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“Estou disponível para ajudar a Guiné-Bissau”

Por admin

Domingos Simões Pereira, 50 anos de idade, é o novo presidente do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e será candidato a primeiro-ministro nas eleições previstas para Abril, as primeiras após o golpe de Estado de 2012.

 Agendadas para Abril, deverão pôr fim a quase dois anos de interregno provocado pelo golpe que derrubou o Governo do PAIGC na altura liderado por Carlos Gomes Júnior, actualmente exilado em Cabo Verde.

Pouco depois da sua eleição, Domingos Simões Pereira disse que “a vitória representa o início de um grande desafio”. O novo líder guineense sucede, assim, a Carlos Gomes Júnior, primeiro-ministro deposto no golpe de Estado de Abril de 2012 e de quem recebeu apoio declarado na candidatura à liderança do partido.

Em exílio forçado em Cabo Verde desde o golpe de Estado de 12 de Abril de 2012, Carlos Gomes Júnior, antigo líder do PAIGC, disse que “Domingos Simões Pereira (eleito líder do partido a 9 de Fevereiro) é a pessoa certa para unir a família partidária e para a estabilidade da Guiné-Bissau”.

A nova direcção terá de tomar posição sobre o candidato às eleições para a Presidência da República. Carlos Gomes Júnior, antigo Primeiro-Ministro (vencedor da primeira volta das presidenciais em 2012 e favorito à eleição na segunda, que não chegou a realizar-se devido ao golpe) anunciou há meses o desejo de voltar a candidatar-se.

domingopublica, nas linhas que se seguem, as ideias do novo líder do PAIGC, reproduzidas na sua edição de 5 de Agosto de 2012. Trata-se de ideias actuais e que retratam o clima político que prevalece na Guiné-Bissau.

Nessa entrevista Domingos Simões Pereira manifestava profunda tristeza relativamente à situação político-militar que o seu país atravessava e prometia que podia dar uma mão no que fosse necessário.

Negava, curiosamente, atribuir culpa aos militares pelo que estava (e está)  a acontecer na Guiné-Bissau e esclarecia que os mesmos deviam ser entendidos como fazendo parte de uma sociedade que devia mudar.

Está de saída do Secretariado Executivo. Que balanço faz dos quatro anos à frente da CPLP?

Domingos Simões Pereira- A CPLP é um projecto viável. O balanço destes quatro anos, na minha óptica, é francamente positivo, porque promovemos a organização junto da sociedade civil a ponto de instituições exteriores estarem hoje abraçados à sua causa…

Falando particularmente do caso da Guiné-Bissau, parece que alguma coisa faltou na aceitação da organização no circuito diplomático internacional …

Tudo é um processo. Cada vez que firmamos algo, logo a seguir temos outros desafios, mas não duvido que ao nível da Nações Unidas e organizações regionais temos uma inserção bastante positiva.

Isso dá-nos indicação de que estamos no bom caminho, mas não podemos acomodar-nos…

O Ministro das Relações Exteriores de Angola, Geoges Chikoti, disse que a maior frustração da Presidência Angolana na CPLP foi mesmo o fracasso diplomático no caso da Guiné-Bissau…

A expressão do sentimento angolano é legítima, pois a perspectiva dos países foi sempre de ajudar a Guiné-Bissau no restabelecimento da ordem constitucional.

Hoje, volvidos estes anos todos, a situação prevalece. Portanto é natural que haja sentimento de frustração…

O que terá faltado na solução diplomática dos problemas da Guiné-Bissau?

Em primeiro lugar é preciso reconhecer que a situação não é fácil, pois as roturas internas são profundas, daí que se recomenda paciência. Estou convicto que a CPLP e CEDEAO vão continuar a envidar esforços para restabelecer a ordem constitucional na Guiné-Bissau.

Infelizmente a avaliação que é feita dos mecanismos para reposição da ordem constitucional não é partilhada. A CEDEAO entende que o formato mais pragmático da reposição da ordem constitucional passa pelo reconhecimento dos golpistas, enquanto a CPLP entende que há princípios que devem ser respeitados…

Triste com

a situação prevalecente no seu país

Como olha para a situação do seu país?

De uma forma muito triste, devido à realidade política que lá se vive, mas não deixo de ter esperança que a situação venha a mudar.

Como analisa, em pormenor, a situação sociopolítica da Guiné Bissau?

Sou estudante de Ciência Política precisamente para poder compreender a situação.

Ainda não conseguiu compreender?

Como sabe, a questão da compreensão humana é subjectiva, mas ainda estou nesse processo. Hoje entendo que a proliferação de identidades na Guiné-bissau representa um obstáculo para um país dez vezes menor que Moçambique, com mais de 30 etnias das quais 20 com língua e identidade própria e que querem delimitar o seu espaço. Ademais o índice de analfabetismo está na ordem dos 60 por cento e há elevados níveis de pobreza…

Como natural de Farim, onde abundam várias etnias, religiões, pode ajudar o processo de pacificação da Guiné-Bissau?

Não sei, mas o importante que consigamos nos entender. O problema é que a nível da cúpula do exercício político ainda há muitas fragilidades na aceitação das diferenças…

Tem ligação político- partidária?

Sim, mas ainda sou Secretário Executivo (A entrevista foi antes de cessar funções). Não posso falar disso, porém o meu partido é bastante conhecido na Guiné-Bissau.

Aventa a possibilidade de candidatar-se à Presidente da Republica?

Eu sempre estive à disposição do meu país. Quando não estou em função ou missão no estrangeiro, sempre estive na Guiné-Bissau. É o que pretendo fazer mais uma vez, e o meu povo saberá utilizar aquilo que entender serem as minhas potencialidades.

Que capacidade tem a CPLP de dirimir conflitos internos?

Nós alinhamos com os dispositivos das Nações Unidas.

As estruturas de transição que estão na Guiné Bissau dizem que a CPLP constitui principal entrave …?

Recomendamos ponderação por parte de todos, incluindo dessas autoridades, pois a visão de um país não se faz por vontade de uma administração, mas sim pela vontade do povo e de um conjunto alargado de organizações nacionais.

A dificuldade da CPLP em reconhecer as autoridades de facto prende-se com dois factores: princípios aprovados pelos membros da organização, incluindo a Guiné-bissau de não reconhecer Governos que ascendem ao poder por via da força. Segundo reconhecemos ao povo a única instância para escolher seus legítimos representantes.

Como eles não passaram pelo processo democrático de escolha, a CPLP tem dificuldade de reconhecê-los.

O que pretende fazer depois de cessar a função de Secretário Executivo da CPLP ?

Como todo humano, sonho e ambiciono viver num país em paz, tranquilidade, onde possa ver os meus filhos crescerem, e se possível, possa conhecer os meus netos.

Tem projectos em carteira?

Neste momento não.

A leitura que é comummente feita é de o problema da Guiné são os militares. Que comentário faz?

Os militares são cidadãos guineenses. Se eles têm um comportamento que nós reprovamos é porque sociologicamente não encontramos soluções para uma camada social que por acaso chamamos de militares. Eles estão inseridos na sociedade que os produziu e idolatrou.

Caso identifique-se os militares como problema deve-se encontrar soluções sociologicamente inclusivas.

Ou a sociedade guineense é que deve mudar?

Bom. Depende do ponto de vista em que definimos a mudança. Mas não podemos substituir o povo…

Mas tem havido muito arrogância dos militares…

Se tivesse certeza desses qualificativos, não teria nenhum problema em aceitar. Hoje estou numa fase de incluir os militares no conjunto de questões que devem ser analisadas para encontrarmos a solução.

Repare que os mesmos militares que são apresentados como a verdadeira razão dos conflitos e instabilidade, são os que nós aplaudíamos em 1974 como orgulho do país.

Talvez o problema é que ninguém se lembrou nessa altura de chamar atenção para o facto de eles serem analfabetos, pobres e terem nas Forças Armadas aquilo que vocês têm no jornalismo como arma de sobrevivência…

BI de Domingos Simões Pereira   

Domingos Simões Pereira é Secretário Executivo da CPLP desde a VII Conferência de Chefes de Estado e de Governo, realizada em Lisboa a 25 de Julho de 2008.

Nascido em Farim, na Guiné-Bissau, em 1963, é filho de uma família humilde. Fez os estudos primários na missão católica de Kecheu e secundários em Bissau.  

É Engenheiro Civil e Industrial pelo Instituto de Engenharia de Odessa (ex-URSS (Ucrânia), passando para grau de mestre em Ciências da Engenharia Civil pela Universidade Estatal de Califórnia nos EUA. Actualmente está a fazer o doutoramento em Ciência Política na Universidade Católica em Lisboa.

De Dezembro de 2006 até à data da última nomeação foi Conselheiro do Primeiro-ministro da Guiné-Bissau para infra-estruturas por conta do Banco Mundial.

Foi Secretário-geral da Caritas Guiné-Bissau de Setembro de 2006 a Setembro de 2008.

Já assumiu pastas no Governo, tendo sido Ministro das Obras Públicas, Construções e Urbanismo de Maio de 2004 a Novembro de 2005; Ministro do Equipamento Social entre 2002 e 2003.

Foi Assistente Técnico para a Reforma das Infra-Estruturas no Projecto de Reforma e Desenvolvimento do Sector Privado (Banco Mundial), de 2000 a 2004 e Assistente Técnico para a Célula de Apoio ao Ordenador Nacional do Fundo Europeu de Desenvolvimento (União Europeia), de 1999 a 2000.

Entre 1988 e 1999, assumiu diversos cargos, entre os quais: Director Nacional da Viação e Transportes Terrestres; Director-Geral das Estradas e Pontes; Chefe de Gabinete do Ministro das Obras Públicas e Director do Laboratório de Engenharia Civil; Estágiario no Gabinete de Projectos de Engenharia no Departamento dos Transportes da California (CALTRANS, Fresno); Director Técnico da Cooperativa Unidade e Progresso, em Bissau.

 

Bento Venâncio

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