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Um negócio fora do controlo

Por admin

A reprodução e venda de cães, bem como a venda  de medicamentos veterinários destinados a estes animais está a ganhar contornos preocupantes nas principais cidades do país. Em Maputo então? Nem se fala. Os animais são vendidos em esquinas. Outros lucram vendendo cães roubados. A Ordem dos Médicos Veterinários de Moçambique brada aos céus à busca de um freio para este tipo de negócio que encerra em si muitos perigos para a saúde pública.

O cão é o melhor amigo do Homem”, é uma célebre frase celebrizada por George Graham Vest, um advogado americano que, em tribunal, defendia um caso relacionado com a morte de um cão, conhecido por Old Drum (Velho Tambor), pertença de um fazendeiro anónimo.

A frase foi pronunciada a 23 de Setembro de 1870, em Missouri, nos Estados Unidos da América (EUA), mas ecoa até aos dias de hoje, com milhões de pessoas a levarem o assunto muito a sério. Tão a sério que muitos assumem os seus cães como membros da família, com direitos e privilégios que alguns humanos desejam para si.

Para o adestrador Rodolfo da Silva, que trabalha na área há dez anos, o cão é um animal que merece esse tratamento, uma vez que ele sabe corresponder à atenção que lhe é dedicada, a ponto de não permitir que se dê uma palmada no ombro do seu dono. “Ele consegue perceber quando estamos tristes ou satisfeitos e pode nos salvar das mais variadas encruzilhadas”, disse.

Por causa disso, Rodolfo, também conhecido por Russo, entende que faz sentido que se dê todos os mimos a estes animais, incluindo a oferta de uma alimentação topo de gama, assistência médica em clínicas privadas, ginásio, piscina, climatização, entre outros caprichos que, em alguns casos podem soar a ridículos.

Enquanto uns dão todos os mimos do mundo aos cachorros, outros buscam, e encontram, nestes animais a fonte de sobrevivência com rendimentos surpreendentes. Não é por acaso que cresce de forma alucinante o número de casos de roubo de cães quer nas áreas mais distintas das grandes cidades, como nos bairros “recém-nascidos”.

Em conversa com a médica veterinária Isabel Osório, que explora o ramo há cerca de 25 anos na cidade de Maputo, a “corrida” aos cães de grande porte verifica-se de há uns cinco anos a esta parte e de se deve ao aumento do poder aquisitivo das famílias que lhes permite ter habitações condignas e quintas no foral das cidades, por isso, susceptíveis de sofrer assaltos.  

Porque o mercado se rege por regras próprias de procura e oferta, os cães são vendidos a preços que já roçam ao irracional e, por incrível que pareça, há sempre compradores que pagam sem pestanejar e em disputas frenéticas. Com o negócio a fervilhar não admira o crescimento do número de “empreendedores” que começam a dedicar-se exclusivamente à criação destes animais com fins comerciais.

A nossa equipa contactou alguns vendedores de cachorros e apurou que os mais procurados são o Pastor Alemão, Rottweiler, Boerboel, Leão da Rodésia, Pitbull e o cão Maltez. Conforme apuramos, o mercado canino gira em torno destas raças, o resto vem apenas fazer companhia, pese embora alguns dos restantes sejam bem mais caros.

Com a procura em alta, como tem estado a acontecer presentemente, um Pastor Alemão, ainda bebé, com um máximo de oito semanas, é vendido a 10 mil meticais, em média e com o regateio de permeio. O Rottweiler mirim vai até aos 15 mil dependendo da habilidade do vendedor e da capacidade de negociação do comprador.

O cão da raça Boerboel com poucas semanas de vida é vendido hoje entre 12 e 15 mil meticais, o famoso Pitbull tem o preço mais volátil que varia entre os sete e os 15 mil meticais. O Leão da Rodésia sai a uns 10 mil meticais e o Maltez (que tem outras características e finalidades) tem o preço mais baixo que gira em torno dos cinco mil meticais.

O que torna estes caninos mais procurados é o simples facto destes serem naturalmente talhados para “trabalho” ao mesmo tempo que conjugam esse lado com características de estimação. Trata-se de cães de grande porte, com tino apurado em relação ao espaço que lhes pertence e, por isso, são bons guardas.

Rodolfo da Silva também enfatiza que nem todo o cão pode ser um bom guarda. Aliás, Isabel Osório diz o mesmo. “Tem cães que só servem como animal de estimação, nomeadamente o Maltez e o Chow Chow (originário da China). Estes, geralmente vivem dentro de casa e funcionam como alarmes para alertar aos cães de grande porte sobre uma eventual invasão”.

GATO POR LEBRE

Com os preços em alta começam a aparecer “especialistas” em burlas e que buscam o lucro fácil. Referimo-nos aos ladrões de cães e aos vendedores ambulantes que proliferam pelas grandes cidades. Estes não poupam no engenho para vender cachorros.

Conforme apurámos, alguns compradores acabam adquirindo um cão Rafeiro a pensar que está a comprar um excelente Pastor Alemão, Boerboel ou Leão da Redésia. É que os cães, com poucos dias de vida, são quase todos iguais como, aliás, acontece com os humanos.

Para facilitar a consumação do golpe, os vendedores de esquina passam graxa no corpo do animal e penteiam os pelos para que fiquem “em pé” e firmes. Assim, qualquer Rafeiro-Bebé fica igualzinho a um Pastor. A montra mais apreciada pelos negociantes ambulantes é esquina da Avenida 24 de Julho com a Albert Luthuli, na cidade de Maputo.

Perante o olhar silencioso e aparentemente cúmplice das autoridades municipais, sanitárias, veterinárias e da sociedade em geral, aquela esquina já faz parte do roteiro urbano destinado à compra e venda de cães. Mas, a Ordem dos Médicos Veterinários de Moçambique diz-se arrepiada com aquele quadro.

Segundo o bastonário desta ordem, Mário Mungói, secundado pelo adestrador Rodolfo e pela médica Isabel Osório, comprar um cão na rua é de todo condenável porque não se conhece o estado de saúde do animal, a sua origem (se é fruto de roubo) e nem se tem o Certificado de Pedigree do animal que indica as características básicas do animal, padronizadas de acordo com a raça, variedade e pelagem (tipo e cor) que mostram os ascendentes do cachorro até à terceira geração.

Para se comprar um cachorro é preciso, sobretudo, conhecer os progenitores do animal, ter um cartão veterinário e ter o registo de quem vendeu, elementos que não são possíveis de colher com a necessária fidelidade na via pública e, pior, numa negociação que se faz em 30 segundos no semáforo”, afirmam.

Para além da possibilidade do comprador adquirir gato por lebre, os nossos entrevistados afirmam que existe o risco de se adquirir um cachorro que são fruto de cruzamento consanguíneo, o que pode virar uma desilusão mais tarde, pois o animal pode apresentar defeitos genéticos que o vão causar atrofia ou um comportamento extremamente agressivo até contra o próprio dono.

Mesmo a propósito de defeitos genéticos, Isabel Osório disse que alguns cães podem crescer e a certa altura apresentarem deformações físicas que lhes vão causar muita dor. “O pior de tudo é que os que fazem esses cruzamentos clandestinos não imaginam que a correcção física só é feita em clínicas veterinárias especializadas e a um preço extremamente alto”.

Por seu turno, Mário Mungói disse que a Ordem dos Médicos Veterinários já percebeu que a sociedade moçambicana está perante um negócio que está a crescer e que o sector é bastante agressivo e, por isso, alguém deve impor a ordem obrigando estes grupos a se organizarem em associação e a terem locais apropriados para o desenvolvimento do negócio.

“Alguém deve travar este comércio de cães de origem duvidosa nas esquinas. Também deve ser travada a venda de medicamentos veterinários “porta-a-porta”. É preciso disciplinar”.

O que incomoda ao adestrador Rodolfo é que a venda de cães na rua é feita sem obediência a nenhum cuidado com a saúde dos cachorros. “Não são alimentados convenientemente, passam horas sem beber água e expostos ao sol, vento e chuva. Há uma clara violação da lei e das posturas municipais neste negócio”.

No conjunto de arbitrariedades que ocorrem na via pública, Rodolfo aponta também a qualidade das coleiras que muitos vendedores usam nos cachorros e até mesmo em cães adultos. “A coleira tem as suas especificações”, afirma.

“AGARRA O LADRÃO!”

Enquanto uns burlam o comprador incauto que só quer ter um cão de raça porque viu e gostou de um em casa do amigo, outros vão por trás e fazem coisas piores. Vivem da vende de cães roubados. Para conseguirem os seus intentos não poupam esforços.

Conforme apuramos, há larápios que agem com uma habilidade dos diabos. Por exemplo, conseguem roubar cães e assaltar residências com a ajuda de cadelas. Isso mesmo! Cadelas. Percebendo que na casa visada tem um macho, os gatunos introduzem no quintal uma fêmea em cio. O resto já se pode imaginar. Este é apenas um exemplo. Tem muitos mais. Cada um mais bizarro que o outro.

Não é por acaso que o adestrador Rodolfo da Silva recomenda que quem deve alimentar o cão deve ser sempre a mesma pessoa na família e não toda a gente. “De preferência deve ser o dono da casa e nunca o empregado doméstico pelos vários relatos que se ouvem todos os dias”.  

Na mesma toada, Russo afirma que quem possui machos como cães de guarda não pode dormir tranquilo porque os machos, geralmente, são vulneráveis a burlas. “As fêmeas tem um instinto natural para a acção, enquanto os machos são mais reactivos. A não ser que sejam capados para serem mais agressivos e corpulentos. As fêmeas também se tornam maiores e agressivas quando são laqueadas”, disse.

No que se refere à alimentação, Rodolfo explica que muitos detentores destes animais cometem alguns erros primários. “O cão não deve ser alimentado com restos de comida comum e, pior, com comida que contenha ossos e espinhas porque estas podem destruir a dentadura do animal e atravessar o estômago e levá-lo à morte”.

Segundo o adestrador, os cães devem ser alimentados preferencialmente três vezes ao dia com alimentação apropriada. Para o caso de famílias sem grandes posses, a recomendação é que ofereçam pratos feitos de farinha com gorduras.

Também explica que é preciso manter a necessária atenção em relação às vacinas antirrábicas e desparasitantes vendidas por entidades credenciadas. “Ter um cão e cuidá-lo acarreta custos. Um saco de 25 quilogramas de ração custa cerca de 2500 meticais, as vacinas andam entre de 750 e 1500 meticais, entre outras despesas”.

CANIL COM AR-CONDICIONADO

O facto é que quanto mais posses as famílias possuem, mais extravagâncias fazem. Enquanto realizávamos a presente Reportagem, apurámos que começa a surgir uma leva de cidadãos que não se contentam com os cães comuns e importa alguns de raças que enfrentam dificuldades para se adaptarem ao clima quente e húmido.

Temos recebido cães com paragens cardiorrespiratórias e que obrigam a intervenções médicas que são muito caras” disse Isabel Osório a quem perguntamos de que raças falava. “Falo, por exemplo do Golden Retriever e do Husky Siberiano”.

O Golden Retriever é originário da Grã-Bretanha, que foi desenvolvido para a caça de aves e tem sido vendido a mil (1000) dólares americanos (cerca de40 mil meticais) em Maputo, e do Husky Siberiano (parecido com o Pastor Alemão), é originário dos montes Urais, na Sibéria, Rússia. Estes e outros cães, como o chinês Chow Chow, são das neves e apesentam pelo duplo que, para se adaptar às temperaturas tropicais devem ser tosquiados e viver em ambiente climatizado, coisa que, à partida, não é para qualquer um.

São cães de uma beleza muito grande, mas os donos são obrigados a gastar muito dinheiro para mantê-los vivos porque de outro modo acabam apresentando problemas, por vezes associados à falta de higiene dos recipientes usados para alimentar ou abeberar”, disse a médica veterinária referindo-se a eczemas ou dermatites, que são inflamações na pele.

Texto de Jorge Rungo
jrungo@gmail.com

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