É afoito em questões ambientais. Chama-se Carlos Serra Júnior. A obra mais visível desse seu entusiasmo é a “Operação Caco”, que visa a recolha e remoção do vidro nas praias do país.
O passo seguinte, segundo Serra, será a recolha das garrafas PET (Politereftalato de Etileno)e respectivas tampinhas. Isto é, garrafas plásticas que são jogadas em tudo quanto é esquina depois de consumido o respectivo conteúdo, seja água mineral (sobretudo neste tormentoso verão), refrigerante, aguardente ou bebidas de baixo custo, mas com grande teor alcoólico, produzido pela nossa indústria.
Está de perda e cal na sua contribuição de ver as nossas cidades, as nossas praias, livres de lixo?
O lixo é muito e está a aumentar com a entrada do elemento embalagem, principalmente descartável. Se antes era um lixo predominantemente orgânico, nos últimos cinco anos houve um aumento galopante da embalagem nos resíduos, o que sobrecarrega bastante os sistemas municipais e distritais de gestão de resíduos. Tudo isso torna as nossas cidades, as nossas vias de comunicação, a nossa costa em lugares tristes, ameaçados e com danos.
E foi visualizando tudo isso…
Notei que estávamos a fazer algumas acções, só que elas tinham impacto mínimo. Não se resolvia nunca o problema. Limpava-se uma praia. Fazia-se um esforço grande para ter lá 50 pessoas, mas a quantidade de lixo era tão grande que, no dia seguinte, tudo ficava na mesma. A mudança na mentalidade das pessoas estava longe de acontecer. Era preciso fazer uma reflexão sobre tudo isso. Percebi, primeiro, que não podiam ser acções isoladas nem efémeras. Tinham de ter como primeira grande linha a educação.
Correcto.
O segundo objectivo teria de ser a remoção do lixo. Não haver uma preocupação muito grande em deixar tudo cem por cento limpinho, porque sabemos que este é um processo que se vai consolidando a médio e longo prazos. O foco tinha de ser a mobilização de cada vez mais cidadãos e sua consciencialização de forma que cada um desses cidadãos se torne num motor de mudança e comece a sublinhar acções que visam a futura geração. Quanto mais actuarmos junto das crianças, mais capacidade e probabilidade temos de ter um futuro melhor.
OPERAÇÃO CACO
Foi pensando em tudo isso que surgiu a “Operação Caco”?
Sim. A Operação Caco arrancou praticamente nos primeiros dias de 2015, também com muita observação feita na praia. Na realidade, tudo começou ali. Pensamos qual seria o ingrediente que mais depressa faria uma mudança. Escolhemos o caco porque está muito presente nas nossas praias e noutros locais onde se consome álcool em excesso. A consequência desses excessos, tolhida a consciência, é jogar tudo o que é descartável para o ambiente. A verdade é que não estamos a jogar para um ambiente externo. Estamos a jogar para nós mesmos. Esta garrafa partida torna-se numa ameaça muito grande nas nossas praias, além de que as torna quase impróprias para actividades turísticas, de lazer e recreação. O turismo não é só para o estrangeiro. É para todos nós que sempre que precisarmos de um espaço agradável para descansar e relaxar.
É verdade que quase todas as praias do país estavam, digamos, uma lástima no ano passado?
Sim. No ano passado elas atingiram o pico. Aquando da passagem do ano, a praia do Costa do Sol, em Maputo, ficou em estado de calamidade pública. Foi ali onde começamos. E o elemento principal, para além de outros lixos, era o vasilhame de vidro inteiro e partido. A limpeza que ia sendo feita era debaixo de grandes dificuldades. A nossa atitude para com o meio, a nossa pegada ecológica associada à capacidade de produção de cada vez mais resíduos tornava qualquer acção de limpeza inadequada.
Que modelo de limpeza observa a Praia da Costa do Sol?
Faz-se às segundas e sextas-feiras com recursos aos vendedores ambulantes. Eu particularmente questiono este modelo, porque acho que a limpeza tem que ser diária. Percebemos que a limpeza que ocorria visava o lixo visível e deixava o caco de fora. Encontramos grandes quantidades de vidro acumulado na Costa do Sol e em muitas outras praias onde fizemos observação, como a praia da Ilha de Moçambique, toda ela, de Fernão Veloso, em Nacala Porto, praias da cidade da Beira, da cidade de Inhambane, consideradas limpas, mas que escondem ameaças como estas (caco), praia do Bilene, e outras.
Em que dia deram o pontapé de saída? Refiro-me à Operação Caco.
Realizamos a primeira grande acção no dia 18 de Abril deste ano. Para o feito, utilizamos todo um conjunto de imagens, de trabalho nas redes sociais, mas também nas televisões convidando as pessoas a se associarem à limpeza e mostrando o impacto que o vidro tem, tanto nas praias como na Saúde Pública.
Qual é que foi a metodologia para a realização desse trabalho?
Todos os nossos voluntários foram treinados para separar, com os devidos cuidados, o vidro partido. No final da acção, fizemos fotografias dessas quantidades de vidro partido e de garrafas intactas (ver fotos) e divulgamos essas imagens através de todos os canais. Esta operação realizou-se numa frente de seis quilómetros e meio em sete praias da capital, em simultâneo. Estiveram envolvidos cerca de mil e duzentos voluntários. Obtivemos quantidades impressionantes de garrafas de vidro e do caco. Quem participou, à partida não consegue ficar indiferente.
E…
Mais importante ainda é termos conseguido muitos voluntários para as acções subsequentes. Hoje, fazer uma acção dessas já não é ficar aqui desesperado à espera de ter uma equipa que possa fazer um trabalho. Já sabemos que quando divulgamos um evento vamos ter voluntários dos mais diversos segmentos da nossa sociedade que participaram na primeira, na segunda e na terceira operação, porque sabem que isto não é só limpeza. Isto é Educação. Todos nós agora quando falamos de uma acção de limpeza falamos da Operação Caco. É verdade que algumas acções não visam em especial o vidro. Mas, a “Operação Caco” tornou-se numa espécie de bandeira, de marca, daquilo que é uma acção de Educação Ambiental, em primeiro lugar, e, em segundo lugar, contribuição para a redução dos problemas de saúde pública.
Que resultados obtiveram no dia 18 de Abril?
É difícil precisar porque ainda vamos trabalhar os dados. Estamos no momento de balanço. Vão ser cálculos aproximados. Mais foram muitos camiões de lixo, no geral, que resultaram desta acção só nas praias de Maputo. Foram toneladas e toneladas. Impressionantes. Obtivemos uma montanha enorme de caco resultado de milhares de garrafas partidas ao longo dos anos.
E qual é o impacto directo disso?
A redução do vidro na praia também fez reduzir o número de acidentes (pessoas feridas com vidro). Ainda que a praia voltasse a ser suja nos meses subsequentes, e isso aconteceu, sabemos que contribuímos para a redução do número de acidentes (ainda assim algumas pessoas tiveram de ser suturadas nos hospitais). Depois, na minha vida também houve esta transmissão para o Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER). As coisas aconteceram muito depressa. A Operação Caco nasceu na Cooperativa de Educação Ambiental Ntumbuluko, que eu ajudei a criar, virada para a educação ambiental, e que tem a sua principal bandeira a Operação Caco.
Qual é o ADN da Mtumbuluko?
A cooperativa (de voluntários) une mundos e fundos, porque entendemos que não vale a pena estarmos fechados e isolados, preocupados apenas com a bandeira da ONG ou do instituto ou do ministério. É preciso despir a bandeira do clube e vestir a camisola da nação. A Cooperativa Ntumbuluko inspirou-se neste primado. Entendemos que era imperioso juntarmo-nos a todos os outros que vinham fazendo esta acção de forma isolada. Mobilizar sociedade civil, sector privado e sector público. Voluntários no geral. A Operação Caco hoje tem um parceiro de peso que é o MITADER. Se a actividade decorre num município, esse município é parceiro.
LIMPEZA
MAFALALA
Pode dissertar sobre a actividade realizada no bairro histórico da Mafalala?
Juntou quase quatro mil pessoas. Teve a particularidade de ter, além do município e do MITADER (como parceiro principal), envolvido as Forças de Defesa e Segurança (um contingente), formandos da ACIPOL e elementos da Polícia da República de Moçambique.
E qual era o foco do trabalho na Mafalala?
O objectivo não era só a limpeza das valas de drenagem antes das enxurradas, ainda que o acento tónico estivesse ai colocado, mas também transmitir uma mensagem de sensibilização para a limpeza diária. Mas, claramente era fundamental trabalhar com a comunidade. Foi um trabalho de duas semanas.
E ao nível do MITADER surgiu uma palavra-chave?
Sim. É a frase “LIXO NO CHÃO NÃO”, que é uma componente do chamado programa “Ambiente em Movimento”. O lixo é um factor de risco para a saúde pública. Sabendo que em 2015 foi aprovado o regulamento relativo ao fabrico, utilização e comercialização do saco plástico, nós vamos privilegiar nos próximos meses o saco plástico. Por todas estas razões, incluindo o factor saúde pública e tendo em conta que o saco plástico entope tudo, a partir de 2016, na Operação Caco, vamos introduzir a remoção do saco plástico do ambiente. Em Fevereiro, o regulamento entra em vigor na sua plenitude. O passo a seguir é remover o saco plástico que está preso nas árvores, nas vedações, nas valas…O ambiente marinho e costeiro nos mangais é assustador. E nós estamos a consumir o saco plástico. Consumimos respirando e comendo, porque ele desintegra-se e entra na cadeia alimentar, principalmente se for para o ambiente marinho e costeiro. Os peixes comem o saco plástico e o PET.
Sim!?
Em 2016, além do saco, a nossa preocupação chave, em termos legislativos, é ver regulamentado também a produção e comercialização nacional de embalagens PET de águas e refresco. Elas estão hoje em quantidade cada vez maior no ambiente. E estão, basicamente, a contribuir para o entupimento de todo o sistema de drenagem e saneamento. Na Mafalala, o elemento mais visível nas valas de drenagem era a garrafa PET. Isto também serviu-nos de lição importante. Formam autênticas barragens e juntamente com areia, pedras, impedem a circulação de águas. Isso tudo também está associado à nossa mentalidade consumismo versus descartável. Isto é lixo e jogamos para o ambiente. O descartável é de difícil desintegração no ambiente. Pode ir até 400 anos.
Que requisitos está sujeito a embalagem PET?
Hoje ainda é produzida livremente. Não há padrões para produção. O resultado é que ela não tem praticamente valor no mercado de reciclagem ou de reutilização. Algum aproveitamento tem as garrafas de litro e meio e os garrafões de cinco litros. É necessário também responsabilizar a nossa indústria e em simultâneo com a educação ambiental e quadro normativo.
As garrafas não são de todo aproveitáveis?
É interessante que elas têm uma utilização múltipla. Nós podíamos pelo menos fazer o seu uso de outra maneira. Há muitos exemplos no mundo de sua aplicação com sucesso na construção civil de baixo custo. Fazem-se paredes até três vezes mais resistentes que uma parede convencional. Depois temos as tampinhas Pet. A cidade está repleta destas tampinhas. Vêem-se nos passeios, nas vias, além das garrafas que formam autênticos tapetes. Vamos utilizar isto para fins artístico. Proximamente vou mostrar parte desse trabalho.
Qual foi o roteiro de trabalho ao longo deste ano?
Estivemos na Ilha de Moçambique, na praia Tropical. Temos ali um problema sério com garrafas importadas. Vidro de cor verde. A brincadeira é lançar garrafas contra as rochas. Estivemos no Município de Inhambane, com a Escola Superior de Hotelaria e Turismo (ESHT). Trabalhamos na marginal, mesmo junto ao pontão, e constatámos que os mangais, na praia de Inhambane, estão cheios de lixo. Tivemos cem estudantes envolvidos. Trabalhamos também no Município do Xai-Xai. As areais, as dunas, a vegetação dunar esconde muito lixo. Estivemos também na Catembe. Para mim é a praia mais suja do país. Recebe lixo de Maputo. São os maputenses que atravessam e deixam lá uma pegada terrível em termos de embalagem, seja lixo proveniente das marés de Maputo para Catembe, mas também muito lixo oceânico. Realizamos uma acção no Miradouro com objectivo de chamar a atenção para os espaços públicos bonitos das nossas cidades, etc, etc.
E em termos de depósito do lixo? O que é que há?
Estamos a trabalhar para encontrar melhores soluções para o depósito. No geral, estamos com uma fragilidade nacional em termos de depósito adequado para o lixo.
Recuperar o velho lema “Transformar a nossa cidade num jardim”.
É muito bonito dizer “não deite o lixo no chão”. Mas vai deitar aonde? Para concluir o ano, estivemos com a ANACA, na Reserva Especial de Maputo, e na Reserva Marinha Parcial da Ponta-de-Ouro, no distrito de Matutuine. Removemos lixo e garrafas jogadas pelos viajantes os visitantes e turistas da reserva.
Para terminar…?
Dizer que nunca como este ano tanta gente falou do ambiente. Nunca como este ano tanto moçambicano participou em eventos ambientais. Significa que algo está a acontecer em termos de cidadania ambiental.
Excluindo a Costa do Sol, qual são as praias em que o caco é mesmo preocupante?
Na realidade todas as praias ícones que tenham acessibilidade fácil. Temos problemas nas praias de Wimbe (Pemba), Fernão Veloso (Nacala Porto), Zalala (Quelimane). Temos problemas sérios na Beira. Há muito caco, muitas garrafas PET nas valas da cidade, na zona do Chiveve, e por aí em diante. Temos problemas na província de Inhambane, no município de Vilankulo. Mas a cidade de Maputo e Catembe são inequivocamente as mais preocupantes. Entretanto, a minha intervenção hoje, no MITADER, também permite contribuir para a acção que iniciou de implementação do Regulamento de Prevenção da Poluição e Protecção do Ambiente Marinho e Costeiro, aprovado em 2006.
Em concreto, o que é que já está a ser implementado?
Começamos a implementar a componente de proibição de poluição das praias. O regulamento estava a ser desenvolvido noutras componentes, mas este iten ainda não era realidade. Muitas pessoas diziam: “vocês estão a limpar, ninguém está a sancionar”. Educar e limpar não é suficiente. Concordo em cem por cento. É necessário responsabilizar. Quando introduzimos uma componente de sancionamento em caso de infracções, basicamente é responsabilização, o impacto é muito maior. E isto começou com a chamada “Operação Lixo na Praia Não”, que integra o MITADER, através da Inspecção-geral, Município, através da Polícia Municipal, Instituto Nacional da Marinha; Instituto Nacional da Marinha, do Ministério do Transporte e Comunicações; e a Polícia Costeira Lacustre e Fluvial, da PRM. Todos os intervenientes receberam o regulamento e foram treinados para a sua aplicação. Na realidade o que estamos a fazer é divulgar e aplicar.
Pode especificar uma sanção?
Este instrumento legal além de prever uma multa de dois mil meticais que tem que ser penalizado a quem jogar lixo para a praia, diz que “todos somos responsáveis pelo nosso lixo”. Na ausência de recipientes apropriados devemos voltar com o nosso lixo. Os resíduos produzidos devem ser acondicionados e levados connosco para o contentor mais próximo. Caso alguém prevarique e não tenha capacidade pecuniária, ele tem de fazer uma acção de limpeza monitorada. E isto está a ajudar a melhorar o cenário na Costa do Sol. O segredo é este: Educar sempre, combinado técnicas e métodos nas escolas, nos bairros e, finalmente, colocação de recipientes versus sancionamento em caso de infracção.
Texto de André Matola
matolinha@gmail.com