos em todas as esquinas e a toda a hora, a ponto de se olhar com desdém para quem não consome álcool.

Nos bairros onde ainda sobra algum campo de futebol, os sábados, domingos e feriados, grupos de jovens se reúnem nas primeiras horas da manhã alegando que vão jogar. Depois de uns dois toques na bola, há substituições e, em pouco mais de 30 minutos, jorra cerveja até ao fim do dia.

Nas sessões familiares de “xitique”, idem. Aliás, este é o espaço privilegiado para as mulheres darem o gosto às goelas. Mães bebem na presença dos filhos e, em alguns casos, as crianças são os garçons do evento. Elas é que servem e fazem a reposição do stock sempre que este esgota.

Durante a semana, adolescentes vestidos de uniforme escolar não hesitam em enfiar nos bolsos e mochilas as suas garrafinhas de “tentação” que vão consumir num ponto remoto do recinto escolar e regressarem para a sala de aulas completamente alterados.

Tanto mais que o ponto de venda de bebidas mais próximo está a paredes meias com escola, o que, em certa medida, contribui para o acesso rápido e fácil a “um bom copo”. Observe-se os casos das escolas Secundárias Francisco Manyanga, Josina Machel, Lhanguene e Estrela Vermelha, na cidade de Maputo.

Por outro lado, a restrição imposta aos vendedores, que indica que é “proibida a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos”, soa a conversa para “boi dormir”, assim como continua a ser para “inglês ver” a legislação que restringe o acesso de menores a locais de diversão nocturna.

Recentemente, o Ministério da Indústria e Comércio ensaiou medidas visando a extinção da venda de bebidas em lugares públicos. A medida até tinha data para entrar em vigor. Porém, no dia do início da sua implementação, 15 de Março, o responsável do pelouro, Armando Inroga, apareceu a dizer algo como “precisamos de outras medidas à jusante”… coisa que ninguém entendeu.

Assim sendo, a juventude foi beber para tentar decifrar aquelas palavras.

Um dos locais de eleição para sessões bravas de bebedeira é a Avenida 10 de Novembro, em frente à antiga Feira Internacional de Maputo (FACIM), na baixa da cidade de Maputo. Este espaço acolhe consumidores de álcool de dia e de noite. É uma espécie “drive in”, onde cada um trás o seu farnel de bebidas ou se pode adquirir ali mesmo.

Dada a imensa afluência de adolescentes e jovens, a uma determinada altura, o trânsito congela e sobram imagens de jovens de ambos os sexos a urinarem lado a lado em redor dos carros estacionados, enquanto outros “quebram o esqueleto” em passos cambaleantes de dança. Só visto.

Salta à vista o facto da venda de bebidas ser o principal negócio informal e o testemunho pode ser encontrado nos contentores que fazem o papel de mercearias nos bairros de expansão de Maputo e Matola. Os proprietários destas lojas, em geral, não consomem bebidas por razões religiosas mas, vendem-nas por razões económicas.

Fenómeno “Três-100”

A decisão do Ministério da Indústria e Comércio (MIC) de banir a venda de bebidas alcoólicas em espaços públicos, tais como “o Calçadão”, “10 de Novembro”, “na Pedra”, entre outros, esteve associada ao recrudescimento, nos meados do ano passado, do fenómeno “Três-100” que tinha tomado conta de todas as barracas da cidade e província de Maputo.

Na verdade, este fenómeno consiste na venda de três garrafas de cerveja, nacionais ou importadas a 100 meticais, o que deixou a fábrica Cervejas de Moçambique atónita, alegadamente porque o preço de venda ao público recomendado era de 110 meticais (no mínimo) por cada três cervejas.

A Cervejas de Moçambique alardeou que aquela cerveja era contrabandeada e até incrementou os seus preços, convencida de que o “Três-100” seria exterminado. Puro engano. Enquanto a cervejeira elevava os preços, lugares como o “Mutxopi”, no coração do bairro Chamanculo, atraiam magotes de clientes devido à baixa de preços.

Conforme testemunhamos no Mutxopi, onde aos fins-de-semana a fila se estende pelo quarteirão, seis garrafas de Laurentina Clara são vendidos a 100 meticais, o que significa que cada uma custa cerca de 16 meticais. Ali, três garrafas de 2M são adquiridas a 82 meticais, com a vantagem de ser cerveja gelada. Ali, três saquetas de “boss” custam algo como 10 meticais.

Este quadro se repete um pouco por todos os bairros, incluindo nos grandes supermercados, pelo que, o esforço da juventude é de ter pelo menos 100 meticais para “espicaçar” os amigos ao final do expediente ou durante o final de semana.

Mercado do Museu, conhecido por Barracas de Museu, está localizado defronte da Escola Secundária Josina Machel e da Escola Comercial de Maputo. É ali, ao lado do Museu da História Natural, onde gente de todas as tribos e raças, gente de todo Moçambique e do mundo se reúne para cavaqueiras ao ritmo do álcool, produto que mais se vende e se consome de Segunda a Domingo.

Nas Barracas do Museu tudo se compra, tudo se vende, até ideias. Quem não tem dinheiro sabe que pode comer e beber ao preço da sua “lábia”. Assim, alguns saem de lá embriagados sem que tivessem gasto um tostão do seu bolso.

Gente de todos os extractos sociais (pobres, ricos, analfabetos, doutores) lá se cruza, se abraça, se beija e analisa as principais notícias do dia, tornadas públicas pelas redes sociais e pelos meios de comunicação social habituais.

A afluência começa a se tornar evidente a partir das 15,30 horas quando os funcionários deixam as suas obrigações profissionais. Ali, uma cervejinha, um duplo de gin ou umas rodadas de whisky são adquiridos ao preço mais baixo que se possa ter no país.

Não é o fenómeno “Três-100” que faz abarrotar as Barracas de Museu. É o preço convidativo das bebidas secas, que variam de 10 a 15 meticais um cálice, exceptuando um e outro vendedor que procura ganhar mais que os outros, e fica uma semana a vender uma garrafa de Gin por 50 Mts por duplo.

A moda das “secas” baratas começou num contentor que se tornou famoso há anos. Depois se alastrou por outras bancas e barracas. Por causa disso, todos os dias parecem iguais, pois, os consumidores são os mesmos, nos mesmos lugares e para o mesmo fim: beber.

Para quem tem mais dinheiro há sempre um petisco de dobrada ou de cabeça de vaca, a 50 Mts cada tigelinha bem quentinha e com piri-piri e limão. Poucos resistem.

Em pé ou sentados, os consumidores se reúnem em grupos, mediante a aproximação entre eles, ora porque são colegas de profissão, ou porque comungam mesmas ideias políticas, económicas e até sociais.

Com o tempo os grupos se tornam menos ou mais frequentados. Neles tudo se discute e se analisa em pormenor, mas nada se aprova, porque o “Parlamento de Museu”, por mais democrática que seja, não tem poderes de decidir nada. Propostas de uma melhor distribuição da riqueza, de uma melhor solução para o fim tensão político e militar são esmiuçadas, mas, tudo termina ali.

Para muitos, as Barracas de Museu são um ponto de encontro e também é onde os docentes das escolas vizinhas se acomodam, junto dos bêbedos mais novos, seus alunos, aí seus colegas. Infelizmente, os alunos alinham mais na “tentação”.

Ver um escritor, médico, deputado, alto dirigente estatal a se “divertir” nas Barracas de Museu até parece algo normal de tão corriqueiro. As Barracas de Museu só podem ser desafiadas pelo Mercado do Povo (MP), defronte do Edifício Central do Conselho Municipal de Maputo, onde também se cruzam as tribos, raças deste mundo que cada dia é derrotado pelo álcool.

O problema começa em casa

-Afirma Honório Massuanganhe, psicólogo

A nossa equipa de reportagem procurou respostas para o fenómeno que hoje se assiste um pouco por todo o país, mas, como ênfase para a cidade e província de Maputo. O psicólogo Honório Massuanganhe, entende que a responsabilidade pelo quadro prevalecente é de toda a sociedade moçambicana a começar pela família.

Segundo ele, há gente que consome por abuso, para se inserir em determinados grupos de amigos e colegas. “Este comportamento é muito comum entre adolescentes e jovens, cuja personalidade ainda está em formação”.

Por outro lado, existem pessoas que consomem bebidas convencidas de que, por esta via, podem vencer problemas existenciais, de tipo perda de ente querido, separação conjugal, entre outras situações do género. O psicólogo descreve este tipo de consumidor como aquele que procura fugir do problema bebendo tudo o que encontra pela frente. “É aqui onde se enquadram os que dizem que bebem para esquecer”.

Em terceiro lugar, e não menos importante, é que as famílias parecem incentivar ao consumo de álcool porque, crianças de tenra idade, são orientadas a comprar bebidas e a assistir aos pais e outros familiares a beber.

Em festas de crianças, que são comuns no meio urbano, muitos pais levam as suas garrafas e colemanspara celebrar e isso é uma forma de estimular o consumo nas crianças”, sublinhou e acrescentou “não existem na sociedade mecanismos de controlo. O que há são mecanismos que estimulam o consumo”.

Mais adiante referiu-se ao facto de haver demasiada publicidade que apela ao consumo do álcool, vídeo clips (de música) nos quais os artistas aparecem sempre em cenários onde as bebidas estão presentes, o que leva a que muitos adolescentes entendam que para ser uma referência juvenil é preciso estar abraçado a alguma bebida.

Jorge Rungo, Manuel Meque e Luísa Jorge

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