Reportagem

“Tenho ideias dinâmicas para Tete”

Texto de Jorge Rungo
O governador de Tete, Paulo Auade concedeu-nos uma entrevista, em exclusivo, na qual aborda os principais avanços e desafios da província. Deixa claro que, se lhe for dado tempo, vai mudar o actual quadro de abastecimento de água que é dramático e que empurra a população a disputar água com o gado e com animais ferozes.

 Diz também que pretende implementar as algumas ideias a que rotula de “esquisitas”, para tornar as estradas terciárias transitáveis o ano inteiro. “Eu gosto de desafios”, garante.

A província de Tete tem fama mundial por possuir uma das maiores reservas de carvão mineral do mundo. E que carvão?! O melhor possível. O chamado carvão de coque. Mas, tem muito mais. Tem uma enorme reserva de ferro e aço, entre outros recursos minerais.

Os rios que aqui correm têm peixe-pende para dar e vender e há também kapenta na Albufeira de Cahora Bassa que funcionam como fontes de renda cruciais para a economia local, uma vez que, para além do consumo interno, são produtos de exportação.

Na parte norte de Tete, a agricultura é de se lhe tirar o chapéu que alimenta até as populações do Malawi e da Zâmbia que saciam a sua fome com a batata, milho, repolho, cenoura, tomate, cebola, alho, entre outros produtos colhidos nos imensos campos de Angónia, Tsangano, Macanga, Marávia e Zumbo.

Na parte sul de Tete, o gado bovino e caprino crescem e multiplicam-se sem precisar de pastagens verdejantes, porque nem existe. Os distritos são quase todos semi-áridos, o que é agravado pelo intenso calor que se faz sentir em quase todo o ano e pelo terreno que é rochoso.   

No reverso da moeda, a população humana não tem água potável para o seu consumo, quando a maior parte dos rios são de regime permanente. Até riachos que não aparecem no mapa têm água durante todo o ano.

Na saúde, a população enfrenta diarreias agudas, por consumir água imprópria. Também sofrem de malária, desnutrição crónica, HIV e tuberculose. Estas são as principais doenças de que todos se queixam um pouco por toda a província.  

Estradas são outra dor de cabeça. Basta “tirar o pé” das estradas nacionais… acabou. É sofrer a sério. Falta uma manutenção séria para tornar a ligar os pontos de produção aos de consumo dentro do território nacional, a começar pela própria cidade de Tete, que hoje reúne grandes empresas e milhares de trabalhadores que demandam alimentos diariamente.

Quando confrontado com esta realidade, Paulo Auade diz que tem em mãos um conjunto de ideias, a que rotula de “esquisitas”, que poderão mudar o actual quadro de avesso. Faz até contas para demonstrar que com poucos recursos é possível tornar as vias terciárias transitáveis o ano todo.

Diz igualmente que não dormirá tranquilo enquanto não resolver o problema do acesso à água potável que, na sua óptica, é um dos maiores desafios da presente governação. A seguir transcrevemos os principais excertos da conversa.

Em que patamar coloca a província de Tete neste momento em termos de desenvolvimento social e económico?

A economia tem estado a crescer, apesar do preço do carvão no mercado internacional. Temos vários recursos e, em termos percentuais, referentes ao ano passado, na agricultura tivemos um excedente de mais de 300 mil toneladas, o que é um saldo positivo. Mas também temos a pesca. O peixe é um dos grandes contribuintes na nossa balança de pagamentos. Temos também a energia de Cahora Bassa. No ano passado, conseguimos aumentar a receita em mais quatro por cento. Significa que há toda a possibilidade de esta província se desenvolver rapidamente. Também temos imenso potencial pecuário, onde se destaca o distrito de Changara, como maior produtor.

Mesmo com dificuldades de acesso à água…

Num passado recente tivemos alguns problemas por falta de represas, particularmente em Changara. Mas, temos estado a priorizar a sua construção e estabelecemos a meta de ter entre três a quatro represas por ano, que não são suficientes, mas podem minimizar o problema.

Das visitas que tenho estado a fazer, observo que a província é bastante produtiva, mas continua a enfrentar dificuldades de escoamento interno. Quais são os planos de investimentos em infra-estruturas?

Sabemos que temos os distritos mais produtivos como Tsangano, onde encontramos tudo que é possível produzir. Temos o distrito de Marávia, Zumbo, Macanga e Angónia, este último que é o centro das operações de produção. Só em Angónia temos a fábrica de processamento de milho, temos os silos e vamos ter fábrica de processamento de frango. Muita coisa vai acontecer neste distrito, mas este distrito vai servir também como a base de fornecimento de outros produtos que virão de outros distritos.

Perguntava sobre o investimento em infra-estruturas…

Temos um plano sim. Prevemos que, ainda neste quinquénio, teremos o distrito de Tsangano com vias de acesso bem-feitas e vamos apostar, sobretudo na construção de uma estrada melhorada que vai unir Mpulo, Tsangano, Biri-biri até Angónia.

Qual é a importância dessa via?

Esta estrada é estratégica. Não podemos perder de vista que o distrito de Tsangano é o maior em termos de produção, só que as vias de acesso têm sido o nó de estrangulamento.

Sendo assim, qual é a aposta?

A grande aposta para os próximos dois anos é construir essa estrada para servir de ponte para poder escoar os seus produtos para os centros processamento e consumo.

Em que fase está essa iniciativa? Tem orçamento ou ainda se está na planificação?

Já tivemos duas reuniões com o Banco Mundial. Estamos a trabalhar nesta perspectiva e tudo indica que vamos ter dinheiro ainda dentro deste ano. Caso contrário só no próximo ano. Há dados muito avançados para procurar a empresa que vai fazer a consultoria e a empresa que vai executar as obras.

Qual é o montante?

Estamos a falar, numa primeira fase, de cerca de 18 milhões de dólares.

Para que extensão de estrada?

Estamos a falar em termos de cumprimento de cerca de 150 a 200 quilómetros. Precisamos melhorar cerca de 45 quilómetros. São ligações curtas. Mesmo que não consigamos fazer os 200 quilómetros, o que vai ficar é uma distância muito ínfima que mesmo com recursos próprios podemos fazer.

Existe capacidade local para executar este tipo de obras?

No quinquénio passado foram adquiridas algumas máquinas para a manutenção de estradas que foram entregues a 12 distritos. Não são máquinas grandes. Como filosofia, decidimos, numa sessão de governo provincial, que os administradores devem apresentar um plano de trabalho para saber quantos quilómetros vão fazer com a maquinaria existente.

O que dizem os planos das administrações distritais?

Alguns administradores apresentaram 30, outros 45 e outros 70 quilómetros. Vamos deixar assim numa primeira fase para medir se aquilo que eles planificam vão cumprir. E cumprindo isso, no próximo ano já entramos com mais facilidade, mais propriedade, para decidir os quilómetros que podem ser feitos.

PRECISAMOS

DE DAR ÁGUA

O que lhe parece ser necessário atacar com muita força em prol das populações?

É urgente resolvermos o problema do abastecimento de água, porque temos constatado que em todos os encontros populares que fazemos, fala-se da água e das vias de acesso.

Como pensar resolver?

Este ano alocamos fundos para a área de água e vamos fazer muitos furos. Numa primeira fase, vamos fazer 10 furos para cada distrito.

Quais são os distritos críticos?

Distritos de Dôa e Tsangano. Há um outro distrito crítico que é Angónia, onde precisamos arregaçar as mangas. Mas estamos a resolver paulatinamente.

Resolver paulatinamente significa…

Significa que todos os anos vamos disponibilizar fundos para água, porque, devido ao consumo de água imprópria temos as diarreias. A Direcção Provincial da Saúde tem estado a trabalhar nesta matéria através da sensibilização às comunidades. Há palestras nas comunidades. Mesmo nos comícios, apelamos às comunidades para ferver a água, lavar as mãos antes de comer, construir latrinas melhoradas, aqueles cuidados necessários para uma comunidade estar livre das diarreias.

Mas o problema continua. Significa que há algo mais que deve ser feito…

É verdade. O grande problema é de água, pois, em algum momento as populações vão buscar água onde bebem os animais e é por isso que uma das grandes prioridades que definimos é todos anos pensarmos na água. Por isso temos a prioridade de abrir dez furos por distrito.

Se para a água temos soluções à vista, o que tem a dizer sobre a tuberculose e HIV?

Temos estado a trabalhar na sensibilização e com as comunidades para fazer testes quando é necessário. Mas é preciso ver que o nosso país, a nossa província em particular, tem uma situação atípica de mil e 700 quilómetros de linha de fronteira com a Zâmbia, Malawi e Zimbabwe. E Tete é um corredor. Tudo isso contribui para que estejamos expostos a riscos.

IDEIAS ESQUISITAS

Tem uma meta pessoal para o tempo que tem pela frente como governador?

Primeiro, cumprir o que está no plano quinquenal. Eu gosto de desafios. Eu não desisto. Mesmo em termos empresariais cheguei onde cheguei porque tinha que desafiar aquilo que era difícil. Para mim não há obstáculo nenhum.

Então qual é a sua meta para a província nestes cinco anos?

Neste quinquénio, o meu sonho é deixar a província com água potável suficiente para a população, com vias de acesso que liguem a cidade de Tete à sede do distrito de Mutarara, de Tete a Zumbo, Tete para Macanga. Estamos à procura de orçamento, mas sempre faço ruido sobre isso. Tenho algumas ideias esquisitas.

Pode-nos revelar que ideias esquisitas são essas?

O meu sonho, o meu pensamento, que é esquisito, relaciona-se com o sector de estradas. Um quilómetro de estrada custa cerca de um milhão de dólares, mas a experiência que tenho da África do Sul mostra que lá existem estradas principais alcatroadas e terciarias que não estão. A experiência que tive nas minhas andanças é que já vi uma portagem numa estrada terciária. Perguntei a eles como faziam as estradas. Disseram que é preciso arranjar a estrada como se quisesse alcatroar. Tem que remover e regar os solos, compactar, colocar pedra três quartos, misturar a pedra e pó de pedra, e ir fazendo grandes camadas compactadas por cilindro. Fazer tudo o que é necessário, menos alcatroar.

Isso funciona?

Tens a estrada por cinco anos ou mais, dependendo da manutenção que vais fazer e uma estrada destas não custa mais do que 110 a 120 mil dólares por quilómetro. Está a ver a preparação? Podemos poupar à vontade e até encontrar um construtor capaz de fazer uma obra destas por 100 mil dólares por quilómetro. Em cada um milão de dólares podemos fazer 10 quilómetros de estrada terciária.

É mesmo esquisito. Tem mais?

O grande sonho mais esquisito ainda é que se tivermos na província quatro britadeiras móveis com todo o equipamento, nomeadamente quatro camiões basculantes, dois tanques, uma máquina de perfuração, umas quatro pás escavadoras, um cilindro de qualidade, as coisas iam acontecer. Bastava encontrar empresários dispostos a fazerem a gestão à semelhança daquilo que se faz com equipamento agrícola. Faríamos para quatro distritos, como quem diz, onde houvesse mais necessidade. E poderíamos voltar às pontes metálicas, porque os nossos solos aqui em Tete são muito movediços. Com as pontes metálicas o assunto é diferente, pode haver erosão, mas ela está lá. É uma questão de fazer reposição dos solos e voltarmos a usar a infra-estruturas.

Esse é o seu grande sonho?

Estou a vender em vários pontos e vamos ver o que vai sair. Eu tendo esse equipamento tinha a província com vias de acesso e meu sonho realizado.

Texto de Jorge Rungo

jrungo@gmail.com

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