Reportagem

Francisco Vieira: O DOUTOR DOS PETRÓLEOS

É um dos poucos especialistas moçambicanos que entendem com profundidade a engenharia dos recursos minerais e hidrocarbonetos, muito concretamente sobre os petróleos. É Doutorado em Geofísica Aplicada e Geologia de Petróleos pela Universidade de Edimburgo, da Cidade de Edimburgo, Escócia – Grã-Bretanha, doutoramento feito em 1999.

 Estamos a falar do Professor Doutor Francisco Vieira a quem o Governo confiou a missão de instalar e fazer funcionar um estabelecimento de formação de engenheiros em Tete, concretamente na Vila de Songo, como Director-Geral do Instituto Superior Politécnico do Songo.

Nascido em Inharrime, Província de Inhambane, Francisco Vieira é um engenheiro de carreira forjado desde a base, na Escola Industrial e Comercial Eduardo Mondlane de Inhambane, onde fez o curso básico de Mecânica Geral, uma base que lhe levaria aos patamares da engenharia até ao grau mais alto de doutor. Mas deixemos que seja ele próprio, na primeira pessoa, a contar o seu percurso que nesta entrevista nos leva a entender um pouco mais do mundo e dos milagres da Geologia, das mutações sísmicas da superfície terrestre e marítima bem como da origem dos recursos de que tanto se fala.

Senhor Francisco Vieira. Comecemos pelo fim. Até há pouco sabia que o Professor Doutor Francisco Vieira era Director do Instituto Superior Politécnico do Songo e muitos mesmo poderão não saber da sua profunda ligação com os petróleos. Como começa e se desenvolve essa sua ligação com os hidrocarbonetos?

Eu prefiro recuar um pouco mais. Na verdade, o meu percurso académico, desde o nível básico, ficou ligado ao ramo técnico-profissional, especialmente para as ciências exactas. É assim que depois de completar o ciclo preparatório, em 1975, em Maputo, voltei para a minha província, Inhambane, onde ingressei na Escola Industrial e Comercial Eduardo Mondlane, terminando com distinção, três anos depois, o Curso Básico de Mecânica Geral. A seguir fui fazer o pré-universitário na Universidade Eduardo Mondlane em Maputo, mas tendo sempre como inclinação as ciências exactas e matemáticas.

 Mas como então entra para os petróleos?

 Entro para esse campo que você chama de petróleos, mas que na essência é a Geofísica Aplicada, na Alemanha. Posso dizer que me forjei como académico desta área na Alemanha. Primeiro na antiga RDA, na Academia de Berg Freiberg, na cidade de Freiberg, onde fiz todo o curso desde licenciatura até ao grau de Mestre que completei em Agosto de 1987. Depois da minha formação na Alemanha, voltei para Moçambique, tendo trabalhado fundamentalmente na formação de outros geofísicos na Universidade Eduardo Mondlane. Mais tarde tive uma bolsa para Inglaterra, onde fiz mais uma pós-graduação e especialização em Geofísica Aplicada em 1993 na Universidade de Leeds, onde estão depositados muitos estudos geofísicos e sísmicos do nosso país.

Anos depois voltaria para o mesmo país para fazer o doutoramento. O que realmente estudou e descobriu?

Eu sempre gostei de aliar a prática à academia. Trabalhei em algumas empresas de hidrocarbonetos, mas sempre ligado à academia, no caso concreto, a Universidade Eduardo Mondlane, como docente e investigador. Voltei para Inglaterra, desta vez para Universidade de Edimburgo (Edinburgh) para me especializar, doutorando-me em Geofísica Aplicada e Geologia de Petróleos. Aqui sim. Entra a minha paixão pelos petróleos, tendo terminado o curso em 1999.

O que andou mesmo a estudar nesta área?

Não sei se vais conseguir explicar bem aos teus leitores… Eu estudei os últimos 90 milhões de anos do Delta do Zambeze.

E o que é isso e o que descobriu?

Eu descobri o que mais ninguém havia descoberto até então, embora na mesma altura estivessem lá cinco especialistas da BP a estudar o mesmo Delta. Descobri falhas tectónicas activas sísmicas.

O que isso significa?

Esta descoberta tem implicações na possibilidade de existência de inúmeras quantidades de hidrocarbonetos em todo o Vale da Zambeze. O estudo do Delta permite avaliar o que o rio levou para o mar e que em milhões de anos pode ter-se transformado em hidrocarbonetos ou em minérios. Passei muito tempo na cidade de Leeds, onde se encontram depositados interpretações de vários furos de prospecção de vários países.

Eu tive que analisar cerca de 22 mil quilómetros de interpretação sísmica feita à mão. Há cerca de 12 furos de prospecção feitos no Delta do Zambeze, mas estudei com profundidade nove furos usando várias fórmulas matemáticas e físicas aplicáveis. Para determinar uma interpretação original.

O SEGREDO DO NOSSO SUBSOLO EM LEEDS

Cá entre nós, a ideia de o segredo do nosso subsolo estar em mãos alheias, como nessa cidade inglesa de Leeds, não nos cai bem…

Não há razão para preocupação. As informações geofísicas das potencialidades do nosso subsolo estão protegidas por convenções e regras internacionais. Mesmo eu, como moçambicano, para aceder às informações graviméticas e magnéticas que se encontram depositadas na Universidade de Leeds tinha que ser portador de uma autorização da entidade estatal de Moçambique que superintende os hidrocarbonetos, pedido esse que tinha que seguir os trâmites legais a partir da universidade a que eu estava ligado com as devidas fundamentações.

MUDANÇAS CLIMATÉRICAS? QUAL QUÊ…

Esse seu estudo geofísico e sismológico então pode nos ajudar a explicar o problema das mudanças climáticas?

Quais mudanças climatéricas? A actividade sismológica é permanente. As mudanças vêm ocorrendo há milhões de anos. Estes hidrocarbonetos e minérios que estamos a descobrir formaram-se muito devagarinho durante milhões de anos, como resultado de mudanças climáticas e actividade sismológica que vai revolvendo e alterando as composições geológicas. A experiências que temos vindo a fazer no continente mostram que grande parte dele já esteve coberto pelo mar, daí que encontramos sal. São mudanças permanentes e não pode isso ser encarado como algo que esteja a acontecer agora.

ABUNDÂNCIA DE GÁS PODE SER MAU AGOURO PARA O PETRÓLEO

De repente o nosso país, de anónimo, só conhecido pelas suas desgraças, aparece como uma potência de hidrocarbonetos, mas até agora só temos certeza de muito gás e esperança de petróleo. Como especialista da área, acha que temos muitas hipóteses de entrarmos para as nações produtoras de petróleo?

Deixe me dizer que do meu conhecimento da geofísica de petróleos, esta abundância da descoberta de jazigos de gás pode ser um mau agouro para a possibilidade de encontrar o petróleo.

Como assim? Tem se dito por aí que à medida que se vai perfurando mais para o mar, em Vilankulos, por exemplo, o gás que é encontrado está cada vez mais denso

Deixe me tentar explicar em palavras mais simples. O petróleo e gás natural são designações de hidrocarbonetos em estado líquido e gasoso, respectivamente. Enquanto o petróleo só se forma a temperaturas acima dos vinte graus Célsius e até a temperaturas de cerca de 160 graus Célsius, o gás natural já se forma desde a temperatura ambiente até a temperaturas acima de 200 graus Célsius. Pode-se dizer também que a janela de petróleo situa-se entre as temperaturas de 35 e 140 graus Célsius. Este é o intervalo em que o petróleo se conserva no jazigo. Acima de 140 graus Célsius, o petróleo transforma-se em gás natural numa reacção irreversível. É assim que é comum encontrar algum gás natural em jazigos de petróleo, enquanto jazigos de gás natural podem não conter nenhum petróleo com valor comercial.

Mudanças climáticas? Isso não é de hoje

Como cientista que é, qual é a tua opinião em relação às mudanças climáticas?

Mudanças climatéricas? Isso não é de hoje e não se pode parar com o ciclo da evolução. Faz parte do ciclo evolutivo. Estes recursos minerais e hidrocarbonetos de que hoje nos orgulhamos são consequência dessa mesma evolução, das actividades sismológicas, mudanças de temperatura, alteração da inundação para terra enxuta. Se hoje cavamos no meio da serra e encontramos água salgada ou mesmo sal isso é sinal de que essa parte da terra já esteve inundada pelo mar. A terra já esteve submetida a temperaturas muito mais altas há milhões de anos e não se pode agora falar de aquecimento global como se fosse algo novo e estranho. Faz parte do ciclo natural evolutivo.

UMA CARREIRA LIGADA AOS PETRÓLEOS

Para além de uma vida académica, sabemos que também tem uma profunda ligação com o campo profissional da Geologia e Petróleos. Conte-nos esta outra sua veia profissional.

 Eu sempre conjuguei a academia com a aplicação da ciência no campo da tecnologia. É assim que tenho uma modesta passagem por vários projectos e actividade profissional em várias empresas do ramo de minério e hidrocarbonetos, podendo destacar:

Fui director da Gestão do Sistema de Processamento de Dados a Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) entre 1988 e 1990. Durante este período, fui parte dos peritos da ENH destacados para negociar com a contraparte da Tanzânia os termos de uma pesquisa conjunta sismológica na Bacia do Rovuma. Mais tarde viria a estar envolvido na pesquisa sismológica em águas profundas do Rovuma, levado a cabo pela Horizon Exploration Ltd., na qualidade de perito representante da ENH, acabando por ser o responsável pelo alinhamento final dos dados técnicos colhidos.

Mas, para não prolongar, apenas referir que dentre outras actividades práticas a que já estive envolvido, interessa salientar o meu envolvimento no delineamento do primeiro mapa geológica do continente e da costa de Moçambique nos anos 1990 a 2001. Este trabalho viria a ser publicado em 2002 numa obra em que sou co-autor.

Francisco Alar

Fotos de Francisco Alar

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