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Estamos a registar eventos extremos do clima

Por admin

Acácio Tembe, meteorologista afecto ao Instituto Nacional de Meteorologia (INAM), fala ao domingo sobre as mudanças atmosféricas que se registam no país e no mundo. A possibilidade da ocorrência de um “Tsunami” não é excluída.

O país já sofre os efeitos das alterações climáticas?

Sim, nos últimos anos, por exemplo, há maior frequência de ocorrência de fenómenos adversos ao clima. Isto é, há mais chuvas intensas, mais vendavais, mais vagas de calor, mais ciclones, e cada vez mais de maior magnitude, na nossa região e no mundo. Nós não somos excepção. Por exemplo, no passado dia 20 de Fevereiro de 2016 o nosso país teve um dia de intenso calor.

Quanto é que acusou o mercúrio?

Marcou 44.8 graus centígrados, o que já não acontecia há mais de 50 anos. Na época chuvosa de 2015/2016 ocorreu um vendaval que fustigou Maputo, Matola e Boane. Houve destruição de várias infra-estruturas económicas e sociais. Nesta época chuvosa de 2016/2017 já aconteceram três vendavais na cidade e província de Maputo. O primeiro fez-se sentir mais na cidade de Maputo, tendo afectado com maior incidência a região da Costa do Sol e alguns distritos municipais e resultou em mortes. Estes fenómenos já não aconteciam com esta magnitude há muitos anos.

Sim?

Sim. A 9 de Dezembro passado outro vendaval fustigou a Matola e vinha acompanhado de granizo e trovoadas severas. Nos últimos anos, há mais mortes por causa deste tipo de trovoadas, que são fortes descargas atmosféricas. Se recuarmos dez anos, a estatística diz-nos que pouco menos de 30 pessoas morriam por ano por causa destes fenómenos, hoje registamos entre 60 e 70 mortes.

Em termos climatéricos, nos últimos 20 anos o que é que mudou?

Não diria que mudou o clima, mas estamos a ter eventos extremos. Dias consecutivos de calor intenso, o que não acontecia há 50 anos, apesar de também se terem registado temperaturas similares a estas. Mas não havia, por exemplo, registo daquela situação que vivenciámos em 2014, com chuvas que atingiram 150 milímetros aqui em Maputo e que caiu durante três horas ininterruptas.

Há dias, sobretudo no Verão, em que a temperatura sobe, sobe, quase ultrapassa os 40 graus e, de repente, baixa ao que se seguem rajadas de vento. Qual é a causa?

Na região Sul do país, nesta altura do ano, é época chuvosa, verifica-se o transporte de ar quente e seco da zona do Equador para a zona intertropical e isso faz com que as temperaturas sejam altas. Por outro lado, acontece um sistema de baixas pressões de origem térmica, que se aloja praticamente na região Austral, o que culmina também em temperaturas altas. Ainda nesta região do país há, sempre, passagem de sistemas frontais.

O que trazem esses sistemas frontais?

Sempre que passa um sistema frontal ocorre a entrada de massas de ar frias e húmidas do pólo Sul que interagem com massas de ar quente, vindas do Equador, e ocorre um choque muito forte que resulta em mudanças bruscas do estado do tempo como ocorrência de ventos e muita instabilidade atmosférica.

Meteorologicamente como é que se explica o facto de estarmos a ter ventos fortes que atingem mais de 100 quilómetros por hora?  

É preciso entender que temos uma situação de mudança normal do estado do tempo. Os ventos que têm acontecido são um fenómeno que nós chamamos de vendaval, que é a combinação de vento forte, trovoadas severas, chuva e ocorrência de granizo, tudo ao mesmo tempo. Isso deve-se, fundamentalmente, ao forte aquecimento. Quando temos dias de aquecimento muito forte, cria-se uma grande instabilidade e depois há formação de um tipo nuvens denominadas “cúmulo nimbos”, que são de grande desenvolvimento vertical, com fortes correntes ascendentes e descendentes dentro delas.

O que é vendaval?

É a combinação simultânea de vento forte, trovoadas severas, chuva e granizo. Isso deve-se, fundamentalmente, ao forte aquecimento que está a acontecer, principalmente nas regiões Sul e Centro do país. Temos dias de intenso calor, criando uma grande instabilidade atmosférica e depois há formação de um tipo de nuvens denominadas “cúmulo nimbos”, que são de grande desenvolvimento vertical, com correntes ascendentes e descendentes muito fortes.

Isso resulta em …?

Atingida a fase de maturação da nuvem, florescem as correntes descendentes e quando ela entra em contacto com a superfície da terra, cria uma explosão e resulta naqueles quatro fenómenos que expliquei antes. O gelo contido nas nuvens quebra-se e temos o granizo O impacto da explosão da nuvem gera energia potencial e causa trovoada. Em relação à situação dos ventos, como há correntes dentro da nuvem, origina vento com remoinho, ventos ciclónicos, que podem roçar os 80 nós, cerca de 160 quilómetros por hora. Isso tem acontecido várias vezes. Nós, aqui em Moçambique, denominamos vendaval. Noutros países chamam tornado.

Portanto…

Por exemplo, aquele fenómeno que se registou no ano passado na África do Sul (tornado) e provocou alguma confusão em Maputo porque as pessoas pensavam que também se faria sentir. Levou inclusive à evacuação de certas zonas. Aquele tipo de fenómeno geralmente acontece numa dada região, dura pouco tempo e não migra para outros locais. São fenómenos de microescala. Os vendavais, ultimamente, estão a ocorrer com maior frequência.

Pode elucidar-nos?

Em 2016, na região do Vale do Zambeze, aconteceram quatro ou cinco. Não tiveram expressão devido à fraca presença de pessoas em certas regiões. Os que têm maior impacto são os que acontecem nas grandes cidades, como foi em Maputo e Matola. Nós, do INAM, monitoramos estes fenómenos, mas não é fácil prevê-los faltando muito tempo para avisar as pessoas.

“EL NIÑO”

Fale-nos do fenómeno El Ninõ.

Nos últimos dois anos tivemos o “El Niño”. Quando temos uma situação de “El Niño”, que são anomalias positivas de temperatura das águas superficiais do Oceano Pacífico, isso faz com que a nossa região Austral, principalmente as províncias do Sul e Centro de Moçambique registem temperaturas bastante altas e escassez de precipitação. Moçambique, nos últimos dois anos, esteve sob seca severa e toda a região esteve, praticamente, numa situação de emergência. A África do Sul também declarou emergência. Moçambique foi o último país a fazê-lo na região. Este ano estamos a observar um fenómeno contrário: temos o “La Niña” pese embora fraco.

Como é que se manifesta, regra geral, o “La Niña”?

Ao invés de escassez de chuvas, como no “El Niño”, temos abundância de precipitação paraas regiões Centro e Sul do país. A zona Norte é penalizada quando temos uma situação de “La Niña”. Por essa razão, nas nossas previsões climáticas, se tiver notado, falamos de chuvas normais e acima do normal para as regiões Sul e Centro, e abaixo do normal para a região Norte. Mas, atenção, geralmente na região Norte chove muito.

Por ser uma região montanhosa?

Exactamente. Para a zona Norte, no período chuvoso, considera-se chuva normal quando a precipitação varia entre 900 e 1200 milímetros. Se a precipitação alternar entre 700 e 800 milímetros, que está abaixo do normal mas, mesmo assim, consideramos suficiente para as necessidades agrícolas.

Em jeito de curiosidade: Falou de “El Niño” e de “La Niña”, como é que se atribui a nomenclatura?

Não posso dizer com exactidão como foram atribuídos os nomes. O que posso explicar é que o “El Niño” é uma anomalia positiva de temperatura. Quer dizer, as temperaturas das águas superficiais da região do Pacífico Sul estão acima do normal, isto é, mais 0.5 acima do normal. Quando estamos a menos 0.5 abaixo do normal, denominamos por “La Niña”. Quando ocorre o “La Niña” está-se no período de esfriamento. “El Niño” refere-se ao período de aquecimento. Quanto aos nomes, “El Niño” significa menino e “La Niña” menina. Alguém me perguntava uma vez o porquê dos ciclones terem designação feminina? Resultou de uma Convenção que se tinha fixado, porque se achava que as mulheres eram mais explosivas. Hoje em dia já não tem muito a ver com isso, cada país atribui qualquer nome. Pode ser nome de animais, de pessoas, etc.

MOÇAMBIQUE

É REFERÊNÇIA                                 

Moçambique possui um sistema de alerta para o caso de ocorrência de alteração brusca de temperatura?

Moçambique é um exemplo aqui na região Austral de África. Tem um dos melhores sistemas de aviso prévio da região. Também é referência no continente e no mundo. O nosso país desenvolveu o sistema após cheias de 2000 e hoje está muito forte. Agora estamos a trabalhar no sentido de criar um sistema de aviso prévio integrado. Significa que nos próximos tempos as instituições que gerem a informação de aviso poderão trabalhar como se fossem uma única instituição. Por exemplo, quando notamos que há a probabilidade de muita chuva ou um outro fenómeno, tanto o INAM, que faz o aviso de chuvas, a Direcção Nacional de Recursos Hídricos, que faz o aviso de cheias, assim como o INGC, que faz os alertas para as comunidades, poderão emitir um único aviso para que o ciclo de prevenção seja mais rápido.

O plano de continência tem estado à altura?

Moçambique tem anualmente um plano de contingência onde se estimam as principais ameaças e os impactos que poderão acontecer. Isso é muito bom, porque quando acontece alguma situação, já estamos preparados. Também temos um sistema de gestão de calamidades muito forte. Nas comunidades temos os comités locais de gestão de calamidades, depois os COIs distritais e provinciais. Ao nível nacional está implantado o CENOE, onde todas as instituições do Estado que fazem parte do ciclo de emergência estão representadas. O INAM está lá, a Direcção de Recursos Hídricos, ministérios, como o da Defesa, por causa da salvação das pessoas. Temos ainda uma equipa designada UNAPROQ para a salvação de pessoas que é composta por militares, elementos da Polícia, Cruz Vermelha e integra  os parceiros de cooperação.

Como é que se explica que, no final de Setembro passado, o sistema do INAM não tenha conseguido detectar a aproximação daquele vendaval que devastou a zona Sul do país?

São fenómenos de curta duração e de microescala. Se tivéssemos, por exemplo, um radar meteorológico, instrumento que permite fazer a varredura de uma nuvem quando se forma pelo menos 12 horas antes teríamos feito o aviso do fenómeno. Teríamos sabido a indicação daquilo que seriam os ventos, o tipo de chuva e a indicação do comportamento das trovoadas. No país temos dois radares, um em Xai-Xai e outro na Beira, mas  infelizmente neste momento estão inoperacionais.

Significa que…

Esses radares teriam ajudado a fazer esse trabalho. O país ainda não tem um modelo local, trabalhamos com modelos globais, gerados pelos centros globais, nomeadamente Europeu, Americano, Uk Met da Inglaterra. Da região trabalhamos com o centro do Quénia, que no fornece alguma informação sobre modelagem numérica. O centro regional sede está na África do Sul. Porém, esses modelos ainda não têm uma resolução que nos permita identificar fenómenos de microescala. Com o apoio da “UK Met” estamos a trabalhar com um modelo com resolução de quatro quilómetros. Ajuda-nos bastante para localizar eventos de microescala, em termos de chuva. Se conseguíssemos um modelo com uma resolução de dois quilómetros, aí sim, seria fácil prever chuva na baixa da cidade, num certo distrito, etc, etc . Ainda assim, aqui no INAM estamos a desenvolver esforços, juntamente com a equipa de modelação, para ver se a partir deste ano começamos a trabalhar com um modelo  nosso. Terá a vantagem de podermos introduzir dados localmente e melhorar-lo, além de que  vai permitir-nos ter uma maior resolução para localização de eventos.

Como é que Moçambique interage com as outras regiões do planeta em termos de serviço meteorológico?

A família meteorológica mundial é unida. No ano passado cerca de oito meteorologistas foram treinados no centro regional da África do Sul. Anualmente técnicos do INAM são treinados no Centro de Ciclones Tropicais as Ilhas Reunião. Temos estados presentes nos eventos organizados pela nossa organização-mãe, a Organização Mundial de Meteorologia.

 

Pelo que deduzo estão bem em termos de parcerias?

 Moçambique, por ser um país vulnerável a muitos eventos, tem recebido vários convites para capacitação e formação contínua na China , via Organização Mundial da Meteorologia. A JICA, agência japonesa de Cooperação, apoia-nos na organização institucional do nosso trabalho e em termos de previsões. No ano passado muitos colegas foram ao Japão para fazer cursos de curta duração. Dois técnicos estão numa universidade japonesa a fazer o nível de Mestrado em Modelação Numérica para adoptarmos um modelo local. Temos alguém formado em Modelação na África do Sul  com  nível de Doutoramento. Outro está a fazer o mesmo nível em modelação marinha na cidade sul-africana de Cape Town. Temos um técnico a se formar em modelação no Porto.

Então…

São essas pessoas que nos vão dar o “know-how” para conseguirmos avançar para uma perspectiva mais alta das tecnologias de informação. Toda a ciência funciona na base da tecnologia e nós, também, estamos a migrar para essa tecnologia de modelos numéricos.

Há uma partilha actualizada de informação sobre o estado meteorológico entre os países?

Sim, temos um sistema montado que nos permite receber de hora em hora informação actualizada de todo o mundo. Significa que a nossa informação entra no sistema internacional, que é como se fosse uma base de dados. Todos os países quando produzem uma informação metem nesse sistema. Estamos em rede com o mundo. Se eu quiser saber o tempo de Washington é só entrar com o código e ele dá-me esse dado. Se tiver notado, é por essa razão que os nossos relógios aqui (no INAM) não possuem hora local, porque usamos o tempo universal.

Como é que se desenrola a relação entre os serviços de meteorologia e a navegação aérea e a marítima?

Com a aviação civil temos um centro operacional, que funciona no próprio aeroporto, que é o Centro Nacional Operacional do Aeroporto de Maputo, onde se fazem as previsões de tempo para todos os aeroportos do país. Em cada um dos aeroportos temos pessoal da meteorologia que faz a observação de hora em hora.

Portanto estão em sintonia com a torre de controlo?

Sim. Quando há mudança do estado do tempo produzimos boletins especiais, que é para os aviões saberem que ali onde vão voar têm uma nuvem perigosa. Também, quando há mudança de tempo aqui na terra, produzimos uma informação que indica que nas horas seguintes vamos ter vento forte na zona do aeroporto, então os aviões nessa altura tomam medidas de precaução, não podendo aterrar. A informação que disponibilizamos de hora em hora é útil pois, quando estamos no Inverno, se tivermos nevoeiro, permite ao piloto não descolar da Beira porque não poderá aterrar em Maputo e faz um compasso de espera.     

O que é que têm feito para evitar que um navio seja apanhado pelo mau tempo?

Para a marinha temos uma previsão especial, emitida duas vezes por dia. Quando há um evento adverso no mar fazemos um aviso especialqueé encaminhado para as autoridades marítimas, como a Administração Marítima, o Inahina, entre outros, que fazem os “links” para os navios e as instituições que trabalham com o mar. Fornecemos informação que indica o vento que se vai fazer sentir no mar, a altura das ondas, a influência das chuvas e possível ocorrência de trovoadas.

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