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Cultivamos manualmente 5,4 milhões de hectares de terra

Por admin

O jornal domingo entrevistou, em exclusivo, o Director Nacional de Extensão Agrária (DNEA), eng. Fernando Lissete Mavie, para nos falar das actividades que têm sido desenvolvidas pelo sector, de modo a produzir mais comida que nos falta no país e vencer a fome. Foi uma longa conversa em que se falou também sobre os problemas e desafios da agricultura.

À pergunta,“acha que estamos a trabalhar adequadamente a terra? Ou o que deve ser feito para trabalhá-la adequadamente?”, o eng. Fernando Mavie respondeu da seguinte forma:

Ainda não estamos a trabalhar a terra adequadamente pelos seguintes motivos: grande parte da nossa agricultura é feita manualmente. Precisamos de mecanizar a nossa agricultura em toda a sua cadeia de valor. Precisamos de ter os serviços técnicos de apoio, nomeadamente, laboratórios, centros de pesquisa cada vez mais próximos do produtor. Precisamos de mais extensionistas para alargar a nossa cobertura em assistência técnica. É necessário cada vez mais infra-estruturas de apoio à produção. Deve haver mais tecnologias e cada vez mais acessíveis ao produtor. Deve haver disponibilidade atempada de insumos e factores de produção: sementes, pesticidas, crédito, mercados justos, comercialização, etc.”

E acrescentou: “Estima-se que pelo menos 5,4 milhões de hectares estão actualmente em cultivo (no país)e isto representa cerca de 15 a 17% da área total disponível. (…) e umas das questões é que esta área toda é quase trabalhada manualmente”.

Então, quando quisemos saber de outras razões que levavam o país a não produzir suficiente comida para nos alimentarmos e também exportar, mesmo com extensas áreas agrícolas e com bastantes solos férteis respondeu: “Existem vários factores internos e externos ao problema que me coloca. Dentre os factores internos estão os seguintes:

Ainda precisamos de desenvolver tecnologias adequadas e apropriadas e sobretudo acessíveis para o produtor produzir de maneira competitiva; Temos que criar um sistema de mercados de insumos e de factores de produção funcional. Nos factores externos, temos que endereçar vários outros factores na cadeia de valor: pós-colheita, processamento, preço justo. Financiamento: a maioria dos produtores são pobres e não se pode fazer agricultura rentável sem investimento, sem financiamento. Comercialização: ainda é um desafio; a falta de um sistema de comercialização pode ser um factor negativo e desmotivador para os produtores. Infra-estruturas: faltam estradas, armazéns, silos, energia, transportes, etc”.

Quando lhe pedimos que aprofundasse mais este assunto sobre os problemas que persistem na cadeia de valor: produção, transformação, transporte, comercialização, a resposta foi suscita: “na produção, as tecnologias são pouco adequadas ou inacessíveis, por isso há baixa produtividade. Na transformação, a indústria actual de transformação está virada para as culturas tradicionais de rendimento, caju algodão e copra, e não para as alimentares e emergentes. Exemplo gergelim. Há pouca pesquisa científica sobre a matéria agrícola. No transporte, o sistema de transporte não favorece o pequeno e médio produtor. Os preços penalizam o produtor. Na comercialização, o sistema está nas mãos de intermediários. Falta um sistema de tipo Instituto de Cereais de Moçambique (ICM)”.

Acompanhe a entrevista nas páginas seguintes.

“A agricultura não é

apenas para velhos e pobres”

O Director Nacional de Extensão Agrária (DNEA), eng. Fernando Mavie, defende que a agricultura não é apenas actividade para velhos, “para aquelas mamanas pobres que não podem fazer mais nada na cidade”. A agricultura é também negócio e “tem de ser tomada como negócio”. Segundo Mavie, a abordagem do Programa Integrado de Transferência de Tecnologias Agrícolas, (PITTA) visa, essencialmente, “dar oportunidade aos jovens para abraçarem a agricultura como negócio e não como uma actividade secundária”. Siga a entrevista em discurso directo.

Fale-nos da extensão agrária…

A extensão pública agrária começa com a transformação dos então projectos de Apoio ao Desenvolvimento Cooperativo (CO-1) e o de Apoio à Investigação Agrária (CO-2), todos com apoio financeiro dos países nórdicos, num programa conhecido por MONAP de 1980-1986. A reestruturação económica que começou em 1986-1987, marcou o fim do programa MONAP dando lugar a uma processo acelerado de reformas que ficou conhecido por fase de Pré-Programa em preparação do PROAGRI I. Este processo levou à criação do então Departamento de Desenvolvimento Rural (DDR), depois institucionalizado como Direcção Nacional de Extensão Rural (DNER) e mais tarde como Direcção Nacional de Extensão Agrária (DNEA) já no contexto do PROAGRI II.

É isso, digamos, que aconteceu, de 1987 para cá. Este é um marco grande, porque saímos duma fase de projectização da agricultura familiar para uma fase de programas.

Qual era o quadro técnico da instituição nessa altura?

O quadro técnico que integrou os primeiros contingentes da extensão pública era, maioritariamente, de nível básico e médio técnico-profissional em agro-pecuária, com a missão principal de prestar assistência técnica aos pequenos produtores, oferecendo-lhes opções tecnológicas para a melhoria dos níveis de produção. Essa era fundamentalmente a missão. Portanto, a abordagem era produzir comida.

Refira-se que durante o período de 1982-1992, os serviços de extensão pública foram confinados aos principais corredores que ofereciam alguma segurança devido à intensificação da guerra dos 16 anos, facto que limitou o desenvolvimento e expansão dos serviços por mais áreas do país.

Qual é a função da extensão no apoio aos produtores?

A função da extensão é prestar assistência metodológica e técnica aos pequenos produtores, oferecendo-lhes opções tecnológicas adequadas para a melhoria dos níveis de produção e produtividade.

Que actividades a extensão tem desenvolvido nesse apoio?

Como disse, temos dado apoio metodológico e apoio técnico. No apoio metodológico, facilitamos o processo de organização de produtores em grupos e associações de interesse e cooperativas, onde isto se aplique, processo institucionalizado pelo decreto 6/2006 em vigor sobre a matéria. Facilitamos ainda o processo de comunicação e provisão de serviços de extensão, facilitação no acesso a serviços de apoio à produção, serviços financeiros (micro-finanças) e factores de produção.

No apoio técnico, fazemos a provisão de informações úteis que permitem aos produtores a tomada de decisões informadas sobre: o que produzir, como e quando, informações de mercados de insumos e produtos agrários. Participamos no processo de geração e transferência de tecnologias, sobre produção agrária, operações pós-colheita, gestão de recursos naturais, capacitação sistemática dos produtores, e produção de materiais de comunicação e formação.

Assistência ao camponês

Afirma-se que a assistência ao camponês é inexistente. Faltam alfaias agrícolas, sementes e educação voltada para a produção agrícola. Que comentários é que faz sobre isto?

Em primeiro lugar, gostaria de não concordar com esta asserção. E quero acreditar que, possivelmente, não temos sido felizes na nossa estratégia de comunicação e informação. O Governo tem vindo a realizar investimentos notáveis orientados para e com benefícios directos aos pequenos produtores. Por exemplo, na Educação, o ensino secundário já incorpora a disciplina de agro-pecuária na sua estrutura curricular; as escolas agrárias de nível médio e superior passaram a ter cadeiras de extensão e fundamentos do agronegócio nos seus programas de formação; o Governo criou em 2012 o Instituto Nacional de Irrigação, cujo mandato é dinamizar, revitalizar e promover infraestruturas de irrigação através de construção e reabilitação de sistemas de regadio para beneficiar, maioritariamente, pequenos produtores organizados em associações. São também exemplos disso os regadios do Chókwè e Baixo Limpopo no Corredor do Limpopo, com área disponível de 30 mil e 70 mil hectares, respectivamente; o regadio de Búzi, em Sofala, com 200 hectares, o regadio de Chimunda, em Inhambane, com mil hectares, os regadios de Nante e Munda-Munda, na Zambézia, com mais de cinco mil hectares, só para citar alguns.

Também, a Assembleia da República aprovou recentemente uma legislação sobre associações de regantes, para projectos orientados para pequenos produtores. Há o PDAI – Projecto de Desenvolvimento Agrícola Integrado e o PROMPAC – Projecto para o Melhoramento de Produção de Arroz no Corredor do Limpopo, o PRONEA – Programa Nacional de Extensão Agrária, implementado em 42 distritos, o PROSUL (Projecto de Desenvolvimento de Cadeias de Valor nos Corredores de Maputo e Limpopo), com três cadeias de valor.

Estão a ser construídos silos para apoiar e incentivar a produção, a serem construídas e reabilitadas estradas principais, secundárias e vicinais para o apoio à produção, escoamento e comercialização.

Mas esta assistência ainda é insuficiente… O que se está a fazer para melhorar a situação?

Talvez aqui falar da nossa cobertura em termos de serviço. Nós, como disse, somos uma extensão relativamente jovem. Somos os serviços de extensão público mais jovem da região da SADC com pouco menos de 30 anos de existência. Estamos com um contingente de 1.261 extensionistas que estão a assistir neste momento um total de 640 mil produtores, directamente. O que representa uma cobertura de cerca de 15 por cento do universo total dos produtores. É pouco.

Além deste efectivo temos também a participação do sector privado com pouco mais de mil e 500 extensionistas que trabalham nas várias redes de assistência técnica. Este número, obviamente, que não é o ideal, porque nós estamos a olhar para um universo de 3.6 ou 3.7 milhões de pequenos produtores. Mas devo dizer que neste processo usamos determinadas estratégias que nos permitem cobrir este número de produtores e um pouco mais.

Quais são as estratégias que tem vindo a implementar nesse sentido?

Primeiro, temos algumas abordagens. A primeira abordagem é o Programa Integrado de Transferência de Tecnologias Agrícolas, vulgo PITTA. Esta é uma abordagem em que o extensionista funciona como o centro de difusão de tecnologias a partir de uma unidade modelo de cerca de um hectare. Nesta unidade modelo, desenvolve-se actividades de demonstração tecnológica de acordo com o sistema de produção prevalecente na comunidade onde o técnico trabalha. Em todas as intervenções que ele faz nessa unidade demonstrativa deve procurar resolver determinados problemas sentidos pelos produtores.

E durante a sua actuação, naquela unidade demonstrativa, ele tem um conjunto de grupos de produtores com quem trabalha, que periodicamente visitam outras unidades demonstrativas.

A consequência disso é que começam a surgir réplicas. A meta dele é ter, à volta de cada PITTA até um mínimo de cinco produtores com igual tamanho de área.

Esta abordagem permite não só aumentar a área dos produtores que são assistidos, como também os níveis de produção começam a aumentar. Este PITTA é desenvolvido em duas componentes: na componente agrícola e na componente de frangos. É um processo que começou timidamente, mas neste momento, estamos a falar de qualquer coisa como 650 a 800 unidades demonstrativas.

E qual é a outra abordagem?

A outra abordagem são as escolas-machamba do produtor que é também uma abordagem de extensão em que se privilegia muito o grupo de produtores que trabalham com o extensionista na escola-machamba do produtor durante o ciclo de produção, a partir do qual eles fazem as réplicas nas suas próprias unidades de produção.

Contratação de extensionistas

Falou de extensionistas públicos e privados que não chegam a três mil em todo o país…

Esta questão de número de extensionistas é muito polémica. Os recursos de que o país dispõe neste momento, sabemos que são limitados. Não permitiriam de maneira nenhuma, de imediato, pensarmos em contratar extensionistas para cobrir todo esse universo do país. As contas rápidas feitas indicam que se nós quiséssemos ter técnicos suficientes para cobrir este número de 3,7 milhões produtores, precisaríamos de cerca de 13 mil extensionistas, pensando num rácio médio de um para 250 produtores (1/250).

A nossa meta para o quinquénio é atingirmos pelo menos dois mil a dois mil e 500, que poderiam subir a nossa cobertura para perto de 30%. Ora, como sabe, esta é uma situação totalmente, incomportável com o Orçamento que o Estado pode disponibilizar. Neste momento, estamos com o rácio mais alto, que é de um extensionista para 510 produtores (1/500).

Para reduzir o impacto disto, então utilizamos essas abordagens de PITTA e EMC (Escola na Machamba do Camponês), visitas de campo, dias de campo, formações em serviço, etc.

Como é que os extensionistas são contratados?

A contratação começa com um concurso, segundo as normas em vigor para o ingresso na Função Pública. Os critérios incluem o nível académico, médio ou superior, com formação técnico-profissional agro-pecuária, ou áreas afins e depois formação, pré-admissão, que é o processo de indução.

Alguns técnicos formados nas nossas escolas agrárias do país estão em casa no desemprego. Como é que se explica que se fale diariamente em défice de extensionistas, estando aqueles em casa?

Como disse, a nossa economia ainda não permite que o Orçamento comporte a admissão, de uma só vez, do número de extensionistas que gostaríamos de ter no sistema. No entanto, a extensão, no seu papel de facilitador, tem trabalhado com as escolas primárias EPs-1 e EPs-2 na promoção de práticas de produção, numa perspectiva de empreendedorismo aos jovens; a abordagem sobre o PITTA com réplicas para pela menos cinco produtores é uma abordagem que visa, essencialmente, dar oportunidade aos jovens para abraçarem a agricultura como negócio e não como uma actividade secundária.

Que condições são criadas para os extensionistas poderem trabalhar no campo?

O extensionista de campo recebe um meio de transporte (bicicleta ou motorizada) para lhe permitir cobrir um raio de aproximadamente 15 a 30 quilómetros, e nos casos em que as condições orçamentais o permitem, recebe uma casa de Tipo-2. Aqui devo referir que não são todos eles que têm casa, devido às condições que (não) temos. Outras condições de trabalho incluem, um kit, constituído por uniforme completo, mochila, capa de chuva, botas, balança, máquina de calcular, fita-métrica, lupa, faca de enxertia, bloco de notas e treinamento em serviço para melhorar o seu próprio desempenho.

Essas condições encorajam a sua permanência nesses locais?

Temos expansionistas que estão no sistema há mais de 15 anos e continuam a trabalhar mesmo com a falta de algumas condições básicas. Acho que, primeiro, é preciso acreditar no desafio e depois assumir o compromisso de servir, ajudar os que mais necessitam. Em alguns casos, somos confrontados com desistências, sobretudo quando aparecem algumas ONGs à procura de técnicos com experiência de campo. Aí, alguns são aliciados, porque as propostas de salários são um pouco mais atractivas. Mas, temos a expectativa de estancarmos esta migração com a aprovação para breve da Carreira do Extensionista, que será um grande incentivo para a retenção destes técnicos no sistema. A carreira está neste momento na Função Pública à espera de ser aprovada.

Temos outro tipo de incentivos. O próprio PITTA de que eu falei já representa um incentivo. O técnico faz as demonstrações de campo com insumos que o Estado financia gratuitamente. Mas no final da campanha, nós permitimos que a produção final fique com ele.

Mas também é preciso dizer que o país precisa de contratar mais extensionistas para produzir mais comida para vencer a fome cíclica…

Contratar um extensionista, não basta contratá-lo. É preciso criar condições para ele trabalhar. Precisa de meio de transporte, casa, equipamento, meio de trabalho. É um investimento maior, mas necessário.

Afinal não recrutam directamente os graduados que saem dos nossos institutos médios agrários?

Esse é o critério básico. O candidato tem de ter frequentado com sucesso uma escola média. Neste momento, começamos do médio para cima. Feita essa pré-selecção são submetidos todos a uma formação de pré-admissão onde aprendem as metodologias de extensão, alguns aspectos da filosofia de extensão, comunicação, métodos de comunicação, etc. E os que se saem bem são depois lançados para um processo de integração no sistema de extensão.

Produzir o suficiente

Uma das questões que se coloca é que em termos constitucionais de discurso corrente, a agricultura é definida como base de desenvolvimento. A maioria das pessoas trabalham no campo. Mas até hoje, parece que não conseguimos produzir o suficiente para nos alimentar. Qual será na sua opinião o problema central?

Eu disse antes que os serviços de extensão tem um papel no processo produtivo que é prestar assistência técnica e metodológica aos produtores no sentido de eles tomarem as decisões informadas para orientar melhor as suas explorações, os seus investimentos, com vista a melhorar a produção. Isto tem formas de fazer e metodologias de fazer. A extensão procura identificar os problemas, transformar esses problemas em oportunidades e desenvolver acções que visam dar resposta a esses problemas.

Em relação à afirmação que diz que temos tudo, mas não conseguimos produzir, penso que isso tem a ver com as estratégias. O que eu gostava de dizer é que o Governo tem feito muito trabalho. Primeiro temos que conhecer que a agricultura é de facto a chave para o desenvolvimento. E nessa perspectiva o Estado tem estado a fazer alguns investimentos.

Por exemplo, na província de Gaza em que há um investimento publico-privado com um financiamento da China, há um pouco mais de 700 famílias que estão a produzir a níveis jamais vistos e o rendimento de arroz atinge as quatro a cinco toneladas por hectare. São investimentos muito importantes que vale a pena salientar. Portanto, temos défice sim nalgumas culturas, mas os investimentos que estão a ser feitos é no sentido de superar esse défice.

É que uma das perguntas que nos fazem é a seguinte: volvidos 40 anos de Independência ainda continuamos a importar tomate e cebola da África do Sul. Não conseguimos produzir pequenas coisas. Houve uma altura em que produzíamos. Que comentário faz sobre esta questão?

No processo de produção muitas vezes a gente olha para o produtor na machambinha dele e o técnico deste lado e dizemos: não estão a fazer nada. Mas como disse, temos que olhar para muitos factores que entram na cadeia. Para haver uma produção de facto adequada, temos que ter um sistema de cadeia de insumos funcional. Isto significa que não basta ter uma loja de semente que diz que vende semente. Temos que olhar a qualidade de semente. Que unidade ou empresa fornece. Muitas vezes encontramos semente que se chama semente, mas que é só grão. Então, o nosso desafio aqui é garantir que de facto o produtor possa produzir com semente de qualidade e acessível. Esse é outro problema. A semente às vezes é mais cara e acaba desencorajando o pequeno produtor de ter acesso a ela.

O outro aspecto tem a ver com as tecnologias que já nos referimos. As tecnologias por si só não podem aumentar a produção ou a produtividade. Elas têm que estar adequadas e acessíveis. Essa questão de acessibilidade das unidades tecnológicas é um pouco filosófica, mas posso explicar um pouco. Por exemplo, quando o país começou a implementar a telefonia móvel, quantas pessoas é que podiam usar o telefone. O cartão inicial chegou a custar mil meticais, depois foi baixando, hoje está quase a cinco meticais…Isso permitiu que toda a gente tivesse acesso. Acontece a mesma coisa na produção. Quando os factores de produção não são acessíveis, aqueles factores de produção que o produtor precisa, dificilmente ele participa no processo. Hoje todos nós temos celular, porque o mercado permitiu que as coisas ficassem dessa maneira.

Mas há também a questão dos mercados agrícolas….

Sim, temos a questão do mercado também. O mercado determina muito o envolvimento dos produtores na produção de determinadas cadeias. Se o mercado não responde, o produtor nunca vai fazer investimento. Dei exemplo do feijão boer que tem mercado garantido na Ásia. Toda a gente do centro e norte está a fazer aquele feijão. Nas províncias de Manica, Tete e Zambézia estão produzir esse feijão.

A soja, porque a indústria do frango está a desenvolver-se, tem mercado. O gergelim tem mercado. Só para dar exemplo, o gergelim está a ser vendido agora à porta do produtor a 38 a 45 meticais por quilograma. Vende mais que o tabaco e o algodão. Então, as pessoas começam a fazer gergelim a correr. O mercado às vezes determina o que produzir e o que não produzir.

Portanto, não é necessariamente o problema do técnico que não vai lá. O extensionista pode ir para lá todos os dias falar com o camponês. Se o milho não tiver bom preço, ele não vai fazer mais do que aquilo que ele precisa para comer. Essas são algumas coisas que muitas vezes, nós, quando falamos na praça, não olhamos para elas, mas são muito importantes.

Acabar com a fome

Mas então, o que está a ser feito para se acabar com a fome no país?

Em 2011, o Governo aprovou o PEDSA – Programa de Desenvolvimento do Sector Agrário – que preconiza entre outros objectivos, o aumento da produção e produtividade, acesso aos mercados, gestão de recursos e fortalecimento das instituições. Falando de aumento da produção e produtividade, significa que o sector agrário, está a organizar-se e a trabalhar para que tenha os recursos humanos e financeiros para alcançar este objectivo: colocar sementes de boa qualidade, potenciar a investigação agrária para gerar as tecnologias para estimular a produção, fortalecer e expandir a extensão para promover a produção junto dos produtores e torná-los competitivos. E a extensão faz isto através de abordagens e estratégias específicas como o PITTA – Programa Integrado de Transferência de Tecnologias Agrárias, EMC´s (Escola na Machamba do Camponês), treinamento dos produtores, promoção de organizações de produtores ou associações.

Quando é que podemos superar isso. Não há projecções nesse sentido?

Algumas dessas intervenções não são intervenções de um ano ou dois. Mas o que podemos dizer é que temos metas. Por exemplo, o nosso défice actual na produção de arroz é de 210 mil toneladas. Quer dizer que o país tem que importar todos os anos 210 mil toneladas. Nós estamos a dizer que daqui a cinco anos, que é o nosso horizonte, devemos reduzir esse défice para 130 a 140 mil toneladas. É uma boa contribuição.

Na mandioca estamos bem. Estamos num nível bastante bem de produção, mas gostaríamos que os investimentos que estamos a fazer agora e com melhoramento das variedades e com as tecnologias que estamos a introduzir conseguíssemos responder ao mercado de mandioca que está a surgir por causa de produção de cerveja.

Os níveis de procura de mandioca começam a ser maiores por causa da indústria cervejeira. Temos outras cadeias de valor, como a soja. A indústria de frango no país está a crescer e a soja é um produto estratégico para a produção de rações. Os investimentos para esta área são bastante notáveis para que esta demanda possa ter resposta sem grandes problemas.

As outras cadeias que estão a surgir, por exemplo, a cadeia de gergelim e de feijão, chamado feijão boer, começam a crescer, porque têm mercados muito competitivos na Ásia e que os produtores já se aperceberam disto devido aos preços que os compradores oferecem. Portanto, esse é o quadro. Não diria em termos concretos até quando é que vamos fechar esse défice, mas os investimentos que estamos a realizar apontam para esse crescimento no sentido positivo.

As vias de acesso são outro calcanhar de Aquiles. O país tem poucas vias para se aceder facilmente aos centros de produção…

Exactamente! As vias de acesso. O preço de transporte. Como é que alguém traz o feijão de Alto Molócuè para Maputo. Eu sei que Alto Molócuè produz muito feijão sem grandes intervenções do Estado. Aquilo é cultura das pessoas. Mas como é que traz o feijão para Maputo e aquela pessoa que vai trazer qual é o preço que pratica aqui? Essas coisas todas contribuem para esta situação, porque ninguém vai aceitar produzir sem garantias do mercado.

Portanto, este é um debate que não termina, mas que é possível compreender como é que são as dinâmicas das coisas. No Baixo Limpopo, estamos lá com 700 pequenos produtores a fazer arroz, todos eles com rendimentos na ordem de 3.5 ou 4 toneladas por hectare, alguns até com 5, porque os chineses estão ali. Activaram uma fábrica de descasque e toda a gente vai fazer arroz.

Sobre políticas agrícolas

Afirma-se que os problemas da agricultura estão na falta de uma política agrícola consentânea com a realidade, que oriente para se trabalhar por objectivos bem concretos, que analise, com rigor, o seu desempenho em função dos resultados conseguidos. Qual é o seu comentário?

Acho que politicas e estratégias que temos e que estamos a implementar correspondem ao momento e à fase de desenvolvimento em que o país se encontra. E o grande objectivo destas políticas é reduzir a pobreza. Temos o nosso Plano Quinquenal do Governo (PQG) que é consentâneo com os principais desafios e prioridades do país nos próximos cinco anos, e o sector agrário é uma das áreas privilegiadas. Estamos a implementar o PEDSA (Programa de Desenvolvimento do Sector Agrário), que é um plano estratégico que aborda e endereça os desafios do sector agrário com objectividade, estabelecendo prioridades e metas numa abordagem de cadeia de valor com o grande objectivo de alcançar a segurança alimentar e nutricional da produção moçambicana. Aprovamos o PNISA (Plano Nacional de Investimentos no Sector Agrário), que é um instrumento para operacionalizar o PEDSA. Isto é, mobilização de recursos para o tornar o PEDSA uma realidade.

Depois, temos programas e planos: PDEA (Plano Director de Extensão Agrária), PRONEA (Programa Nacional de Extensão Agrária), Plano de Acção para Agricultura e Mudanças Climáticas, PROSUL (Projecto de Desenvolvimento de Cadeias de Valor nos Corredores de Maputo e Limpopo), ProSavana, PROIRRI (Programa Nacional de Irrigação), programas de mecanização, etc. Penso que politicas e estratégias existem. Podemos, isso sim, estar com desafios de implementá-las com a devida eficiência e eficácia devido a exiguidade de recursos.

Fala-se sempre de projectos, novas coisas que surgem como cogumelos, mas quando se avalia os resultados desses empreendimentos são poucos ou quase nenhum. O que se passa nesta área?

Acho que me referi um pouco a esse aspecto, mas gostaria de voltar a ela, porque agora tem maior enquadramento. Eu respeito a opinião das pessoas, mas pessoalmente tenho outra percepção. E aqui devo dizer que possivelmente nós não estejamos a ser eficazes na nossa estratégia de comunicação, porque, de facto, o Governo tem vindo a realizar investimentos notáveis orientados para e com benefícios directos para os produtores. Eu falava por exemplo da Educação, em que já se começa a partir daí a inculcar nas crianças e nos jovens que a agricultura não é actividade para velhos, para aquelas mamanas pobres que não podem fazer mais nada na cidade. A ideia é que temos que começar a dizer às pessoas que a agricultura também é negócio, pode ser feita como negócio.

Eu falava da criação de instituições, cujo papel é de facto promover a agricultura nos seus moldes comerciais. Falava aqui da construção do sistema de regadio e enumerei alguns. Eu penso que isso é uma das evidências de que o Governo está a promover as politicas e estratégias para dinamizar a agricultura. Falei dos regadios de Chòkwé, Chimunda, Nante, entre outros. Todos são investimentos que o Estado está a fazer directamente para que os produtores deixem de produzir de maneira de subsistência para que passem a produzir não só com segurança, de ver os seus investimentos realizados, mas também de forma competitiva.

Mas isso não são apenas promessas?

Claramente que não. O PRONEA (Programa Nacional de Extensão Agrária) a que me referi é um programa que está dentro do contexto da implementação do programa estratégico do desenvolvimento do sector agrário e que trabalha para a provisão do serviço de extensão através do fortalecimento dos próprios serviços e de outras instituições, como as associações e cooperativa dos produtores, para que de facto a assistência técnica se traduza em resultados concretos.

E temos outros investimentos, como por exemplo na produção animal. Na produção animal temos programas de vacinação com vista a manter os efectivos actuais produtivos, mas também para melhorar os efectivos com raças de maior produtividade. Estamos neste momento a trabalhar para o estabelecimento de linhas de produção local de vacinas. Todas as vacinas obrigatórias passarão a ser produzidas dentro do país com vista a tornar esses serviços cada vez mais acessíveis aos produtores.

Estamos neste momento a trabalhar na linha de produção de leite. É uma actividade que estava praticamente esquecida. Depois da independência, esses programas ficaram descontinuados e estamos a retomar essas actividades. Programa de vacinação contra o newcastle para a manutenção e multiplicação de galinha no sector familiar. São desafios. A produção de suínos, entre outros, é outro desafio

Então, quais são os grandes desafios e prioridades para a extensão agrária?

Os grandes desafios e prioridades são expandir a nossa assistência técnica a mais produtores através de aumento da nossa rede de extensionistas; promover a organização dos produtores em associações; garantir a disponibilidade de insumos e factores de produção atempadamente aos produtores; criar e desenvolver infra-estruturas de rega e fabriquetas de processamento, celeiros melhorados para viabilizar a produção e aumentar a renda dos produtores; apostar no agronegócio na perspectiva de cadeia de valor; aprovar e implementar a Carreira do Extensionista e promover culturas e espécies animais nativas junto dos produtores.

Sobre a semente 

O que se passa na área das sementes? Naquela altura, havia em todo o lado casas agrárias que vendiam sementes. Hoje diz-se que a semente que se vende não é de qualidade., tratando-se até de sementes básicas como milho….

Temos desafios na área de semente porque esta é uma área em que o Estado não pode intervir directamente. O Estado tem um papel de produção de semente, na cadeia de semente, que é a produção de semente básica. Este é um trabalho que é feito em estacões experimentais, mas depois a outra fase é a de multiplicação da semente básica para semente certificada. Esta é uma actividade que o sector privado deve fazer. Não é papel do Estado fazer isto. É um processo de formação das pessoas. Temos estado a fazer isso apoiando algumas empresas privadas, pequenas e médias empresas, a fazer esse trabalho com o apoio do Estado, monitorando todo o processo de produção.

Mas temos problemas ainda. Alguns desses materiais não podem ser cruzados, quer dizer, produzidos em áreas onde haja possibilidade de cruzamento. Caso de culturas de polinização aberta. Há problemas. O milho é um exemplo disso. É preciso muito trabalho de monitoramendo. O Estado tentou fazer isto através da empresa SEMOC. Esta empresa foi grandemente subsidiada durante os anos de 1980 até 1990, mas depois que o Estado deixou de ser o principal cliente da SEMOC, ela começou a ter problemas.

Mas este trabalho deve ser feito ou não?

Nós pensamos que este é um trabalho que tem que ser feito. O Estado tem que começar a trabalhar nisto, mas precisamos ainda de algum tempo para acertar. O que estamos a fazer é tentarmos trazer mais incentivos para que o sector privado de facto pegue neste projecto e siga em frente. Quem fala disso fala dos fertilizantes. Não é tarefa do Estado distribuir fertilizantes. Tivemos este papel, mas infelizmente, durante a guerra, ninguém podia fazer mais isso. Neste momento, o paradigma tem de mudar.

Está a falar de produção, mercados e desafios para o mercado?

Aqui tem a ver um pouco com o que o mercado de facto pretende.  Em função disso, o produtor responde. Mas temos um desafio concreto: há um deficiente sistema de informação do mercado e o Estado precisa de investir para que esta informação circule.

Nalguns países, é com telefone que alguém sabe quanto o milho vai custar. E nós precisamos de desenvolver esses serviços. Nós aqui no Ministério já começamos com um sistema de monitoria que vai ser agregado ao actual Sistema de Monitoramendo do Mercado (SIMA), que já funciona com pequenos problemas, mas é um sistema que já funcionou muito bem, curiosamente no tempo da guerra.

Estamos a trabalhar para fortalecer este sistema através de utilização tecnologias de informação mais actualizadas usando os aplicativos.

E os desafios para os mercados?

Transporte, por exemplo. Está ligado às vias de acesso. Ninguém vai meter o seu camião em Mapulanguene sem estrada lá. Sabemos que o Governo está a atacar essas áreas também com a mesma preocupação e o que temos vindo a fazer é tentar mapear os grandes problemas que temos, como as vias de acesso. Trabalhamos com os ministérios relevantes. Trabalhamos com o Ministério das Obras Publicas. Os transportes propriamente ditos. Temos desafios naquilo que são os preços praticados. Aqui voltam novamente aquelas questões que não têm a ver directamente com a agricultura, mas com outros sectores que é a questão das taxas. A taxa incidente sobre o combustível, energia, etc..

Para eu regar um hectare de tomate e trazer o tomate para o Zimpeto será que tenho que pagar o mesmo preço por kw que uma indústria paga? E já estamos a discutir com os sectores. Algumas dessas medidas já estão na Assembleia da República para serem aprovadas. Há um conjunto de medidas, de políticas que não afectam apenas o sector da agricultura, mas temos que trabalhar em conjunto.

Há também a questão dos impostos…

Sim… A questão dos impostos. Neste momento há uma coisa muito curiosa. Se eu importo um tractor pago apenas 5 por cento do IVA. Mas se eu importo uma peça de tractor pago 17 por cento. Mas já estamos a discutir isto com toda agente, porque de facto esses são os problemas que estão a afectar o sector agrário e não é fácil compreendê-los. Temos esses desafios todos. Mas houve medidas interessantes que foram tomadas em tempos, por exemplo, na área do açúcar. A indústria açucareira cresceu, porque foi tomada uma decisão corajosa. Mas esse tipo de medidas tem risco também.

Em criação centros de prestação de serviços

Quantos hectares temos de terra arável a nível nacional? Quantos é que estão disponíveis para agricultura?

Aquilo que se sabe e que foi mais ou menos mapeado é de que a terra arável é estimada em 36 milhões de hectares e desses apenas 5.4 milhões de hectares é que estão a ser aproveitados, representando cerca de 15 a 17% da área total disponível. Estamos ainda com um défice muito grande. Temos muita terra ainda que não está a ser explorada. Isto está um pouco ligado a outros aspectos de capacidade sobre como é que podemos aproveitar melhor a terra. Umas das questões é que esta área toda de 5,4 milhões de hectares é quase trabalhada manualmente. E as estratégias até aqui quais são? O Ministério tem estado a trabalhar no sentido de mobilizar investimentos para a mecanização da agricultura num contexto de cadeia de valores.

O que é que isso significa?

Estamos neste momento a trabalhar na criação de centros de prestação de serviços em que vamos ter equipamento agrícola desde a preparação do solo, sementeira, colheita e pré-processamento de alguns produtos. Para além desses serviços todos, esses centros que estão já no processo da sua criação a nível do país em número de 47, numa primeira fase vão igualmente prover serviços de apoio como assistência técnica através de extensionistas. Vão também prover serviços na provisão de insumos. E numa fase mais adiantada, esses centros poderão criar condições para a comercialização.

Mas também temos outros desafios que complementam esta cadeia de produção, de aproveitamento e de maximização do recurso terra que são o aumento dos níveis de utilização de insumos, começando pela semente de qualidade, fertilizantes e o controlo de pragas.

Febre afectosa tem a ver

com a movimentação de efectivos

Por último, pode nos falar sobre a febre aftosa que afecta algumas áreas do país?

O problema de algumas doenças é que são doenças que passam de região em região. Isso tem a ver com a movimentação dos efectivos. Se há algum problema no Malawi ou Zimbabwe e há um efectivo que entra numa determinada zona, dá se logo um foco ali e se não for imediatamente isolado cria complicação. Estamos com problemas, temos que reconhecer. A nossa capacidade de fiscalização e controlo das fronteiras não é a mais adequada neste momento. Temos uma maior movimentação de pessoas e bens.

O mesmo acontece com as plantas, por exemplo. A questão da mosca. Agora estamos com essa coisa que está a afectar a banana. São desafios que temos que olhar para eles e isto tem a ver um pouco com a limitação de efectivos, do pessoal para controlar as fronteiras, etc.

Mas é verdade que estamos com alguns problemas de saúde animal preocupante no país. A questão de tuberculose também é preocupante. A produção local de vacina vai ter um impacto muito grande, porque a importação de vacinas representava um custo muito grande para o país e muitas das vezes não só as quantidades não eram suficientes mas também o processo burocrático. As vacinas acabam chegando fora dos períodos da sua administração. E depois há problema de conservação da vacina. Algumas vacinas têm um tempo de vida muito curto. O caso da vacina contra newcastle, por exemplo, são vacinas que têm que ser utilizadas em muito pouco tempo. 

Fotos de Inácio Pereira

Texto de Alfredo Dacala
alfredodacala@snoticias.co.mz

 

 

 

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