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Desalojados e abandonados

Por admin

Quarenta e sete famílias, vítimas das enxurradas, vivem abandonadas à sua sorte no Hulene, em Maputo, depois de perderem literalmente tudo. Na escola primária local, onde estavam abrigadas em condições precárias, foram retirados para dar lugar às aulas.

Bairro de Hulene “B”, um dos maiores e mais populosos da cidade de Maputo, tem dezenas de habitações alagadas em consequência da chuva que assola a capital do país desde Novembro passado.

Localizado por detrás da lixeira que leva o mesmo nome, possui extenso território que começa na rua da Beira e termina na avenida Lurdes Mutola.

Dois factores contribuíram para a inundação das casas: os acentuados declives e construções desordenadas. Em consequência, 47 famílias perderam tudo e foram abrigadas na Escola Comunitária 10 de Outubro, onde permaneceram de 29 de Dezembro passado a 4 de Fevereiro.

Com o ano lectivo à porta, a direcção da escola escreveu uma carta ao secretário do bairro, Armindo Alfiado Tai, expondo a necessidade, urgente, de desalojar todas as vítimas das enxurradas até passado dia 6 de Fevereiro.

É aqui onde inicia todo o drama que e seguir descrevemos. Madalena Cumbe, responsável das famílias, disse à nossa Reportagem que recebeu uma orientação do secretário do bairro no sentido de alistar as vítimas com vista à sua transferência ao Centro de Chiango.

Segundo a nossa entrevistada, dos registos efectuados apurou-se que eram 47 famílias que careciam de transferência urgente, número entretanto refutado pelo referido secretário, alegando que o número de famílias havia sido incrementado de 16 para 47.

Mesmo assim, Armindo Tai, popularmente conhecido por Chivambo, ordenou que os assolados fizessem uma lista nominal onde deviam apontar os números de celular para posterior contacto.

“O secretário ordenou também que cada um de nós procurasse uma casa de familiar ou de vizinhos, para onde devíamos ir face à necessidade de desocuparmos a escola. No entanto, ele sabia que recorremos à escola porque não tínhamos onde ir”, disse Madalena Cumbe.

Já em coro, várias vítimas denunciaram a atitude do secretário do bairro que apelou ainda que fossem procurar lugar para arrendar quando se sabe que perderam literalmente tudo.

JOGO DE PINGUE-PONGUE

Parece haver aqui um jogo de pingue-pongue entre os munícipes e secretário do bairro de Hulene “B” sobre quantas famílias estão desalojadas em consequência das chuvas que caíram na capital do país desde Novembro de 2014 até aos dias que correm. 

Ao longo do período em que estiveram alojados na Escola 10 de Outubro, as vítimas das enxurradas contam que o secretário do bairro, mesmo discordando dos números apresentados, levou cinco membros de diferentes famílias para arranjar terrenos no distrito de Marracuene, na província de Maputo.

“Ele chegou numa manhã de sexta-feira e pegou nessas cinco pessoas sob pretexto de ir entregar o purificador de água “certeza” na sede do círculo. Porém rumaria ao distrito de Marracuene”, conta uma das senhoras por nós entrevistada.

Disse ainda que cada uma das cinco famílias devia levar chapas de zinco, estacas para erguer qualquer coisa assim que recebesse espaço em Marracuene.

Chegados ao destino, na zona da FACIM, o secretário teria cobrado 200 meticais por pessoa para custear o transporte, dado que não dispunha de meio da edilidade.

No local, um espaço de quintas, iniciou o processo de divisão e atribuição de terrenos, tendo as famílias recebido a advertência de construírem imediatamente e nunca, mas nunca mesmo, indicassem a pessoa que atribuiu os terrenos.

“Como estamos desesperados, no dia seguinte, arrancamos as chapas de zinco das casas que estão na água para construirmos habitações precárias, na base de caniço, estacas e chapas de zinco”, disseram os beneficiários.

Na manhã de um sábado rumaram para Marracuene para iniciarem com a construção, mas para a surpresa deles foram recebidos pela polícia canina e cacetadas à mistura. “Tudo ficou para trás, perdemos chapas de zinco, estacas e caniço”, lamentam.

Acrescentaram que agora estão entregues à sua sorte, pois as casas estão alagadas; os terrenos de Marracuene não passaram de uma ilusão e já abandonaram a escola.

Secretário “Chivambo” sem rumo

Dirige um bairro com 140 quarteirões, mais de 500 famílias. Seu nome Armindo Alfiado Tai, popularmente conhecido como Secretário Chivambo, um nome que escapou no registo de nascimento.

Explica, nas linhas que se seguem, as peripécias que 47 famílias do seu bairro estão a passar desde que caiu a maldição das chuvas.

Quantos quarteirões tiveram inundações?

Tenho 26 quarteirões que sofreram inundações.

Quantas famílias sofreram?

220 Famílias com as casas inundadas, isso sem falar daquelas que estão em zonas baixas.

Essas pessoas continuam a viver nas suas residências?

Segundo a sensibilização da Vereação do distrito Ka-Mavota, algumas pessoas estão em casas de parentes, outras na vizinhança do bairro até que consigamos terrenos.

Todas elas foram sensibilizadas nesse sentido?

Algumas delas, porque existem casas que apenas estão inundadas no quintal…

Das famílias que saíram de casa, todas estão na vizinhança ou com familiares?

Não. Algumas estão na Escola Comunitária 10 de Outubro, outras na Escolinha Padre Jorge.

Quantas famílias exactamente?

Na escola 10 de Outubro estão 16 famílias e na Padre Jorge seis. Todas elas não estão em boas condições, mas segundo a orientação da vereadora, Despedida Bento, conseguiu-se um centro de reassentamento do bairro de Chiango para acomodar essas famílias.

Quantas pessoas serão transferidas para Chiango?

Até última quinta-feira quando fiz a visita estavam nas duas escolas 22 famílias.

Estas 22 famílias correspondem a quantas pessoas?

Ainda não fizemos o levantamento. Estamos para fazer este trabalho ao nível de faixas etárias e sexo.

E há quanto tempo as pessoas estão lá?

Há mais de um mês.

Por que só agora foi feito o levantamento?

Como as pessoas já haviam conseguido um espaço (escola) para ficar, não acreditaram que o bairro poderia conseguir um centro de acomodação para eles. Também queriam ficar próximas das casas para controlar seus bens.

Na semana passada cinco famílias receberam espaço em Marracuene?

Não. Em 2013, 39 famílias receberam terrenos no distrito de Marracuene.

Estou a falar da semana passada…

Nenhuma família foi levada para lá. Eu, como secretário do bairro, não tenho conhecimento, nem cheguei a sair da cidade de Maputo.

Os munícipes disseram que cada um tinha que ter chapas de zinco e estacas para logo que receber o espaço construir em Marracuene…

Isso foi há três semanas, pois ouvimos um “zunzum” de que havia um parcelamento nas quintas abandonadas. Fomos lá e de facto só poderiam atribuir espaço a quem tivesse material para construir.

E tem conhecimento que essas cinco famílias estão de novo na escola 10 de Outubro?

Sim tenho conhecimento e estão alistadas para irem para Chiango.

Soube que elas foram corridas pela polícia e perderam todas as chapas de zinco, estacas e caniço?

Tive conhecimento “assim-assim”, porque houve uns munícipes que foram falar com a vereadora para explicar o que sucedeu em Marracuene.

Soube também que a vereadora disponibilizou uma senha no valor de dois mil meticais para os munícipes fossem recuperar os seus materiais, porque o carro do distrito Ka-Mavota estava avariado, mas sei que não foram a Marracuene.

E quando é que eles vão para Chiango?

Eles foram avisados que a partir do dia 4 a 6 de Fevereiro deviam abandonar a escola porque o ano lectivo estava prestes a iniciar e havia necessidade de arrumar a escola, as salas e carteiras.

Chorar com “denominador comum”

Munícipes do bairro de Hulene “B” na cidade de Maputo, vítimas da chuva que se fizeram sentir em Dezembro de 2014, estão a chorar por terem, desde então, as suas casas alagadas.

“Queremos novos talhões para construir seja onde for”,está é a opinião expressa por vários residentes daquele bairro dos arredores da capital do país quando interpeladas pelo domingo, numa ronda ao terreno para verificar in loco a real dimensão do seu sofrimento.

Tornou-se normal viver na água

Virgínia Manhiça disse que de Novembro a está parte tornou-se normal viver na água. Dos três compartimentos existentes na sua casa, dois estão completamente alagados e os móveis retirados.

Colocamos lonas, sacos de sisal e por fim esteiras para podermos dormir e no dia seguinte retiramos tudo para secar”, conta Virgínia Manhiça.

Disse ainda que seus netos usaram uma perícia de colocar blocos e bidões de água para sustentar os colchões onde os 13 membros da família passam a noite num único compartimento.

“O quintal está a cheirar mal, porque a fossa rebentou e a sujidade saiu. Está tudo misturado com a água da chuva que estagnou no quintal”, lamentou Virgínia Manhiça.

Para ela, a solução dos problemas da família passa por arranjar outro terreno numa zona segura.

Nunca fomos atingidos

-Arnaldo Vilanculos

Arnaldo Vilanculos, chefe do quarteirão 43 no bairro de Hulene “B” , conta que foi atingido pelas águas da chuva pela primeira vez desde 1984.

Ele é chefe de 62 casas. Destas, nove estão na situação de inundadas ou parcialmente alagadas. Não obstante, quatro famílias permanecem nas suas casas, enquanto outras cinco abandonaram-nas.

“Tenho a informação que estão refugiado em casa de familiares aqui no bairro de Hulene, disse o chefe do quarteirão.

Segundo a mesma fonte, todas as famílias levaram consigo todos os seus haveres visto que as águas alagaram o seu interior até a altura da janela.

“As quatro casas a que fiz referência estão totalmente desalojadas e desabitadas”, garantiu Vilanculos.

Tenho mobília submersa

-Celeste Djidji

Celeste Djidji contou que não existem condições de habitabilidade na sua residência, porque a água inundou o seu interior.

Em Dezembro de 2014, quando percebeu que a chuva estava a intensificar, optou por retirar os principais móveis, cadeiras, camas, mesas e electrodomésticos. “Não conseguimos retirar uma cristaleira devido ao seu peso”, apontou.

Prosseguiu dizendo que há mais de um mês que não vive em casa. De quando em vez vai para as imediações todas as manhãs para verificar o ponto de situação.

Celeste Djidji tem uma preocupação: o ano lectivo 2015 já arrancou e os netos estão dispersos devido às inundações. Sua expectativa é receber espaço numa zona segura onde possa recomeçar uma nova vida.

“Ainda não vimos ninguém do município. Apenas o chefe do quarteirão veio nos dar uma palavra de conforto, deixando em aberto a possibilidade de termos terrenos numa zona ainda por identificar”, concluiu Celeste Djidji.

Quintal está alagado

– Manuel Eduardo

Manuel Eduardo referiu que todo o seu quintal está alagado. Em alguns pontos a água chega à altura da cintura. Por essa razão, segundo ele, o interior da residência também está alagado.

Apesar disso, eles continuam a residir na casa. Optaram por colocar os idosos a ocuparem os compartimentos que não têm água, enquanto os jovens colocaram colchões por cima das mesas para dormir.

“As minhas irmãs preferiram arrendar dependências nos quarteirões do bairro que não sofreram de chuva”, disse o jovem Eduardo.  

Explicou que a situação ganhou contornos alarmantes na última chuva de 2014, pois antes havia colocado 12 sacos de areia na entrada da casa para poderem circular com alguma tranquilidade. Dada intensidade dessa chuva os sacos de areia ficaram submersos.

“Ouvimos que havia espaços a serem distribuídos para as vítimas das enxurradas em Marracuene, porém quando nos aproximamos para saber das condições, soubemos que a distribuição não era legal”, disse.

Texto de Jaime Cumbana
Jacumbana@gmail.com

fotos de Carlos Uqueio

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