– Maria do Carmo da Silva, médium que tem apoiado a escritora Paulina Chiziane. Face ao despertar da mediunidade da conceituada escritora Paulina Chiziane, domingo foi ao encontro da médium
Maria do Carmo da Silva, que é igualmente co-autora da última obra da escritora. Maria do Carmo da Silva trás nesta entrevista a experiência que viveu até se aperceber de alguns fenómenos que o acompanharam desde a infância.
Maria de Carmo, o que chega a ser espiritismo?
É ciência, religião de moral cristã e ao mesmo tempo filosofia. Diz-se que o maior médium foi Jesus Cristo que veio à terra para exemplificar com a sua vida, todo o processo mediúnico. Exemplificou a cura, as aparições e outros actos nobres…
A obra de Allac Kardec, um dos cultores do espiritismo, fundamenta que o espírito é o principio inteligente do universo. Como se explica a existência de espiritualidade?
Deus é a causa primária e nós criaturas de Deus dotadas de inteligência por ele dada. Não existe uma supremacia maior que a inteligência de Deus, nosso criador.
Deus nos criou com amor e por amor. Então essa força energética é que nos sustenta, constituindo a parte espiritual, pois o Homem é composto por dois lados: o material (o corpo físico) e o espiritual.
O nosso corpo pode acomodar vários espíritos?
Não. No nosso corpo reside apenas uma entidade espiritual. Os outros espíritos como o nosso anjo da guarda, ou guia espiritual, não entram dentro de nós, mas sim ficam próximos de nós nos influenciando, mas nunca tomando parte do nosso corpo.
HISTÓRIAS DE ESPIRITISMO
A descoberta da mediunidade nem sempre se realiza num processo pacífico. Fala-nos um pouco do início da sua experiência.
Vou voltar um pouco à minha meninice em que eu achava uma certa piada algumas pessoas falarem comigo como se eu fosse adulta.
Uma vez minha mãe mandou-me ir buscar uma curandeira porque ia fazer uma missa da família. Fui a um lugar que tinha cerca de 10 palhotas a tocar batucadas.
Quando cheguei as batucadas intensificaram-se. Foi giro. Estavam naquele quintal mulheres que estavam incorporadas e algumas delas vieram saudar-me.
Nisto, uma delas foi uma menina com cerca de 11 anos de idade que se aproximou de mim e queixou-se de que não lhe estavam a dar a importância devida para o desenvolvimento mediúnico dela. Foi algo estranho para mim.
E como entendeu aquele episódio?
Era nova e não entendia absolutamente nada. Aquele episódio nunca se apagou da minha mente. Questionava-me porque é que tanta gente se manifestou daquela maneira diante de mim.
Passados muitos anos, eu falava com as pessoas e dizia coisas que não devia. Lembro- me que uma vez a minha mãe estava com uma senhora que tinha um bebé muito bonito e eu disse a ela: “É tão lindo esse bebé, é pena que ele vai para Deus”. Minha mãe bateu na minha boca e dois meses o bebé morreu. Eu tinha por aí uns 10 anos.
Num dado momento, comecei a perceber que havia pessoas que me vinham fazer perguntas à espera de respostas. Eu dizia que não tinha resposta para elas, mas brincava com elas lendo sua sorte a partir das mãos.
Anos depois, houve uma mulher que me falou que o que havia dito na leitura aconteceu…
Estava a começar a ganhar consciência de algo?
Não, ainda não tinha nenhuma consciência. Tanto é que passados anos, um dia fui acompanhar uma amiga a uma médium. Eu disse-lhe que não percebia nada daquilo e que lhe esperaria fora do local.
E a senhora lá dentro perguntou a minha amiga se eu não a consegui tratar. Minha amiga respondeu que eu era apenas uma companheira.
A médium disse a minha amiga que eu podia tratá-la e que não precisava estar ali. Fui chamada e quando entrei ela perguntou-me o que havia sucedido para eu não conseguir tratar minha amiga.
Respondi que não sabia tratar ninguém. A senhora perguntou-me se achava que ela não havia percebido que eu era médium…
Esse tipo de episódios foi sendo frequente até descobrires a sua mediunidade?
Sim. Tempos depois, começo a ver manifestações físicas como pancadas, portas a abrirem e fechar, entidades espirituais onde eu estava. Mas achava natural e para mim não era assunto que eu levasse para fora. Vivia aquilo e guardava para mim…
Foi pacífica aceitar a sua mediunidade?
Olha, se eu tinha realmente este dom e o mesmo serviria para ajudar aos outros, dando de graça aquilo que de graça recebi, então estava pronta para aceitar e abracei a causa espírita até hoje.
Em algum momento a sua mediunidade interferiu no seu curso normal de vida?
Influenciou. Várias vezes eu sofri desequilíbrios que não me apercebi que era mediúnica. Cheguei a ficar numa situação em que chamaram de esgotamento.
Ficava uns dias sem noção da passagem de dias, do que estava a acontecer, fiquei cega por uns dias.
Como os moçambicanos encaram a mediunidade?
Não posso responder pelos moçambicanos. Posso dar um parecer meu que o mundo desperta para as sensações. Portanto, o reconhecimento do meu ser espiritual, em todo mundo sem excepção, acaba sendo doloroso quando conectado com as culpas sempre atribuídas a alguém.
O que eu gostava era que olhássemos para todas as correntes religiosas como necessárias, pois em cada uma delas, cada ser se identifica e busca a sua espiritualidade.
O que isto significa?
Isto quer dizer que todas elas são importantes desde o momento que todas inclinem para o bem e amor ao próximo.
A doutrina espírita fala sobre a reencarnação. Quando é que um espírito deve reencarnar?
O espírito evoluiu de microrganismo para chegar onde chegou. Mas no princípio ele era primitivo, homem da idade da pedra. Vamos lá buscar o homem da idade da pedra.
Como seria a Maria do Carmo na idade da pedra? Ali na infância da minha existência. Imagine que eu desencarne, vá para pátria espiritual, lugar que o espírito fica depois da desencarnação. Se não reencarno fico a Maria do Carmo da Idade da Pedra.
Tempos depois reencarno na terra e vejo que os outros já evoluíram. Aqueles que tiveram este processo a muito tempo, discutiram, se educaram e evoluíram. A reencarnação faz parte da evolução do espírito. Nós hoje somos resultados das nossas vivências em vidas passadas.
Como interpretar a espiritualidade tendo em conta a nossa tradição africana?
O nosso lado espiritual é a continuação de nossas vidas anteriores. Algumas vezes o curandeiro diz que os nossos antepassados são responsáveis pelo nosso sofrimento hoje, devemos pegar essa revelação e analisar sob o ponto de vista de vidas sucessivas.
Como é que explicamos o caso de uma mulher nhamussoro que entra em transe e possui uma voz masculina?
Pode acontecer que seja o guia espiritual dela que naquele momento se aproxima dela e usa as cordas vocais dela, para se comunicar connosco.
Através da sensibilidade mediúnica dela, a aproximação do guia espiritual dela, aquele que tem a capacidade de dar resposta, conselhos em tom masculino.