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INFRA-ESTRUTURAS: Unango realiza sonho de Samora

Por admin

Samora Machel teve um sonho: tornar Unango, interior da província do Niassa, que a apelidava de “universidade do povo”, numa cidade, com reputada dimensão histórica e cultural. Hoje, paulatinamente, o sonho está a ser realizado, mormente a partir da instalação da Universidade Lúrio que vai emprestando alguma importância, para lá dos factos históricos que dentro de si esconde, desde a conquista da Independência Nacional, há 41 anos.

Unango, localizado no distrito de Sanga, em cujo posto administrativo, Matchedje, em 1968, acolhera o II Congresso da Frente de Libertação Moçambique, albergou, já no pós-independência, concidadãos de diferentes proveniências no quadro da “Operação Produção”, cuja missão era precisamente incrementar a produção e produtividade das vastíssimas e férteis terras do Niassa.

Por outro lado, Unango, em particular, e a província do Niassa, a mais extensa do território nacional, em geral, foi simultaneamente terreno de correcção, de produção e, sobretudo, de promoção da unidade entre moçambicanos.

Os propósitos do fundador do Estado moçambicano são relembrados por cidadãos entrevistados pelo domingo que admitem que estiveram no epicentro de decisões difíceis.

Hoje adultos amadurecidos pela História e pela idade, lembram-se do facto de terem sido amnistiados, por volta de 1980, sob ordens de Samora Machel, assim que o tempo lhes regenerou e o antigo estadista os terá acarinhado na sua qualidade de cidadãos enviados para as campanhas de produção, prometendo que tanto um grupo como o outro constituiriam o núcleo de primeiros moradores da futura cidade de Unango que pretendia edificar.

O sonho de Samora ganhou forma ao observar, logo à entrada da vila, um tecido rochoso formatado por duas enormes montanhas aparentemente com busto e rosto quase humano, resguardando entre eles um pequeno monte, espécie de filhote.

Desde então, este tecido granítico, com composição espantosamente artística, concebida pela Natureza, enformou símbolo de família e da responsabilidade tanto paterna como materna.

A imagem ergue-se ainda hoje imponente entre o verde dos campos agrícolas, do emaranhado de espécies florestais diversas, uma paisagem completada por palhotas espalhadas numa vila até hoje verdadeiramente em miniatura, mas a dar mostras de que o sonho de Samora está a ser construído à medida que o país dá os passos em frente.

As “montanhas de Samora” configuram uma espécie de cartão postal no sonho nostálgico adquirido localmente, oferecendo trago de inesperado prazer pela originalidade artística arquitectada pelos deuses.

Contaram-nos os habitantes da vila que o sonho do Presidente Samora está a vir, mas não escondem que está a tardar a chegar, o que, por outro lado, retarda o fim dos dias de relativas dificuldades com que vivem.

Alguns desses concidadãos não escondem a intenção de regressar às suas zonas de origem, esbarrando com dificuldades e posses que viabilizem tal vontade.

CIDADE DOS DEUSES

Samora acabaria morrendo sem materializar o sonho de construção da cidade de Unango, mas os seus continuadores estão no terreno fazendo diariamente o que podem na direcção imaginada pelo primeiro Presidente de Moçambique Independente.

Para resgatar a História, a Universidade Lúrio deu o primeiro passo para a sonhada cidade, edificando, perto das famosas montanhas, o seu campus ao largo de 250 hectares. Ao lado está a“Cidadela da Paz” e “Wannangu”. Esta última designação, conforme nos foi dito, uma espécie de tributo ao antigo sonho de Samora, pois wannangu, na língua local é o mesmo que “aquele filhote” guarnecido pelas duas formações montanhosas.

No seu campus, a Universidade Lúrio ergueu a Faculdade de Ciências Agrárias, ministrando cursos de Engenharia Florestal e de Desenvolvimento Rural.

O investimento nestes cursos segue o rasto do sonho de Samora, que destacava o desenvolvimento de Unango mediante a promoção de uma agricultura assente no saber, na ciência e no trabalho árduo de moçambicanos de várias origens.

VIVER DE NOSTALGIA

Grande parte dos cidadãos de Unango envolvidos naquela operação, curiosamente, veio do distrito vizinho de Majune. Ocupou aquelas terras a partir do início da campanha agrícola de 1979 e dados cuja fiabilidade é dubitável falam em 563 homens.

Na ocasião, o antigo estadista revelou, segundo os nossos entrevistados, o propósito de ver erguida, na futura cidade, a sua residência perto das montanhas abundantemente referidas.

“O Presidente Samora prometeu-nos que, antes da construção de novas infra-estruturas em Unango, nós devíamos beneficiar de novas casas”,disse-nos um cidadão que optou pelo anonimato.

E acrescenta: “O Presidente Samora prometeu que o Estado iria comprar mobília e tudo. Que íamos tomar conta de tudo isto”, disse um entrevistado, que, por isso, acabou desabafando que “estamos abandonados. Ninguém cumpre o que Samora prometeu e ninguém recebe nem sequer o subsídio social básico”.

“UNIVERSIDADE LÚRIO

DEU-NOS UMA ENFERMARIA”

A comunidade sofre de todo o tipo de restrições, destacando-se a falta de uma escola primária para os seus filhos, para o que as“crianças de sete anos percorrem 7 a 8 quilómetros para chegar a Macaloge, onde se encontra a escola primária mais próxima”, disseram-nos.

Para minimizar o problema, os residentes pedem a construção de salas anexas, queixando-se igualmente da falta de um posto policial.

Porém, rejubila com a entrada em funcionamento de uma enfermaria na Universidade Lúrio que atende os estudantes, professores, funcionários e cidadãos da comunidade local.

“Antes sofríamos porque tínhamos de ir a Maluli, sede do distrito, que dista a cerca de vinte quilómetros”, diz-nos Celina Wilson Nhambe, a rainha da comunidade, que acrescenta que a população local acredita, desta forma, que a UniLúrio também lhe pertence.

VIVER SÓ!

Manuel Fernandes conta-nos que chegou a Unango, com 36 anos de idade, em 1983 no âmbito da “Operação produção”. Foi incorporado na Empresa Agrícola de Unango, “o que me consolou, pois logo pensei que pelo menos teria emprego”, disse.

Para a sua frustração, a empresa acabou falindo ao mesmo tempo que os restantes sonhos desenvolvimentistas de Moçambique, em geral, e de Samora Machel, em particular, que estavam enquadrados no Plano Prospectivo Indicativo (1980/1990, a década projectada para a luta contra o subdesenvolvimento).

“Aí começou o sofrimento. Hoje vivo da machamba”, diz com alguma amargura e acrescenta que a pouca produção que consegue tem sido recorrentemente vandalizada por pragas, sobretudo de macacos.

Hoje com 63 anos, Manuel já não pensa em regressar a Maputo. “Quero morrer aqui, também é Moçambique”. Desde que chegou ao Niassa, por opção, nunca se preocupou em criar família, alegando diferenças culturais muito profundas.

Alberto Nhate, outro cidadão entrevistado pela nossa Reportagem, que vivia em Maputo, diz ter chegado a Unango em 1976 e pelos mesmos motivos evocados pelo anterior interlocutor prefere viver solteiro.

Nhate gostaria de regressar a Maputo, sua terra de origem, contudo diz que está desprovido de meios para empreender a viagem, pelo que “sei que vou morrer sozinho”.

Jaime Tivane vivia na Mafalala. Chegou a Unango em 1975. Também vive sozinho, alegadamente porque não se adaptou aos hábitos culturais da região.

Ester João Machava tem uma história diferente. Vivia em Maputo. Parou nas bandas de Unango em 1984 acompanhada do seu marido que cumpria o serviço militar.

“Tenho cinco filhos adultos. Estudam cá. Não querem ir a Maputo. O meu marido lobolou-me, por isso não posso levar os meus filhos à força, decidi morrer aqui”,ressalva.

A grande felicidade de Ester foi o reencontro, trinta anos depois, com a sua mãe que já estava em Unango, facto que teve lugar no Centro de Saúde de Malulo, sede do distrito de Sanga.

Bernardo Thole Alfanete, 59 anos, vivia na cidade da Beira quando foi enviado para Unango .“Cheguei aqui em Junho de 1979”, lembra-se.

Celina Wilson Nhambe é a rainha do bairro Armando Guebuza onde vive grande parte da comunidade constituída por aqueles cidadãos. Chegou em 1987 proveniente de Moamba, província de Maputo, ao encontro do seu pai que já tinha sido amnistiado. Porque o pai era régulo entre membros da comunidade provenientes do Sul do país, acabou designada rainha.

Sithole Hebede Jossias é o secretário do bairro Armando Emílio Guebuza, onde vive o remanescente das famílias. Disse à nossa Reportagem que desse grupo restam hoje 50 famílias.

Sithole, que vivia em Manica, chegou a Unango em 1983. A sua família seguiu-lhe um ano depois. Tal como alguns membros da comunidade sonha um dia regressar à terra de origem.

Falando sobre a falta de um posto policial e de uma escola primária, sublinhou que o problema já foi apresentado inúmeras vezes ao chefe do posto administrativo de Unango e até ao próprio administrador do distrito de Sanga, sem lograr soluções.

Louvou a Universidade Lúrio: “Deu-nos uma enfermaria”, apontou.

Esta comunidade

não gosta de trabalhar

– Victor Gemussene, chefe do posto administrativo de Unango

Victor Gemussene garante que membros da comunidade não sofrem qualquer tipo de perseguição. “Pura e simplesmente não gostam de trabalhar”, destacou.

Abordando dificuldades mencionadas pela população disse que o posto administrativo já teve uma escola primária para facilitar a vida das crianças, contudo a mesma foi destruída por um  vendaval. “Estamos a fazer esforços para retomar as aulas numa escola anexa”, prometeu.

O posto administrativo de Unango conta com 14.941 habitantes. A base da sua economia é a agricultura de subsistência, produzindo milho, feijão, batata reno, batata-doce e hortícolas. A sua principal cultura de rendimento é a soja.

Texto de Bento Venâncio
bento.venancio@snoticicas.co.mz

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