O Banco de Moçambique e entidades ligadas à investigação criminal e de combate à corrupção desencadearam, semana passada, umprocesso de investigação que visa esclarecer os contornos de uma operação de angariação de depositantes que recebiam juros mensais estimados em 30 por cento.
O negócio era ilícito e vinha sendo desenvolvido desde 2014.
Dados recolhidos pela nossa Reportagem indicam que este esquema dura desde 5 de Outubro de 2014, em pequena dimensão, e que a base inicial da equipa estava localizada na esquina entre as avenidas Eduardo Mondlane e Vladmir Lenine, nas proximidades do antigo Snack Bar Goa.
Participantes desta iniciativa apontam que a mesma estava a ser gerida por uma entidade que se intitulava “Associação de Crédito Ajuda Mútua” sem no entanto possuir registo oficial, sede própria, licença, alvará ou qualquer autorização para exercer actividades financeiras.
Numa primeira fase, segundo nos foi revelado, as operações de depósitos e de reembolsos eram realizadas num estabelecimento de venda de mobiliário, propriedade de um cidadão de origem chinesa que, por razões ainda não conhecidas, terá optado por convidar um casal ligado à igreja Velho Apóstolos a abrir contas no Millenium BIM e no Banco Comercial e de Investimentos (BCI) para a materialização dos seus propósitos.
Um dos operadores de conta é conhecido por Jacinto Manoca, detido pela polícia na quarta-feira passada para interrogatórios. Para além da abertura de contas, os gestores deste negócio criaram sistemas informáticos que permitiam que os depositantes consultassem os respectivos saldos por meio de computadores ou de telefones celulares.
Para alargar a base de depositantes, os mentores estimulavam a quem já tivesse ingressado a atrair mais utentes a troco de 10 por cento do capital que cada um destes viesse a colocar na conta da associação. Por causa destes ganhos, a cidade de Maputo conheceu um movimento desusado de angariadores que transmitiam a “boa nova”.
Dado o crescimento da actividade, o grupo entendeu transferir-se para uma infra-estrutura maior, localizada na zona do Museu, mais concretamente na rua Comandante Augusto Cardoso, próximo do Hospital Central de Maputo, local que começou a registar um movimento desusado de homens e mulheres que se apinhava de dia e de noite para depositar e outros para levantar os seus ganhos.
VIZINHANÇA
REVOLTADA
A chegada deste inquilino e de centenas de clientes perturbou a vizinhança com a presença de estranhos que ocupavam os acessos aos prédios, os passeios, quintais, barulho, entre outros, a ponto de degradarem a qualidade de vida naquela zona nobre da cidade de Maputo.
Perante esta realidade, alguns residentes das cercanias tomaram a iniciativa de contactar alguns canais de televisão para denunciarem a existência de um centro de concentração de centenas de pessoas que realizavam um estranho negócio financeiro.
Alguns clientes, que contactaram a nossa Reportagem, revelaram que a publicação das notícias pelas televisões nacionais levou o senhorio a rescisão repentina do contracto de arrendamento do imóvel sem que os depositantes tivessem sido antecipadamente informados.
“Quando alguns clientes encontraram a casa fechada, há cerca de duas semanas, começaram a publicar informações no WhatsApp a dizer que o “chinês” fugiu com o dinheiro. O que nós sabemos é que o chinês viajou, provavelmente para a terra dele, e que o dinheiro está cá nas contas de moçambicanos que se comunicam connosco”, disse um dos clientes.
Na ocasião, um outro utente daquele negócio disse que se sentia prejudicado pelo facto do Banco de Moçambique ter ordenado o congelamento das contas do BCI e dias depois a conta do BIM. “Como a verificação dos nossos saldos também era feita online perdemos o acesso, mas sabemos que o dinheiro está aqui no país”, frisou.
Sem condições para trabalhar na casa arrendada no Museu, o grupo decidiu ir se estabelecer numa residência localizada no bairro Agostinho Neto, no foral da cidade de Maputo, mas as negociações com o novo senhorio não foram concluídas até ao momento em que o BM tomou a decisão de bloquear as contas.
Apuramos ainda que o casal gestor das contas foi interrogado pela polícia encarregue de investigar os contornos deste sinuoso negócio e que este procedeu à entrega da lista de trabalhadores da iniciativa os quais estão a ser igualmente interrogados.
“As pessoas que foram interrogadas até agora informaram-nos que o que a polícia quer saber é como se faz a gestão do dinheiro para ser possível pagar 30 por cento ao mês porque, segundo eles, houve um desequilíbrio no sistema financeiro porque muita gente estava a retirar as suas poupanças para vir rentabilizar aqui”, contaram.
Sinal de que os gestores deste grupo mantêm contacto com os respectivos clientes é que na passada quinta-feira estes receberam mensagens telefónicas a indicar que se deviam reunir numa praça localizada no bairro Malhazine, subúrbio da cidade de Maputo, para troca de informações.
O encontro foi marcado para as sete horas da manhã e, naquele encontro, foi anunciado que as contas estavam bloqueadas porque ocorriam muitos movimentos quando são contas de singulares. “Os nossos gestores disseram que os bancos querem entender que tipo de negócio era feito para oferecer taxas de juro superiores às da banca comercial”.
ESTAMOS
CIENTES
DOS RISCOS
Dado curioso neste negócio é que os clientes com quem conversamos mostraram uma extraordinária tranquilidade em relação às transacções financeiras que realizavam e, no lugar de procurarem perceber onde é que a tal associação investia para ter ganhos suficientes para distribuir 30 por cento dos depósitos por mês, quase todos questionam o papel do Banco de Moçambique e do Estado que, na sua óptica “estragou” o negócio.
“Aquilo era para ajudar-nos. Só que vieram pessoas ricas que depositaram 500 mil, um milhão, um milhão e meio e o negócio ganhou uma dimensão e importância que ninguém esperava. Alguns depositantes eram pessoas que só víamos na televisão e nos jornais a dirigir reuniões e a fazer análises. Tem gente muito importante que aparecia a fazer depósitos”, disseram.
Apesar do bloqueio a que estão agora sujeitos, até ao esclarecimento do negócio, as nossas fontes afirmam que “quem teve a sorte de entrar no negócio há mais tempo “comeu bem”. Mas, muitos tiveram o azar de chegar quando este barulho iniciou e não puderam ter o retorno”.
Outro dado que insistiram em referir é que quase todos os que participaram naquele negócio na qualidade de clientes tinham conhecimento dos riscos de uma eventual fuga dos gestores, uma vez que movimentavam grandes somas, aliás, incalculáveis montantes.
Ainda durante a semana finda, um dos gestores do negócio, que se identificou como Abílio Nhabinde, fez saber que o dinheiro congelado “é muito”. Mesmo perante a insistência da imprensa não conseguiu especificar o montante limitando-se a reiterar que “é muito mesmo. Temos muito dinheiro nas contas e estamos em condições de devolver a todos”. Os jornalistas quiseram saber se eram 80, 90, 100 ou 150 milhões de meticais e ele repetiu: “é muito”
Para Nhabinde, o processo de registo da actividade e legalização da associação estava em curso, pelo que não compreende as razões que o Banco de Moçambique invoca para congelar o dinheiro naquelas duas contas.
FRAUDULENTA
E INSUSTENTÁVEL
O governador do Banco de Moçambique, Ernesto Gove pronunciou-se sobre este caso e explicou que o mesmo foi detectado no decurso do trabalho inspectivo regular junto de bancos, onde se observou que havia variáveis do balanço dos bancos que tiveram um comportamento anormal no tempo.
“Ai detectamos que havia movimentos irregulares e ao aprofundarmos constatamos que tratava-se de esquemas que estavam a ser levados a cabo no país, particularmente na cidade de Maputo”.
Para Ernesto Gove trata-se de um esquema piramidal em que uns aliciam outros para realizar depósitos em contas particulares abertas no sistema bancário com a promessa de que estes depósitos vão ser remunerados de forma compensatória “e, neste caso, a promessa era de remuneração a taxas de juro no nível de 30 por cento”.
O governador do Banco Central recordou que para exercer a actividade de angariação de depósitos é preciso que sejam bancos ou instituições autorizadas pelo Banco de Moçambique. “As pessoas e entidades envolvidas nestes esquemas não estão autorizadas pelo Banco de Moçambique, logo esta é uma actividade ilegal, fraudulenta e, do ponto de vista técnico, insustentável”.
Para que não sobrem dúvidas, Ernesto Gove explicou que aquele negócio é fraudulento porque não é possível que numa situação em que as taxas de juro de depósitos a prazo se situam em cerca de 15 por cento, isto depois de negociações muito fortes com a banca, apareça alguém a dizer que pode remunerar depósitos a 30 por cento, ou seja, duas ou três vezes mais e que o depositante possa repor o capital investido em cerca de três meses.
“Isso é impensável porque era preciso que esses depósitos angariados fossem aplicados a uma taxa de retorno acima dos 30 por cento. Está visto que se trata de um esquema fraudulento, ilegal e lesivo a economia nacional. É por isso que constatados os factos comunicámos as autoridades competentes para tomar as medidas necessárias. Neste caso acredito que poderão ser visitados pelas autoridades afins”, disse.
Sobre a razão do bloqueio daquelas contas, Ernesto Gove disse que se tratou de uma medida precaucional para que se possa efectuar a necessária peritagem.
“BULA-BULA” AVISOU
Na nossa edição do dia 26 de Junho deste ano, publicamos na nossa secção do Bula-bula um artigo intitulado “Adeus agiotas!” que, fazia uma clara alusão a este estranho negócio e alertava à sociedade sobre os evidentes perigos de se encaminhar mundos e fundos para as mãos de uma entidade estranha e com cara de ilegal, como está provado e mais do que evidente.
Naquela edição explicamos como aquele negócio funcionava, mas para que o leitor tenha a exacta percepção do alerta deixado, transcrevemos as partes que consideramos cruciais. Ei-la:
“A época dos agiotas parece ter chegado ao fim com a chegada de uma suposta empresa de origem chinesa que está a fazer o percurso contrário e à grande velocidade.
No lugar de emprestar dinheiro, a tal empresa chinesa, cujo nome ninguém conhece, aceita depósitos e paga juros de 30 por cento. Isso mesmo. Quem já lá esteve jura a pés juntos. Eles pagam 30 por cento do valor depositado. Anda até uma tabela de mão em mão. Por 100 mil depositados recebes mais 30 mil ao final do mês. Por 50 mil o lucro é de 15 mil e por ai em diante.
Como diz o velho adágio, “não há cidade que resista a um burro carregado de prata” e Maputo está vergada a este lucrativo negócio. Até empresários estão a canalizar os seus fundos à ilustre empresa chinesa na perspectiva de salvar a pele desta crise económica que está a desfigurar a economia.
Para ser parte deste negócio é preciso identificar um padrinho/madrinha que já tenha um vínculo. Ele é que vai formalizar a entrada do novato e, por isso, ao final do primeiro mês recebe 10 por cento do valor a que o novo cliente tem direito.
Mas, quando a esmola é muita, o pobre desconfia…Há que torcer o nariz, franzir o sobrolho e coçar a nuca ao mesmo tempo… ou então cortar a cebola com a língua de fora!”