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ACNUR recusa aferição do número de pessoas

Por admin

Uma delegação conjunta composta por altos quadros das autoridades do Estado moçambicano e do Malawi, foi proibida, na passada terça-feira, pelo ACNUR e as outras organizações do Sistema das Nações Unidas que gerem o centro onde se encontram concentrados os moçambicanos deslocados do interior de Moçambique, em  Kapise, distrito malawiano de Muanza, a fazerem um levantamento independente dos nacionais ali acolhidos.

A delegação moçambicana que esteve no Malawi entre 7 e 10 de Marco corrente, tinha a missão de aferir o numero de concidadãos naquele centro, sua proveniência exacta, a quantidade de crianças e de outras pessoas em idades de vulnerabilidade reconhecida, dados que serviriam para o governo desenhar as acções subsequentes no interior do país assim que se ultrapassasse o período de aparente turbulência que se vive, particularmente na província de Tete.

O domingo acompanhou a odisseia das duas delegações, que começou com uma sessão de concertação, no dia anterior, no Hotel Muanza, em que a parte moçambicana pedia uma cobertura eficaz e segurança no terreno, para que o seu trabalho não fosse perturbado.

Chegados à Kapise, por volta das 10 horas, os gestores do centro, face às intenções da delegação moçambicana/malawiana, de querer confirmar a proveniência dos deslocados ali concentrados, receberam ordens de retirada, com a sumária informação de que eram 10.668 moçambicanos no terreno.

Este posicionamento não agradou à delegação do nosso país que pretendia dados pormenorizados de identificação, origem, local de residência, nomes de prováveis vizinhos em Moçambique, dos líderes comunitários do local de donde alegavam terem saído ou responsáveis da respectiva localidade.

A missão conjunta Moçambique/Malawi, pretendia, igualmente, saber de agregados familiares, de crianças em idade escolar e os respectivos estabelecimentos de ensino onde estudavam antes  da sua saída de Moçambique. 

O questionário na posse da missão conjunta, a que a nossa reportagem teve acesso, incluía ainda a data de entrada no centro e a motivação por detrás da qual individualmente teria pesado para a decisão de abandonar o país.

Estas perguntas que não foram respondidas porque os gestores do centro não permitiram, sob ameaça de detenção dos constituintes, caso persistissem e em manter as imagens conseguidas

A intenção era aferir se na verdade os deslocados naquele centro são apenas moçambicanos e saídos exclusivamente da província de Tete, muito particularmente das regiões fronteiriças de Moatize e Tsangano, onde se localizam os povoados repetidamente evocados de Nkanga, Mondjo, Ndande, Macalauane, Chibaene, entre outras da Localidade de Nkondedzi, posto administrativo de Zóbuè e de regiões da linha de fronteira.

Não ficaram deste modo respondidas as inquietações do lado moçambicano que sugerem que o centro de Kapise possa estar a acolher especificamente guerrilheiros da Renamo que se haviam estabelecido naquelas aldeias, que as haviam transformado em bases militares ou esconderijos de armas para a desestabilização, por um lado, bem assim que no centro há também cidadãos de Malawi, que por via do ACNUR recebem ajuda internacional.

Do mesmo modo, ficou por esclarecer a quantidade exacta das pessoas ali acolhidas, que a olho nú não se aproxima às propaladas pelo ACNUR, 10.668 pessoas, facto que embaraça também o governo malawiano que paulatinamente está a ser apanhado como conivente nas acções daquela organização que vão para além da ajuda humanitária.

Na reunião de análise da missão e face às conclusões menos felizes da parte moçambicana, a contraparte malawiana não se dignou a assinar a versão portuguesa do documento final e os moçambicanos regressaram visivelmente contrariados a Moçambique.

O Malawi está a braços com uma grave crise económico – financeira, do que há memória nos  últimos anos, que se veio agudizar com  fenómeno regional do El Ninho, caracterizado, como em Moçambique, por seca severa e estiagem em algumas regiões e chuvas insuficientes em pouquíssimas zonas à volta de montanhas.

Escolas leccionam currículo malawiano

Durante a presença atribulada do nosso jornal foi possível constatar, para além da maior pujança e autoridade das Organizações das Nações Unidas gestoras do centro, inclusive face às autoridades malawianas, que as crianças moçambicanas que estão no centro estão a ser submetidas às aulas no ensino malawiano.

À altura da nossa presença quisemos saber de um moçambicano de que se tratava ao que nos respondeu ser uma junção de crianças moçambicanas e malawianas a estudarem sem descriminação de classe nem idade a receberem aulas com base no currículo escolar daquele país vizinho.

Do lado oposto às tendas transformadas em salas de aulas, na terça-feira estava em face avançada de preparação o terreno que vai colher edifícios consistentes em alvenaria, destinados a pelo menos duas escolas.

Foi possível saber que as crianças malawianas provinham duma escola primária, situada a um quilómetro e meio de distancia, em Kazuza, curiosamente em melhores condições e que funciona há muito tempo na região de Kapise. Soubemos, mais tarde, que a distribuição de mantimentos e outros suplementos alimentares, no centro de deslocados, era um chamariz para os petizes do país de Peter Mutarica.

Decorria, concomitantemente, um processo de recrutamento de quem tivesse sido professor, em Moçambique e aqueles cuja experiência poderia ser usada na leccionação, em concurso com os malawianos que também são professores no centro.

Conversamos com Lúcio Agostinho, sob indicação de um dos presumíveis concidadãos no centro de Kapise. Diz ser natural de Zóbuè, onde fez a 10ª Classe e na década 2003-2013 deu aulas como professor contratado, em Nkondedzi. Findo o contrato manteve-se na região, ate que em 21 de Fevereiro deste ano fugiu, na companhia de 5 filhos para o campo de Kapise, alegadamente em virtude de a situação politico -militar manter-se tensa.

Quando o dissemos que a nossa reportagem passara por Nkondedzi e que depois voltaria a faze-lo, de regresso e que não vira nenhum sinal de instabilidade de cariz politico -militar, disse que preferia ouvir isso via rádio e que a solução passaria por entendimento entre o governo e a Renamo, com vista à governação das seis províncias que esse partido armado moçambicano exige.  

O depoimento de Rogério Bernardo Conselho Xavier, igualmente candidato a professor no centro de Kapise, veste-se, por seu turno, de passagens duma vida menos atribulada, mas que, não obstante, decidiu submeter-se àquela situação horripilante que mobiliza a todos a uma reprovação imediata, pelo seu grau de desumanidade.

Também fez a 10ª classe, desta feita em Moatize, em 1995. Filho de um motorista da ex-Carbomoc. Em 1996 ingressou na Mozambique Life Tobaco, como agente de Segurança, em Dómue, onde esteve ate 2004, quando passa para a Construtora CMC, já como processador de dados.

Em 2007 o emprego chegou ao fim e regressou a Nkondedzi,  para trabalho a machamba. Está há três meses em Kapise, deixando para trás  uma casa no bairro Matundo, na cidade de Tete, onde deixou a mãe e tem uma filha que se formou em  enfermagem básica  e presentemente trabalha no distrito de Chiúta.

Decidiu abandonar a região de Nkondedzi-sede, deslocando-se para tão longe, tendo casa, onde vive a mae, a capital provincial e a filha a prosperar na profissão em Chiúta porque para além da esposa tenho três filhas, duas das quais casadas, cujos maridos enveredaram pelo mesmo caminho e três menores em idade escolar.

Ele está no grupo dos 10 seleccionados naquelas condições para professores, com vista a enfrentar as crianças cujos pais estão em Kapise, por razoes claramente opcionais, tendo em conta que em Nkondedzi, pelo menos na sua sede, a vida corre normalmente e o comercio informal e formal, principalmente, em feiras agrícolas, vendendo muita e diversa fruta, que é o forte da região,  não parou.

Rogério Xavier, diz que a escola implantada, ainda enfrenta sérios problemas visto que não tem horário fixo(certo) e carece de divisão de classes . É ele que nos revela que estão ali cerca de 3000 crianças das duas nacionalidades a estudar.

Diz ter saído na troca de tiros e à ida perdeu o seu programa de ensino e o seu caderno de planificação, de modo que ninguém do grupo dispõe claramente de nenhuma referência do Sistema de Ensino moçambicano.

Questionado sobre a opção de fugir para Malawi, tendo bases sólidas em Tete e porque é que ultrapassou as outras aldeias no território nacional, onde não ocorrem os incidentes, tais como Booque e Wiliamu, Rogério justificou:

“Quando tu foges é melhor que vás o mais longe possível”. A solucao, de acordo com Rogério é a ausência de homens armados (tanto da Renamo, como das FDS)”!

A façanha de José Manuel

Chegaram à região de Ndande, povoado remoto e montanhoso pertencente à localidade de Nkondedzi, no dia 23 de Dezembro de 2014, numerosos guerrilheiros da Renamo, vindos de Muxungue e Maringue, que se estabeleceram na região à espera que aquele partido ganhasse as eleições, com a promessa de que a vida dos seus residentes melhoraria.

Fugiu para o Malawi em 23 de Dezembro de 2015, na sequencia de confrontos entre as FDS e os guerrilheiros da Renamo que se haviam estabelecido no acampamento de Monjo, desde  13 de Setembro de 2014.

Na verdade os guerrilheiros da Renamo durante o dia passeavam pelas aldeias, desarmados porque deixavam as suas as armas na sua base e face às desconfianças das FDS em relação à cobertura das populações residentes, sobretudo porque foram atacadas nas cercanias da aldeia, começaram azedar as relações entre si,  e registaram-se dois   recontros que nos levou à fuga, explica a nossa fonte.

José Manuel, fugiu com 6 filhos: um está na 4ª Classe, outro na 3ª , outro ainda na 2ª Classe e três   menores em idade pré-escolar.

Segundo José Manuel, os guerrilheiros alimentavam-se de alimentos e mantimentos que recebiam de camiões que traziam de pontos  com acesso a Nkondedzi, e aqui descarregavam, mesmo “ à vista ate das FDS”.

Na data em que estivemos no campo de Kapise, ja estava alistado para fazer parte do grupo dos 10 moçambicanos para leccionar na escola aberta com intenções de encontrar um meio-termo que viabilize a concepção de um programa de ensino, que  leve as crianças a estudarem.

Pedro Nacuo, nosso enviado a Malawi

Fotografias: Pedro Nacuo

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