Política

EFEMÉRIDE: Homenagem merecida aos mártires de Báruè

Um memorial imortalizando os feitos da resistência da dinastia Makombe à penetração colonial portuguesa, em Moçambique, foi inaugurado semana finda pelo Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, no distrito de Báruè, província de Manica, pela passagem dos 100 anos sobre a revolta daquele povo contra a dominação estrangeira.

Na ocasião, Filipe Nyusi afirmou que, tal como o povo de Báruè, os moçambicanos são chamados a revoltarem-se contra tudo o que traz desunião e contra tudo o que impede a progressão económica e social.

Para tal, segundo defendeu, a solidariedade, reconciliação e a convivência pacífica entre os cidadãos deve continuar a constituir a sua marca registada.

“O rasgo distintivo dos moçambicanos que de mãos dadas e com trabalho árduo constroem o país próspero e de inclusão. Báruè significa, para nós, coragem, união, foco, determinação e ousadia”.

Ainda segundo o Chefe do Estado, cada moçambicano é chamado a dar o seu contributo nas várias frentes, tais como agricultura, educação, saúde, pesca, defesa da pátria, política e demais sectores.

“Sejamos donos do nosso próprio destino. A grandeza e o carácter excepcional da acção dos baruístas contra o exercício colonial, em Março de 1917, foi o facto de terem conseguido juntar a todos os chefes dos actuais distritos do norte da província de Manica e do sul da província de Tete para uma acção conjunta contra os invasores e exploradores”,disse Nyusi.

Acrescentou que a celebração da efeméride representava ainda a justiça à nossa própria história que na prática se espraiou por um vasto território.

“Ontem, o território, na visão dos Makombe, era a região circunvizinha de Báruè, hoje é do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico”, enalteceu.

Num outro momento, o estadista afirmou que a revolta de Báruè foi um dos símbolos da nossa resistência contra o Exército do regime colonial português e marco decisivo de um conjunto de sucessivas afirmações de um povo.

“Hoje é um dia histórico de alegria, porque, como moçambicanos, celebramos um dos mais emblemáticos exemplos de bravura e de valorização da nossa dignidade. Bravura através de acções de negação e repulsa à humilhação e  exploração do homem pelo homem, almejando por uma paz e progresso de Moçambique”,disse.

Para Filipe Nyusi, derrotado o colonialismo, proclamada a independência, materializam-se vários programas de desenvolvimento e o sossego dos nossos antepassados, que era ver todos cidadãos livres e a participar no processo do desenvolvimento de Moçambique.As celebrações decorreram sob o lema Inspirando Gerações na Consolidação da Paz e Desenvolvimento” e afiguraram-se como momento de reflexão sobre o que cada um de nós tem feito para esta pátria.

 

REVOLTA DE BÁRUÉ

A revolta, segundo dados colhidos na circunstância pela nossa Reportagem, deu-se no dia 28 de Março de 1917 sob a liderança do rei Nongwé-Nongwé, quando os barkes (Makombe) se sublevaram contra os abusos cometidos pelos colonialistas portugueses.

Eles insurgiram-se contra o recrutamento para o trabalho forçado durante a construção da actual Estrada Nacional n.º 7, que liga as províncias de Tete e Manica, violação sexual, pelos sipaios, das raparigas, acto tido como sacrilégio e ofensa moral, desejo de reaver a sua soberania que havia sido entregue à Companhia de Moçambique, entre outros abusos.

Na ocasião, os guerreiros imbuídos do espírito leão e usando flechas, azagaias e outro tipo de armamento rudimentar tomaram de assalto o posto de Mungari, no distrito de Guro, escorraçando o poderoso Exército colonial.

A revolta de Báruè iniciou quando Chemba, Tambara e Chiramba foram atacados e paralelamente os camponeses de Sena e Tonga revoltaram-se contra os colonialistas e em resultado disso os portugueses foram expulsos de Massangane, Cheringoma, Gorongosa e Inhaminga e, em debandada, foram se instalar na Companhia de Moçambique.

Entre vários chefes que lideraram os combates, destacavam-se figuras como Hanga, Samanyanga, Nongwé-Nongwé e Makombe-Macossa. O povo de Báruè abrangia as populações dos territórios hoje conhecidos como distritos de Báruè, Macossa, Guro, Tambara e parte sul da província de Tete.

Na passagem do centenário daquele acontecimento ímpar na zona centro contra a resistência colonial portuguesa, o Governo ergueu, em Catandica, um monumento constituído por uma muralha, casa destinada às cerimónias tradicionais e o museu para a interpretação daquele acontecimento histórico.

Alberto Rendição disserta

sobre a insurreição em Báruè

Para o académico Alberto Rendição Jornão a revolta da dinastia Makombe deu-se em duas etapas, sendo a primeira, de 1902 a 1904, liderada por Makombe Hanga-Hanga, que tinha como conselheiro Kuedzane, e a segunda, de 28 de Março de 1917, do rei Nongwé-Nongwé.

Segundo aquele investigador, a primeira revolta ocorreu porque o rei Hanga viu que o reino Báruè havia sido tomado por Manuel António de Sousa Gouveia, que representava os interesses portugueses no protectorado dos Estados da Gorongosa que compreendia o vale do Zambeze, passando por Báruè até ao Oceano Índico.

No caso concreto de Báruè, Gouveia havia feito pequenas incursões com as tropas de Azevedo Coutinho, ocupando-a temporariamente tendo, entretanto, a elite Báruè se mantido intacta.

Em finais do século XIX, Paiva Andrade, accionista da Companhia de Moçambique é preso na África do Sul, juntamente com Gouveia e João de Resende, um dos exploradores mineiros da região, e Hanga aproveita ocasião para se rebelar contra o Governo português, tendo sido aclamado novo rei Makombe. Nessa altura deram-se as batalhas de Makombe, Mungari, Messongo e Nachirongo e no seu regresso Gouveia morre em combate, assinalando assim a derrota dos portugueses.

O centro do poder político de Báruè era Macossa e não Catandica, actual vila municipal, que é a sede do distrito de Báruè. Entretanto, as tropas portuguesas comandadas por Azevedo Coutinho, oficial da Marinha Portuguesa, e um contingente oriundo de Inhambane, sufocam a rebelião de Hanga que foge para ex-Rodésia do Sul, actual Zimbabwe, onde morreu, terminando a primeira etapa da revolta.

Segundo referiu um general português entrevistado por alguns investigadores, considera a revolta de Bárué como tendo sido a mais temida devido a sua repercussão ao encurralar os portugueses até a cidade de Tete e repelir os que estavam na região do Zumbo para a outra margem do rio Zambeze, para além de que obrigou o Exército a reforçar-se com contingentes oriundos de Nampula e da então cidade de Lourenço Marques.

Os makombes, de acordo com aquele académico, foram derrotados devido ao fraco armamento que usavam aliado às clivagens internas e ao facto de a rainha de Angónia ter apoiado os portugueses que a aliciaram em troca de algumas benfeitorias.

Nos anos seguintes, devido a tal insolência de Báruè, os portugueses foram colocando pequenas unidades militares em Mungari, Namasonge e na então vila Gouveia, hoje Catandica.

Em 1916, Portugal entra na I Guerra Mundial, numa altura em que os alemães haviam ocupado Quionga, em Cabo Delgado, e o material de combate era transportado à cabeça. Foi então que os portugueses pretendiam construir uma estrada que liga Tete e Manica passando pelo território de Báruè que é Mungari, Nhamassonja até Mandie.

No seu entender a memória da resistência colonial é valorizada de região para região, razão pela qual o Gwaza Muthine tem expressão do sul, a revolta de Báruè, no centro, enquanto no norte fala-se mais da revolta dos matacas.

A historiadora Rita Ferreira diz no seu livro que os maus tratos protagonizados pelos sipaios retomaram a necessidade de reivindicar a independência lutando contra os portugueses. Nessa altura, porque Hanga estava morto, o seu filho Nongwé-Nongwé que representava a linhagem de Chipapata, bem como Macossa que representava a de Chibudo, por representarem a família real, podiam reclamar o direito a entronização.

No meio dessas desavenças os portugueses, no âmbito da sua política de dividir para reinar, na versão do historiador Allan Isac Man, mandaram, sem sucesso visível, um emissário para Mocossa a dizer que podiam ajudar naquele conflito entre irmãos.

Passar testemunho a novas gerações

– Abílio Mpanze, representante da família Makombe

Abílio Mpanze, descendente dos makombes, considera a celebração do centenário da batalha de Báruè um reconhecimento inequívoco da bravura dos seus antepassados que resistiram contra a dominação colonial estrangeira.

“Ao celebrarmos este centenário estamos a enaltecer os feitos dos Makombe que resistiram à penetração e ocupação colonial, assim como passar o testemunho de que a história deve ser imortalizada e transmitida a novas gerações, que devem lutar contra qualquer forma de exploração”,disse. 

Mpanze ouviu falar da história através dos seus avós que lhe contaram sobre os contornos da revolta, que a considera como tendo sido a mais expressiva da região centro do país.

Para ele, os makombes, ao enfrentar o poderoso Exército português com recurso a armas rudimentares como flechas, arco, azagaias, demonstraram um elevado sentido de bravura que estimulou outros nacionalistas a entrar na luta contra os colonialistas.

“O monumento erguido em homenagem ao Makombe, em Catandica, tem um grande valor histórico e reflecte o reconhecimento do sangue derramado pelos nossos guerreiros, que resistiram perante os colonos que perpetravam a mais cruel exploração dos moçambicanos nas áreas que vão desde o rio Zambeze ao Púngué e do rio Luenha e Kariredze às imediações do oceano Índico”,disse Mpanze.

Makombe inspirou-nos a odiar os portugueses

– Inácio António Nunes, combatente

Inácio Nunes, combatente da luta de libertação nacional, hoje com 82 anos de idade, diz que a revolta de Báruè foi a mais sangrenta e representativa rebelião havida na zona centro contra os colonialistas portugueses e que serviu como inspiração para muitos nacionalistas.“O rei Makombe foi uma das pessoas que nos ensinou a ter ódio contra os portugueses e no meu caso me inspirou a juntar-me aos fundadores da UNAMI, logo após a vitória dos makombes, em 1959, pois já tínhamos na cabeça a bravura deste reinado, para não falar dos matacas, Ngungunhane e outros reinos”,disse Inácio Nunes sublinhado que o seu movimento, juntamente com a UDENAMO e MANU, formaram em 1962 a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).

 

Acrescentou que mesmo o Dr. Eduardo Chivambo Mondlane, arquitecto da unidade nacional, numa das reuniões falou-me da resistência da dinastia Makombe nos seguintes termos:

“Você conheceu a história dos makombes? E eu disse que um dos meus avós tinha origem neste reinado e na altura ido do Zimbabwe, veio criar a estratégia para o assalto a Canhembe, em Tete”.

Para aquele combatente não restam dúvidas que a revolta de Báruè simboliza a maior insurreição na região centro contra os colonialistas e explica-se a seguir:

“O meu avô disse-me que passou por aqui os guerreiros ngunis, bem assim o Ngungunhane, e nesse contexto já havia nos alertado sobre a necessidade de resistir contra os portugueses”.

Refira-se que Inácio Nunes como combatente da luta de libertação nacional combateu nas frentes de Tete, precisamente em Chiguide, na ponte Dona Ana. “Portanto, enquanto a frente de Cabo Delgado começava a guerra em Chai, no dia 25 de Setembro de 1964, nós iniciámos os ataques a 25 de Dezembro”. 

II edição da revolta de Báruè

a sair revista e melhorada

Domingos do Rosário, actual secretário permanente do Ministério de Cultura e Turismo, no entanto, tem já pronta a segunda edição da história sociopolítica da insurreição dos makombes, 1917, que se refere com algum detalhe à revolta de Báruè.

Com 170 páginas, a segunda edição, foi feita em colaboração com Alberto Folowara e Killian Dzinduwa, que pretende corroborar com os factos constantes de todos os depoimentos que falam do carácter insubmisso daquele povo.

Aliás, já em 1902, há um trecho citado por Domingos do Rosário, segundo o qual “o Governo português mandou este ano proceder a delimitação da fronteira de Manica e Báruè (…) e que este último continuou insubmisso, tendo com Chipitura se tentado renovar as negociações por intermédio do representante da Companhia de Báruè, mas não houve resultado algum”.

A afirmação acima foi retirada de escritos de Costa Eduardo, que versava sobre o território de Manica e Sofala e a administração da Companhia de Moçambique. Acrescenta  que considerava inclusive aquele território como país.

A situação de Báruè não melhorou e, como oferecia perigos e se sabia, os régulos daquele país mantinham com estrangeiros relações (…) que não queriam com os portugueses”.

Por outro lado, igualmente vem patente, segundo T. Botelho, História Militar e dos portugueses em Moçambique, de 1833 aos nossos dias, 1934, que “ o povo de Báruè é uma tribo indígena independente e nunca pagou tributo algum a brancos. Antigamente foi atacada por forças de Ngungunhane, mas estas foram sempre repelidas com grandes perdas”.

O “notícias” da Beira, 1962, por sua vez afirmava que “A África é hostil. Resiste teimosamente à penetração do colono. Superabundam os elementos da resistência e esses elementos apresentam-se sob as formas variadas”.

Texto de Domingos Nhaúle
domingos.nhaule@snoticicas.co.mz
 

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