Reportagem

Desporto deve voltar para agenda das famílias- afirma Ana Flávia Azinheira

Texto de Carol Banze, Angelina Mahumane e Maria de Lurdes Cossa e Fotos de Jerónimo Muianga

É formada em Veterinária pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM). Actualmente desempenha a função de vice-Ministra da Juventude e Desportos, fazendo parte do Executivo do Presidente Filipe Nyusi. 

Ana Flávia Azinheira teve o seu mérito reconhecido na arena desportiva quando representou diferentes clubes e principalmente quando integrou a selecção nacional de basquetebol. Neste novo Governo, ela estreia-se repleta de apostas. Dentre as várias que tem na manga destacam-se “fazer com que mais mulheres pratiquem desporto, responder aos anseios da juventude moçambicana e fazer com que o desporto volte a fazer parte da agenda das famílias”.  

Sra. vice-ministra, onde nasceu e como foi a sua infância?

Nasci em Maputo, no Hospital Geral José Macamo, há 38 anos. Tive uma infância muito tranquila. Como toda a criança, tinha as minhas brincadeiras preferidas e divertia-me em campos de jogos, uma vez que tive o privilégio de viver perto destes locais. Mas aos 10 anos, entrei de facto para o basquete, incentivada por alguns treinadores que me observavam quando brincava com os meus amigos. Nesta altura, não fazia ideia da importância de praticar desporto, jogava meramente por prazer. E quando iniciei a minha carreira, tive o privilégio de praticar basquetebol em Maputo, Sofala e Nampula.

Viveu nesses nessas províncias ou ia lá jogar?

Vivi lá. A minha família teve que se mudar para esses lugares por razões profissionais. Nasci e morei alguns anos em Maputo, depois vivi na Beira e Nampula. Mais tarde voltei a Maputo. Então, como ia dizendo, fui observada por alguns treinadores que me incentivaram a seguir em frente. Segui, obviamente com muitas dificuldades, pois, na altura, era difícil ter sapatilhas decentes, bolas, etc. …. Entretanto, ao longo da minha carreira, fui vendo os benefícios de praticar desporto pelos estímulos que fui conseguindo, pela motivação que ia tendo. Até porque, aos 15 anos, fui chamada, pela primeira vez para integrar a selecção nacional de modo a participar num torneio dos PALOP’s (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) em Portugal. E tudo foi correndo até chegar às conquistas que tive, tais como campeonato africano ao nível dos clubes.

Sonhava com isso?

Sim. A dado momento da minha carreira os desafios eram maiores, para além de ganhar campeonatos internos, já sonhava ou sonhávamos com os de fora. Elevar o nome da nação é gratificante. O ego cresce. E vejam que quando se perde, na época seguinte a vontade é de fazer melhor e mostrar que se pode ganhar. Outro aspecto que me deixa realizada é o facto de ter conseguido uma bolsa que me permitiu jogar nos Estados Unidos da América (EU). Foi um grande estímulo e significou crescimento. Já estava nos seniores. Colhi experiência desportiva, mas também tive acesso à educação na área de empreendedorismo. Abriu-me a cabeça, passei a ter outra visão, tornei-me uma pessoa mais segura.

Foi uma criança tranquila ou traquina?

Traquina nunca fui (risos). Se calhar por ser a mais velha. Tinha a responsabilidade de cuidar dos meus irmãos mais novos. Nesse tempo não tínhamos empregados domésticos, os pais saíam para trabalhar e os filhos mais velhos tomavam conta dos mais novos. Eu cozinhava e cuidava de outros afazeres domésticos. Mas também estudava e no fim do dia ia treinar.

Gostava de brincar com meninas ou com meninos?

(Risos)…era indiferente. Felizmente estive numa comunidade onde não havia segregação. De qualquer forma, na prática do desporto acabei estando mais com as meninas.

BASQUETEBOL NO CORAÇÃO

PAIXÃO PELA MEDICINA

 O basquetebol sempre esteve em primeiro plano?

Sim. Apesar de ter tido a oportunidade de praticar diferentes modalidades na escola, nomeadamente, o futebol, atletismo, a natação.

Experimentou todas essas modalidades?

Sim, experimentei todas! Mas fiquei pelo basquetebol. Joguei pelo Maxaquene, pelo Ferroviário de Nampula, da Beira e de Maputo. Também pela Académica de Maputo. No estrangeiro, joguei nos Estados Unidos da América.

Além de basquete, gostava de outra modalidade?

De natação. Também é minha paixão. Depois vem o futebol.

Onde fez o ensino primário?

Na Escola Primária 16 de Junho, em Maputo.

Era boa aluna?

Creio que sim!    

Disciplina preferida?

Biologia. Fazia-me ir à aula com mais interesse. Acredito que o facto de gostar desta disciplina inclinou-me para a formação em medicina veterinária. Gostava também de história, mas nunca tive dúvidas de que iria fazer medicina, fosse humana ou de animais.

Então, isso já vem desde pequena.

Sim. Na verdade queria ser médica humana, mas na altura do exame de admissão acabei ficando para medicina veterinária.

Gosta de animais?

Sempre gostei! E confesso que depois da minha formação tive a certeza de que tinha escolhido o certo.

Exerceu a veterinária em algum momento?

Exerci bastante, ao mesmo tempo que treinava. Fui estudante-atleta, depois trabalhadora-atleta, gestora-atleta…

Como conseguia conciliar todas essas ocupações?

Posso dizer com convicção que o desporto tem a capacidade de nos tornar metódicos. Muitas vezes pensa-se que ele nos distrai das nossas obrigações. Não é verdade! O desporto tem a vantagem de criar boa disposição para todo o dia, cria a capacidade de pensar mais rápido e, consequentemente, de cumprir as agendas. Sinto a responsabilidade de testemunhar que quando me encontrava em ritmo competitivo, o meu rendimento nas outras tarefas foi muito bom. Contudo, é de certa forma complicado dividir o tempo. O dia só tem 24 horas e descansar é imprescindível. Mas o rendimento é melhor.

Parou de jogar?

Parei de jogar, mas não parei de fazer exercícios. Não podemos ficar parados em nenhuma idade. Faço ginástica individualmente e algumas vezes em sessões em grupo.

Consegue fazer exercícios todos os dias?

Não, por causa da carga de trabalho. Três a quatro vezes por semana. É menos do que fazia antes.

O que tinha em mente para quando terminasse a sua carreira desportiva?

Essa pergunta é oportuna porque me dá a possibilidade de dizer que, muitas vezes, os atletas da alta competição se precipitam ao encerrarem as suas carreiras. No nosso país, o principal factor são as condições financeiras, pois, uma vez que não somos profissionais, somos obrigados a dar um (outro) rumo às nossas vidas. A carreira termina sem que se tenha atingido o auge.   

Ora, no meu caso, fiz uma primeira tentativa de finalizar, mas não deu certo. Cheguei a terminar e começar a carreira de treinadora, mas seis meses depois, porque ainda tinha sangue competitivo, voltei a jogar por Moçambique. Ainda era muito cedo. Mas, desta vez, parei. E consegui chegar ao final vangloriando-me por ter conseguido participar no campeonato mundial de basquetebol feminino, realizado na Turquia, em 2014. Isso correspondeu a todos os meus objectivos. Depois de vários anos, percebi que foi o melhor palco para fazer o último jogo da minha vida como atleta.

Então, atingiu o auge?

Sim. Atingi o auge. Resolvi parar exactamente quando completei 25 anos de carreira.

DE ATLETA A GOVERNANTE

 Encerrada a carreira, veio o cargo de vice – ministra…

Não veio o cargo, veio a responsabilidade de aplicar toda a experiência que acumulei. Ficar do lado contrário ao que me encontrava. Reparem que nós, como atletas, sempre sugerimos que se devia fazer isto e/ou aquilo… De qualquer forma, estamos já deste lado a trabalhar, pensando num sistema de desporto sustentável. O MJD está ciente de que é preciso investir, pensar e olhar mais para os meninos mais novos, nas escolas. Gostaríamos que todos os estudantes pudessem ter acesso ao desporto, sem discriminação de género, de classes sociais. É, também, nossa prioridade olhar para as camadas mais jovens, fazendo um trabalho de base.

Neste caso, estão a preparar equipas para o futuro?

Queremos ter um programa sustentável, preparando uma base forte, com um bom acompanhamento e seguimento de talentos. Assim evitaremos crises de resultados. E não só. O MJD não é só desporto. Pensamos em programas que abranjam os nossos jovens, que respondam aos seus anseios. Estamos a traçar estratégias de modo que possamos ter uma juventude mais proactiva, produtiva.

Interessava-se pela política antes de entrar para o Governo?

Interessava-me. Não fazia política activa por falta de tempo. A minha agenda era sobrecarregada.

Como foi receber a notícia da sua nomeação?

Foi uma surpresa, mas gosto de desafios! Para mim, a vida não faz sentido sem desafios. Eu disse para mim mesma ‘por que não? Tentarei dar o meu melhor!’.

Alguma atenção especial pelo basquetebol? Sei que esta pergunta é tendenciosa…

Quer me comprometer? (risos). Estamos preocupados com o desporto no geral porque a crise de talentos não se verifica só no basquetebol. Temos que ter melhor futebol, melhor atletismo… O que posso dizer em relação ao basquetebol é que é uma das modalidades privilegiadas pelos resultados que tem tido, mas não significa que por eu ter sido uma jogadora de basquetebol tenha que ter uma atenção especial por esta modalidade.

Famílias ausentes dos campos

Às quantas a anda o sector que dirige?

Bem, reconheço a existência de vários problemas, mas vejo que houve uma grande evolução, pois muita coisa já tinha sido feita em prol do nosso desporto. É de destacar também o esforço das federações que, apesar de enfrentarem dificuldades, lutam pela existência de competições. Há federações empenhadas na massificação do desporto, fazendo programas com as crianças e incentivando-as a entrarem para o desporto. Mas isso não é tudo, ainda é pouco, temos que fazer mais.

Então, o que acha que deve ser feito?

Temos de melhorar a transmissão da informação da agenda desportiva para toda sociedade, pois acontecem jogos e não há lá pessoas a assistir. Muitos dizem que é por falta de informação. Se calhar temos que melhorar o nosso marketing desportivo. As famílias precisam de voltar a colocar nas suas agendas a assistência aos jogos. Estamos com saudades de vê-las nos campos. Então vamos continuar a trabalhar neste sentido.  

Será que existe uma certa desmotivação por falta de assistentes?

Pode ser que sim. Durante muitos anos cansei-me de jogar com as bancadas vazias. O público não pode só ir ao campo quando jogamos contra Angola, Ghana, ou seja, quando há competições internacionais.

LUTAR PELA MULHER RURAL

Estamos no mês da mulher. Que mulher moçambicana temos hoje em dia?

A mulher moçambicana evoluiu bastante, ascendeu a um poder social muito grande. Porém, o poder económico não é muito evidente, é até muito desigual ainda. Não obstante esse facto, já podemos apontar para grandes nomes de mulheres em áreas estratégicas. Não só existem mulheres renomadas se destacando, há ganhos de uma forma geral. E hoje em dia apraz-nos ver que a mulher moçambicana sabe vestir-se, sabe falar, sabe afirmar-se, enfim, sabe construir uma posição. Isso é positivo. Nós alcançamos grandes progressos no nosso país mas ao mesmo tempo temos ainda um grande desnível quando olhamos para a mulher do meio rural.

Em que aspectos?

Ainda temos o analfabetismo, gravidez precoce, consequentemente mães adolescentes; temos a discriminação, a violência doméstica, entre vários problemas.  São aspectos que acredito que poderão ser ultrapassados alfabetizando a mulher, criando condições para que ela possa ter poder para produção, para geração dos seus próprios rendimentos. 

CONCILIAR A FAMÍLIA E O TRABALHO

A Senhora vice-ministra é casada?

– Sou comprometida e mãe de um menino de quatro anos.

Consegue conciliar a sua função de governante com a de mãe e companheira?

A gestão do tempo é importante. Temos que organizar a nossa agenda. Quando estou em casa estou em casa. Esse tempo é para a família. Obviamente, me deparo com situações em que me vejo obrigada a trabalhar em casa. Mas não o faço em prejuízo do convívio familiar. O quality time é muito importante, o tempo que disponibilizamos para a casa tem que ser muito bem aproveitado. Isso é válido também para o serviço.

Resta tempo para trabalhar como veterinária ou teve que parar?

As minhas obrigações profissionais agora não me permitem praticar a veterinária.

Sabe cozinhar?

Sei. Não tenho tempo para esse afazer, mas sei cozinhar (risos).

Qual é o seu prato favorito?

– Gosto de uma boa feijoada.

E que prato a família lhe pede sempre para confeccionar. É especialista em algum?

Bem, com o crescimento, começamos a mudar os nossos hábitos alimentares. Assim sendo, faço mais comidas saudáveis como grelhados, mais saladas, menos carbohidratos. Cozinhar agora tornou-se um pouco subjectivo. Mas sei fazer bem uma feijoada.

Gosta de ler?       

Sim. Leio mais livros científicos, principalmente virados para a veterinária.

Como é que gosta de se vestir?

Confesso que, até uma certa altura da minha vida, gostava mais de calças, vestia-me de forma mais prática. Quando fosse a eventos formais preferia usar calças e uma blusa ou então vestidos longos, aliás, gosto destes. Nunca achei que vestidos e saias um pouco abaixo do joelho fossem depois ser o meu dia-a-dia. Mas colegas e amigos dizem que me ficam bem. Então estou a tentar adaptar-me a esse novo estilo.

Algum artigo que não resiste a comprar quando o vê…

Felizmente não sou compulsiva. Gosto de estar bem vestida, mas não sou extravagante. Sou uma pessoa simples, apresento-me sem muitos detalhes.

Mas há alguma vaidade aí…

Vaidade?

Sim.

Ah é? (risos). Mas não acho. É tudo básico, nada está exagerado.

E o que não pode faltar no seu kit de beleza?

Maquilhagem. Não sei porquê, pois me sinto mais bonita sem ela. Mas provavelmente por me deixar mais segura. Sem maquilhagem sinto-me incompleta.

Gosta de sapato alto? 

Gosto.

Quanto tem de altura?

1.86. 

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