Editorial

As cheias e os apoios

A chuva tem estado a cair a cântaros um pouco por todo o país e nos vizinhos, engordando os nossos rios que volta e meia atingem níveis de alerta máximo. Além das situações reportadas anteriormente em Sofala, Manica e Zambézia, esta semana, as atenções estiveram viradas para Maputo. Cidade e Província.

 Aqui foi relatado que subiu para noventa e nove o número de famílias afectadas pelas chuvas intensas que se fazem sentir no Sul do país e que estas pessoas foram abrigadas em diferentes centros de acolhimento transitório e sob assistência do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC).

Dos afectados, 36 famílias estão na Manhiça, albergadas num centro de acolhimento em Xinavane; e 33 estão acomodadas em Ndlavela, na Matola. Na cidade de Maputo, o INGC abrigou 30 famílias em centros de acolhimento nos distritos de Kamavota e Kamubucuane. Estas famílias estão a receber kits de produtos alimentares, higiene e saneamento.

Isto ocorre numa altura em que, segundo as autoridades, o cenário hidrológico na região Sul revela-se ainda preocupante. Pois até hoje, domingo, a bacia de Limpopo, em Combomune e Chókwè, continua acima do alerta com tendência de subir devido às contribuições a montante, podendo a estação de Xai-Xai atingir níveis de alerta.

Nas bacias hidrográficas dos rios Maputo, em Madubula, e Incomáti, em Ressano Garcia e Magude, prevê-se até hoje níveis oscilatórios com tendência a baixar, mas mantendo-se acima do alerta, sobretudo, no rio Maputo.

Isto quer dizer que as cheias aí estão outra vez com a sua onda de catástrofes, incluindo a morte, desalojamento de famílias e destruição de infra-estruturas e culturas agrícolas.

Nisto tudo, como acima se referiu, as instâncias governamentais agiram com prontidão e não se ficaram à espera do facto consumado. Merecem, em termos gerais, uma palavra de apreço.

Porém, os moçambicanos não parecem estar a agir conforme as circunstâncias. Estão a dar provas de um alheamento confrangedor, como se a aflição, dor, luto e carências aflitivas dos nossos compatriotas, nada tivessem a ver connosco, que vivemos, confortável e distraidamente, ao ritmo dos fins de semanas bem curtidos, sobretudo nos centros urbanos.

Entendemos nós que o país está doente, que cada vez mais se encerra no individualismo confrangedor que não ultrapassa as portas de casa ou de meia dúzia de amigos e, em que a palavra amigo passou a significar contemporâneo e habitante do pequeno espaço em que nos movimentamos fisicamente.

O país deve-se habituar a cultivar a solidariedade e apoiar sempre os desafortunados, habitando em unidade, como irmãos, que se moldam como se fossem um. Nós não estamos a ser assim. Cada qual se preocupa apenas consigo ou com os seus mais próximos, alheando-se completamente dos outros.

Ainda não vimos, por aí, Moçambique empenhado em pujantes campanhas de solidariedade com os nossos compatriotas, vítimas das cheias e inundações. Nos lamentamos friamente em frente das Televisões que vomitam imagens de sofrimento provocadas pelas inundações. Mas acções para ajudar, obras para aliviar esse sofrimento, nicles. Talvez estejamos à espera das ONGs, ou talvez nem pensemos nisso, ou então, esperamos unicamente pela acção das autoridades.

Entre nós, moçambicanos, predomina ainda uma outra forma que não chega a ser relação e que, por isso, é muito mais grave: o estar-se nas tintas para os outros. Estas cheias são também um termómetro do estado de espírito do nosso “eu-nacional”, profundamente doente. Elas trazem à tona a constatação segundo a qual enfermamos de uma dose enorme de individualismo socialmente irresponsável.

Remédio para a profundidade deste mal, para esta doença “assolidária”?

Sendo a solidariedade um processo de libertação social, de auto-conheciemnto colectivo, não é qualidade que se tem ou que não se tem, mas que se aprende, que se exercita, que se treina todos os dias e em todas as circunstâncias, a começar na família, na educação pré-escolar, na educação escolar, nas universidades, nas empresas, nos locais de trabalho, nas ruas, nos bares e nos espectáculos.

A solidariedade é a seiva do “eu-nacional”. Deve ser como o ar que se respira, ela própria é respiração. Exige treino constante de sociabilidade, traduzido na preocupação pelo outro.

Não podemos ficar alheios a situações em que vemos famílias a morrer de fome, porque perderam as colheitas nas machambas ou porque a comida foi com a enxurrada. Ou crianças que não vão à escola, porque ficaram sem material escolar e sem roupa, tudo levado pelas águas.

Nos bairros periféricos das cidades de Maputo e Matola, as ruas ficaram cheias de água, esburacadas e, em algumas zonas, até dificilmente se circula para entrar nas casas. É ingenuidade crua pensar que dum momento para o outro as autoridades municipais vão dar conta disso. Os munícipes têm que se unir, para com a sua própria força, com o seu próprio esforço, repor o devastado e o destruído, para o seu próprio bem. Vimos esses exemplos, quando das cheias de 2000.

O que se verifica até agora é que os munícipes tem conjugado o provérbio “cada um por si e Deus por todos” e cada um dispersa o seu esforço em acções individuais de pequena monta, como colocar pequenos entulhos, ou sacos de areia nas vias, que facilmente desaparecem na enxurrada seguinte.

O nosso apelo é de que devemos conjugar mais o provérbio, “a união faz a força” e partirmos para a acção.

 

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