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Sem peixe e sem camarão

Por admin

 

Texto de Jorge Rungo

Moçambique quer se agigantar na exploração da aquacultura para fazer com que a população tenha acesso a esta fonte proteica e, por essa via, contribuir para a redução da fome e da desnutrição. Entretanto, o caminho é tão longo e espinhoso que todas as experiências até aqui feitas faliram. Uma decepção. Das grandes.

AquaPesca, AquaPemba, AquaBeira, AquaQuel, AquaZon, Mexilhão da Baía de Maputo e Aquacultura de Camarão no Costa do Sol são alguns dos projectos que surgiram um pouco por todo o país e sumiram num ápice para o desespero de todos os que esperavam que estas tivessem um grande impacto social e económico.

A explicação para este infortúnio vem da Escola Superior de Ciências Marinhas e Costeiras (ESCMC), da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) que desenvolveu um estudo em torno do tema e que chegou à triste conclusão de que “a aquacultura ainda não é sustentável em Moçambique”.

Segundo o referido estudo, apresentado pelo Professor Associado de Oceanografia Física, António Hoguane, este sector padece de custos iniciais de operação bastante elevados e do preço da ração que é um dos insumos mais caros no processo de cultivo.

Apesar de a aquacultura estar no topo das prioridades governativas, até aqui o sector só acumulou um registo assustador de empresas e projectos que faliram, a começar pela iniciativa denominada AquaPesca, estabelecida em Inhassunge, na Zambézia, na década de 90, e que produzia camarão da espécie Monodon numa área de 350 hectares (ha) com capacidade para produzir até 800 toneladas (ton) por ano.

Este empreendimento entrou em falência em 2011, devido à eclosão do vírus da mancha branca que desvalorizou a qualidade do camarão a ponto de ser impossível coloca-lo no mercado. Consta ainda que a tarefa daquela empresa não engrenava convenientemente porque o Monodon precisa de um alimento adequado que o mercado não oferece.

Ainda na Zambézia foi estabelecido um segundo projecto denominado AquaQuel que começou a dar para o torto ainda na fase inicial por causa dos custos para a abertura de tanques. Os gestores desta iniciativa alugaram um tractor que lhes custou 21 mil meticais por dia. Neste período a máquina abria um tanque de um hectare e meio. Feitas as contas, em 21 dias de trabalho foram soterrados 588 mil meticais.

Porque este caminho se mostrou inviável, a AquaQuel experimentou seguir por um atalho. O uso de mão-de-obra braçal. Homens de enxadas e picaretas foram mobilizados e a empresa teve que desembolsar um milhão e duzentos mil meticais (1.200.000 MT) para abrir um (único) tanque. No final, esta iniciativa teve um tanque de um hectare e outros três de meio hectare cada.

Para a desgraça desta empresa, os alevinos (peixes bebés que devem povoar os tanques) eram refugos, na linguagem dos avicultores, sem a menor qualidade possível e, pior, eram de água doce e precisavam de tempo para se adaptar à água salgada.

Mas, como um azar nunca vem só, a AquaQuel também se deu mal para alimentar estes alevinos de má qualidade. Comprou ração na AquaPesca a 50 meticais o quilograma, quando a ração importada custava 40 meticais pelo mesmo quilograma.

Na zona de Zonguene, província de Gaza, idem. Foi criado um projecto a que se deu o nome de AquaZon com dois tanques de um hectare cada que foram feitos a um custo de um milhão de meticais pelos dois. À semelhança da experiência da AquaQuel, os alevinos não tinham qualidade, alguns populares vandalizaram os tanques e os custos operacionais eram insustentáveis. A empresa faliu!

Enquanto isso, decorria a experiência amarga da AquaPemba que pretendia fazer a criação e produção de espécies marinhas, quer sejam de peixe ou de camarão. No caso vertente, a AquaPemba produzia peixe Cobia e Corvina, que também requer alimento especial. Tal como as outras iniciativas que começam por “Aqua” esta também não resistiu e faliu.

Para variar, a cidade de Maputo, na década 80 também beneficiou de um projecto de cultivo de mexilhão na famosa zona de Costa do Sol, numa área de 10 hectares, cujos vestígios esfumaram-se com o tempo, porque logo que o financiamento terminou o empreendimento fechou.

INICIATIVAS COMUNITÁRIAS, IDEM

Sem êxitos palpáveis nas experiências empresariais, Moçambique continua a assumir a aquacultura como um importante trampolim, pelo que as províncias de Manica e da Zambézia ainda concentram um número considerável de projectos familiares de subsistência.

Para estas iniciativas, o Instituto Nacional de Aquacultura (INAQUA) oferece apoio técnico, insumos e assistência financeira. De igual modo, várias organizações não-governamentais também canalizam a sua assistência e os governos distritais concedem apoios em dinheiro através do Fundo de Desenvolvimento Distrital (FDD).

Apesar de serem iniciativas de tamanho micro, estas experiências comunitárias também enfermam dos mesmos dilemas das empresas falidas. Veja-se o que aconteceu com o projecto de aquacultura comunitária de Maimelane.

Com toda a assistência que teve, este projecto se deu mal porque tinha custos operacionais muito altos, pois a água depositada nos tanques devia ser renovada através de um sistema de bombagem a diesel com os custos que já são imagináveis.

Logo a seguir verificou-se que a ração fornecida não era de qualidade o que concorreu para que os peixes não crescessem e, por isso, não pudessem competir no mercado. Apesar do cenário parecer aterrador, a ESCMC conseguiu identificar algumas iniciativas da província de Manica que conseguem gerar algum lucro.

Uma dessas experiências, tratada apenas por Aquacultura Comunitária de Manica usa o sistema extensivo de criação que permite que cada peixe-tilapia tenha uma área de um metro quadrado e não receba nenhum tipo de alimento. Ele vive de plâncton que se forma no fundo e paredes do tanque que devem ter 500 metros quadrados.

Aqui, o ciclo de produção é de 10 a 12 meses, período no qual se pode colher até 80 quilogramas por tanque. Nas contas feitas pela UEM, o custo de produção é de 3.250 meticais, a receita anual bruta é de 8.000 meticais e a receita líquida é de 4.750 meticais por tanque.

Porque se trata de um caso excepcional, o sucesso de Manica não se alastra até à província da Zambézia onde o projecto desenvolvido em Alto-Molócue deu prejuízo, o de Namarrói deu um magro lucro de 1.100 meticais, salvando-se o de Nicoadala com um lucro estimado em 31 mil meticais.

AQUACULTURA É CIÊNCIA

A ESCMC indica que há cuidados que devem ser tomados em conta no cultivo de peixe ou camarão, a começar pela qualidade dos alevinos, que na verdade são as sementes. “Precisa-se de alevinos resistentes a doenças e de rápido crescimento”, disse António Hoguane.

A este propósito, o estudo aponta que o ideal seria fabricar a ração localmente e, porque se trata de alimento para organismos marinhos, deve ser íntegro, feito na forma de comprimidos flutuantes. Tudo isto faz com que a matéria-prima seja cara e rara.

Para contornar este quadro, a ESCMC desenvolveu uma experiência de produção de ração a partir do extracto de folhas de mandioqueiras e de sementes de mamona desintoxicadas. Os resultados até aqui obtidos deixaram os pesquisadores sorridentes.

Outro factor determinante é o controlo da qualidade da água que deve conter baixos teores de amónia que se forma pelo acumulo de dejetos dos próprios peixes e pode acabar por matá-los. Pelo contrário, os tanques devem ter altos teores de oxigênio, o que equivale a dizer que deve haver uma renovação regular da água (de 15 em 15 dias já é muito bom).

Para o sucesso da aquacultura, os criadores de peixes devem estar atentos às patologias (doenças) parasitárias e viroses, o que obriga a que a água tenha sempre qualidade e sejam observados os limites do número de peixes por tanque. 

A ESCMC entende que Moçambique só vai “tirar a cabeça do sufoco” quando tiver presente que a aquacultura tem desafios económico-financeiros relacionados com os custos das instalações, de abertura de tanques, equipamento, entre outros.

Por outro lado, existem custos operacionais e de funcionamento que não devem ser ignorados, sob pena do projecto derrocar, nomeadamente, salários, alimentação, processamento, transporte, comercialização e por aí em diante. Consta que para se pagar o salário de um técnico superior cada iniciativa deve ter tanques capazes de produzir pelo menos 20 toneladas de peixe por ano.

Depois vem uma lista de factores determinantes como a escolha da engenharia que se pretende adoptar, por exemplo, se a actividade vai ser desenvolvida em gaiolas, tanques de terra e que sistemas serão usados para a renovação da água.

Para responder a esta questão, António Hoguane diz que a ESCMC chegou à conclusão de que se devem usar gaiolas porque apresentam um investimento inicial baixo, custos de manutenção igualmente baixos e proporciona melhores condições de qualidade de água.

UM LONGO CAMINHO

Com o título “Desafios e oportunidades para uma aquacultura sustentável em Moçambique”, a ESCMC também contextualiza o cenário que se vive a nível internacional para que se possa ter uma ideia aproximada do caminho que é preciso percorrer.

Por exemplo, aponta que actualmente a aquacultura é responsável pela produção de metade do peixe que se consume no mundo mas, a África subsaariana toda ela contribui com menos de um por cento, ou seja, com escassas 455 mil toneladas.

Esta cifra só se compara com a da América do Norte que também não chega a um por cento. Porém, a Ásia se assume como campeã inabalável, pois os seus rendimentos se situam em cerca de 59 milhões de toneladas por ano, o correspondente a 88 por cento da produção mundial.

Outro dado que salta à vista na análise sobre os dados mundiais da aquacultura é que, na verdade, é a China que tem um papel de peso na aquacultura asiática, pois produz 41 milhões de toneladas, o mesmo que 62 por cento da produção de todo o mundo.

Afinando as lentes percebe-se que o mapa-mundo da aquacultura evidência que a China faz sozinha o que os 14 maiores produtores não conseguem fazer juntos, ou seja, China faz 62 por cento da produção mundial e os 14 maiores produtores juntos quedam-se nos 31 por cento. Depois vem o chamado “resto do mundo”, grupo de países onde Moçambique se inclui, e que, com muito esforço totaliza 7,3 por cento.

Mas, a localização microscópica de Moçambique no ranking dos exploradores da aquacultura não deve ser vista como oportunidade para atirar a toalha ao chão, pois, faz parte do conjunto de países detentores de condições naturais, espaço para a produção e mão-de-obra para produzir bem e melhor.

Este potencial que Moçambique e vários países da África Subsaariana possui não é encontrado, por exemplo na África do Sul, em toda a Europa e na América do Norte que só se gabam de possuir tecnologia, coisa que nós não temos.

Entre os pontos fortes, Moçambique se eleva por dispor de águas interiores e poder produzir peixe tranquilamente, nomeadamente, a tilapia do nilo e maçambicus, a carpa e peixe bagre em tanques escavados em terra ou em gaiolas construídas em rios e lagos.

Jorge Rungo

jrungo@gmial.com

 

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