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João Cabaço e o disco que tarda…

Por admin

Se pudessemos dar um apelido a João Cabaço, não haveria outro mais apropriado do que este: A Voz. É que ele é dono de uma voz que, sendo meio rouca, consegue operar milagres nas almas dos ouvintes. Magro, alto, bonacheirão mas também simples e humilde.

Cabaço está, inequivocamente, no galeão dos melhores intérpretes da nossa canção. Ao domingo, o autor de Mamana e Xitimela, abre-se e revela que um disco está na forja… acrescentamos nós que já não era sem tempo!

Cabaço nasceu entre a Mafalala e o Bota Fogo. Como qualquer menino dividiu o tempo de criancice nas brincadeiras típicas dos bairros. Futebol, carrinhos de arame. O canto, esse é fruto da genética. Gonzana (ex-vocalista do conjunto João Domingos) era um dos seus tios. O pai também soletrava e até sonhava com uma banda constituida pelos filhos. É só lembrar que André Cabaço, radicado em Portugal, é irmão do nosso entrevistado.

Aos 13 anos, João Cabaço mudou-se para a Matola. A Mafalala, bairro mítico, ficou para trás mas não largou a alma do pequeno João. A Mafalala de Pascoal Mocumbi, Chissano, Samora Machel, Eusébio e Matateu já o tinha enfeitiçado de tal sorte que virou músico profissional.

O resto, como sói dizer-se, veio por acréscimo. O talento já lá morava e o tempo encarregou-se de revelar ao mundo a Voz que o tornaria especial. Mas, vamos ouví-lo na primeira pessoa…

Antes de mudar para Matola, absorveu a magia da Mafalala?

A Mafalala tinha uma maneira de ser especial.  Era miscelânea de várias etnias  e tinha de tudo. Era visível nessa altura a infância de Mocumbi, Joaquim Chissano, Samora Machel, entre outros com os quais fomos trocando brincadeiras típicas da idade.

Você conviveu com essas pessoas. O que lhe vêm à memória?

Eu era muito observador. Acompanhava a infância de todos, mas tinha o meu pendor e quando começo a cantar, quase que ninguém acreditava.

Disse que era observador…

Sim.. Por exemplo, eu já lia em Ronga mesmo aquilo que meus pais escreviam. Mas nenhum deles me ensinou. Sou neto dos Roberts Machava, o homem que trouxe a Igreja Presbiteriana Ulissene.  Quase que não me apercebi quando começei a escrever porque recolhi manuais deixados pelos meus avôs. O pai da minha mãe era Johnny Mpfumo. Era uma pessoa dotada da qual aprendi muito. E tive a chance de ter esses manuais de Ronga que no meu meio muitos  não davam valor. Fui lendo e isso inspirou-me bastante.  E quando começei a cantar em  ronga, foi uma bomba…

Por falar em canto, com quantos anos começou a cantar?

Começei a cantar aos 19 anos. Foi uma revolução porque nós sempre tivemos problemas étnicos.

Pode explicar melhor isso….

Sim, sempre tivemos problemas étnicos. Machopes, Manhambanas, Machanganas…..era difícil perceber isso… e eu consegui pegar no Ronga como  minha língua de canto. Foi uma revolução.

FAMÍLIA

DE CANTORES

João Cabaço  tem uma família de linhagem religiosa. Seus avôs transmitiram-no ensinamentos bíblicos e a moral. Mas na sua família há um histórico de intérpretes. Gonzana, grande compositor e cantor, era irmão do seu pai. André Cabaço, músico radicado em Portugal, é seu irmão.

Muitos cantores na família….

Pois. Gonzana  era  irmão do meu pai… Os meus irmãos Miguel, Manuel, André e eu, cantávamos.

Consta-me que vosso pai chegou a cogitar formar uma banda….

Sim. É verdade. Dizia sempre…vou formar um conjunto musical, por mais que seja dos meus filhos apenas. Infelizmente, eram tantas as responsabilidades dele e não conseguiu materializar o desejo de formar a tal banda.

Então?!!

Desenvolvi minhas aptidões na Matola. Olha que o povão nunca aceitou que eu fosse de lá. Mas com o tempo isso passou.

Há um quê de nostálgico nas suas canções…

Humm… se calhar porque eu falo da tristeza mas sempre com amor…porque o amor também acarretatristeza.

E gosta do que faz?

Obviamente. Eu amo aquilo que faço. Sempre que se  quer falar ou fazer algo, temos que ter paixão, amor, o que nos permitirá fazer bem as coisas. É preciso saber dar valor ao que criamos.

Nas suas composições está ominipresente a mãe. Porquê?

Canto a mãe. Nós às vezes nos distraímos quando se trata da mãe. A mãe tem um poder incrível. Veja que ela carrega-nos nove meses na barriga. Isso tem um significado incrível. É uma criatura a respeitar por todo sempre. Por isso, canto-a com muita alegria.

A mãe tem uma simbologia especial para si…

Ela é uma Deusa. Por isso nunca se diz o teu pai é feiticeiro. Acusa-se sempre a mãe por causa do cordão umbilical. O pai é o mandatado para a fecundação. A mãe é a deusa da terra. É preciso preservá-la… não há favores nenhuns nisso. Olhar, cuidar da  mãe tem que ser algo natural. Não se trata a mãe como uma coisa qualquer.

E como era cantar naquela época em que não havia as condições que temos hoje?

Akayakwanga yi kule.. no tsama mpfukeni wuswanga(a minha casa é longe. Eu vivo a meio da caminhada, sozinho).  Sonhei a música sobre a terra do meu pai. Mas respondendo a sua pergunta, em casa fazia os trabalhos com André. Não havia gravador.

Comofaziam para registar as composições?

Usava as minhas sobrinhas para cantar e isso permitia lembrar-me de certas letras. Elas cantavam e era a minha forma de registar. Eram três sobrinhas. Lembro-me que elas faziam ciúmes quando eu cantasse fora porque se julgavam  tutoras.

Os ciúmes persistem? Questiono porque recentementede doze mulheres cantaram suas músicas…

E como!!! Quando fiz doze mulheres cantando João Cabaço no Centro Cultural Universitário, elas ficaram com ciúmes…

Qual foi o objectivo do concerto doze mulheres?

Foram vários objectivos. Mas o mais puro deles era ver em palco as pessoas que me encantam a cantar minhas músicas. Foram 12 mulheres  extraordinárias que proporcionaram um concerto memorável.

Foram escolhidas a dedo?

Sim. E não queria pessoas famosas, queria sim pessoas talentosas. Era a minha forma de demonstrar o meu suporte, o meu aval àquelas jovens cantoras que foram Lenna Baúle, Agata, Sizakel, Tanselle, Açussena Matola,  Isabel Novela, Juthy, Yolanda, Sheila Jesuita, Filó e as irmás Belita e Domingas. Elas são cantoras com valor e  talento invejável.

UM DISCO À CAMINHO

João Cabaço condiz com o tempo. Tal como muitos da sua era,  nunca chegou a fixar-se em uma banda, passeava sua classe por vários conjuntos, uns mais notáveis que outros.

Fale do seu percurso artístico.

Passei por muitas bandas.  Sacristais, por exemplo, onde era compositor e vocalista. Depois foi Rabadab-zamtaka.

Depois veio o trio…

Sim, o Trio… eu, Hortêncio Langa e Arão Litsuri.A ideia era fazer algumas coisa diferente; elevar os padrões qualitativos da nossa música,  porque  os vizinhos do Zimbabwe, Tanzania, Namíbia, estavam noutro nível… e nós não queríamos perder o passo.

O Trio teve bastante sucesso; é uma referência na música moçambicana… mas durou pouco tempo…

Obras do tempo. Cada um de nós desenvolveu trabalhos à solo.  Mas sempre que podemos juntamo-nos e cantamos…

O Cabaço é eminetemente um solista… de que forma isso afecta a faceta de compositor?

Não vejo a coisa dessa maneira, até porque compus vários temas sozinho. Tenho bobines pequenas e grandes em casa com criações minhas. Mas para transcrever é muito difícil. Tenho a lista de todas as músicas que lá estão. São muitos trabalhos a espera de oportunidade para  virem cá para fora.

Muita produção, poucos discos…

Participamos com alguns números no celebre disco Amanhecer (LP), em 1973. Mas eu posso lançar, sem receio, uns três discos, desde que haja condições. Quando digo condições, falo de entrar em estúdios e dar forma ao que já está feito e produzirem-se discos com qualidade.

Sei que está na forja um disco. Fale-nos dele.

O disco está a ser produzido pelo Big Brother Entretenimento. A masterização e captação já foram feitas. Estamos na fase final.

Tem artistas convidados no disco?

Tenho sim.Yolanda, da banda Kakana, Sizaquel, que são algumas pessoas que gosto imenso de ouvir cantar. Aliás, quando alguém canta a nossa música conseguimos perceber o quanto trabalhamos por ela.

O lançamento do seu disco será uma festa…

Será em grande festa. Já sonhei dar espectáculos em dois sítios. O primeiro seria um espectáculo jantar no campo do Maxaquene. As pessoas com poder de compra ficariam nas bancadas e outras no campo. Isso iria minimizar o preço do bilhete.

Outro local?

Centro Cultural Universitário. Trazer decoradores para mudarem o cenário destes locais e fazermos a festa.

Que convidados teremos em palco?

O lançamento é algo especial. Não se pode colocar muitas pessoas em palco. Pois o dia do lançamento do meu disco é meu. Tenho que  cantar, brincar e fazer de tudo com a minha plateia. Se convidar muita gente estrago o momento.

O disco já tem um título?

Temos várias ideias… é difícil dizer isso agora. Só nos próximos tempos poderei dizer com certeza qual é que será o título do disco…

JINGÃO EU?

Alto, magro, detentor de uma voz sem igual, com um perfil inconfundível em palco, João Cabaço é igual a ele mesmo.

Chamam-no maronga, músico jingão. Porquê?

Já ouvi dizer que me chamam jingão. A verdade é que g  osto de coisas boas.  Há pessoas que me chamam jingão mas com o intuito de ofender. Não ligo para isso. Acho que sou uma pessoa simples… há pessoas que quando não têm nada para fazer, divertem-se falando mal das outras. Problema delas…

Nasceu na Mafalala de Eusébio e Matateu. Gosta de futebol?

Gosto e sou adepto do Ferroviário de Maputo desde criança.

E o que gosta de comer?

Primeiro do que tudo, gosto de cozinhar. E cozinho verduras sem excepção. Faço e aprecio um caril de amendoim, matapa com carangueijo. Não gosto de comida que leva óleo na sua confecção.

Disseram-me que não gosta de frango…

Detesto. Sobretudo este frango que cresce em poucos dias e logo está pronto para o consumo.

Gosta de ler?

Leio muito pouco, ultimamente. Já lí bastante nos tempos… mas isso não quer dizer que não goste de ler…

O que mais o marcou nas leituras?

Livros e romances policiais. Lí revistas e um pouco de tudo que se lia na época. Mas sobretudo, Bíblia e outros livros de Teologia, por causa dos meus avôs.

E musicalmente, o que o fascina?

Aprecio tudo. E agora oiço muito os miúdos que estão a despontar no canto;  estudo a mente deles. Oiço os miúdos para ver a quantas andam em termos mentais e de criatividade.

E o que tens concluído?

Temos futuro na música. Mas é preciso trabalhar profundamente. Ver a questão da língua e linguagem, os conteúdos e a estrutura rítmica.

E na política?

Discuto quando calha. Admiro alguns políticos mas evito emitir minhas opiniões…

Frederico Jamisse

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