Opinião

“PEDIMOS PAZ”

Esta frase (acima) é o tema de uma música da autoria do Xico da Conceição. O Xico da Conceição compôs e cantou tal música, suplicando aos políticos moçambicanos para que tudo fizessem para terminar o conflito armado dos 16 anos (1976 – 1992).

 Um conflito armado que foi infligido ao país (Moçambique) com a capa de guerra civil.

Hoje, volvidos 23 anos depois do fim desse conflito – erradamente apelidado "guerra civil" – , está mais do que claro que aquela guerra não era guerra civil. "Guerra civil" chama-se o conflito armado entre duas forças políticas que coexistem no mesmo território e defendem ideais políticos díspares e não conciliados sobre a organização política e económica do Estado. Isto é, a guerra civil visa o alcance de um fim político bem definido por cada um dos beligerantes. Não foi o caso da «guerra dos 16 anos», vivida em Moçambique entre 1976 e 1992. Aquela guerra era terrorismo orquestrado a partir de fora para inviabilizar a criação e consolidação de um Estado que fosse hostil à dominação de uma maioria (na sua terra de origem) por uma minoria (de outra origem).

Pode perguntar-se: quem estava interessado na desestabilização de Moçambique?

Aqui perto, na África Austral, quem estava interessado na destabilização de Moçambique eram os regimes minoritários brancos da Rodésia, de Ian Smith, e da África do Sul, do Apartheid. O regime de Ian Smith foi quem criou, treinou e equipou a «força especial» então chamada, "Mozambican National Resistance (MNR)", hoje Renamo, a qual serviu como o braço externo armado da "Central Intelligence Organisation (CIO) of Rhodesia". A missão do MNR (hoje Renamo) era dupla, a saber: (i) inviabilizar a instalação e consolidação de um Estado socialista perto das suas fronteiras e (ii) perseguir os guerrilheiros da "Zimbabwe African National Liberation Army (ZANLA)", então braço armado da "Zimbabwe African National Union (ZANU)", que lutava pelo fim do regime de Ian Smith na então Rodésia (hoje Zimbabwe).

Militavam na MNR (hoje Renamo) moçambicanos que, tendo estado ao serviço das Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM), haviam sido condenados a cumprir penas em campos de reeducação, por "crimes" ou por indisciplina. Verdade seja dita, houve alguns casos em que compatriotas foram parar nesses campos por excesso de zelo de alguns membros da autoridade do Estado. Mas, grosso modo, quem parava nos campos de reeducação era mesmo delinquente. O regime de Ian Smith viu nesses campos um terreno fértil em "matéria-prima" que precisava para formar o MNR. Assim, organizou-se começou a atacar militarmente os campos de reeducação para raptar reclusos. Portanto, caros compatriotas (moçambicanos), a Renamo não tem génese política nacionalista de espécie alguma. É simplesmente uma organização terrorista, constituída por delinquentes, cujos planos de criação e missão foram urdidos a partir de fora, por gente não moçambicana, e, por conseguinte, sem ideal político pró-Moçambique independente e soberano.

Uma das primeiras vítimas dos raptos perpetrados pela CIO rodesiana foi André Matsangaissa, que foi raptado num campo de reeducação em Gorongosa. André Matsangaíssa encontrava-se naquele campo a cumprir um a pena a que fora condenado pelo Tribunal Militar Revolucuinário, por ter sido protagonista de um roubo registado numa unidade das FPLM a que ele pertencia, em Dondo. Portanto, André Matsangaíssa foi um delinquente. Já na Rodésia, ele (André Matsangaissa) aceitou uma "proposta" lhe foi feita por Ian Smith para liderar o MNR (hoje Renamo), como "o preço" que tinha que pagar pela sua "libertação" por um esquadrão da CIO. Com o "recrutamento" de André Matsangaíssa para líder do MNR, o Ian Smith pretendia dar a este movimento mercenário um cunho nacionalista moçambicano, do tipo um "movimento anticomunista moçambicano". Esta é a verdade nua, crua e incontornável sobre a génese da Renamo. Atestam esta verdade várias provas documentais que podem ser encontradas nos arquivos de várias agências de inteligência, algumas das quais (agências de inteligência) já extintas, com certos arquivos tendo sido desclassificados na sequência da extinção dessas agências ou em razão de mudanças de regimes políticos.

O terminus das guerras contra os regimes de segregação racial na Rodésia e na África do Sul criou espaço para o aproveitamento da Renamo por forças anti-Moçambique para outros fins. De facto, hoje a Renamo é usada como um instrumento de pressão para fragilizar Moçambique nas negociações dos contratos para a exploração dos recursos naturais de que este país dispõe. Ou seja, hoje a Renamo é um instrumento de pressão económica. É assim que se explica que a Renamo apareça hoje, na mesa do diálogo com o Governo, a exigir a satisfação de um conjunto de condições totalmente absurdas e incoerentes. Veja-se, por exemplo, que a Renamo quer a «despartidarização» da função pública, por um lado, mas, por outro lado, a mesma Renamo exige «paridade» nas chefias dos comandos dos diferentes ramos das Forças de Defesa e Segurança (FDS) e na gestão de empreendimentos económicos com a participação do Estado. Claramente, isto é partidarizar o Estado. Ora, o se quer? «Despartidarizar» o Estado ou não?

E há muitos mais equívocos e incoerências nas exigências da Renamo. Por exemplo, há no seio desta organização (Renamo) a ideia de que «inclusão» significa partilha dos recursos do Estado moçambicano entre ela e a Frelimo—o partido no poder. Ou seja, a Renamo entende que diálogo ora em curso no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano (CICJC) é entre ela a Frelimo, não entre ela e o Governo. Grande equívoco este da Renamo! Moçambique não pertence somente aos que estão a «dialogar» no CICJC. Moçambique é de todos os moçambicanos, filiados ou não num partido político. A Frelimo só foi chamada pelo povo a formar o Governo para gerir o Estado moçambicano, na sequência dos resultados das eleições de 15 de Outubro de 2014. É com este Governo, formado por quem tem o mandato do povo para fazer isso, que a Renamo está a dialogar; não com a Frelimo.

Compatriotas, o Governo de Moçambique já fez muitas cedências às exigências da Renamo. Algumas dessas cedências feitas pelo Governo, em nome da «paz», foram até perniciosas, contanto que comprometeram a segurança, integridade e a soberania do nosso Estado. Este tempo já não é mais de cedências. O Governo tem que encarar a Renamo como ela é: uma organização terrorista. O terrorismo tem que ser combatido sem tréguas, ou ele inviabiliza o Estado. O Governo tem que usar da sua autoridade, como previsto na lei, e organizar o povo para um combate aberto e directo contra a Renamo. Não queremos, em Moçambique, um Estado sem autoridade. Mas a Renamo quer exactamente isso: um Estado sem autoridade. De uma vez por todas, tem que ficar claro para todos nós, povo moçambicano, que a Renamo não tem projecto político para Moçambique e tampouco quer o bem para este país. As exigências intermináveis que ela (Renamo) vai fazendo na mesa do «diálogo» com o Governo no CICJC visam só uma coisa: infiltrar nas instituições do Estado agentes ao serviço dos interesses de carteis económicos internacionais pouco escrupulosos. Andar a dar mais trela à Renamo agora já se revela muito perigoso para a viabilidade do Estado moçambicano. Com efeito, note-se que o recente «Acordo de Secessão de Hostilidades Militares» só serviu para dar mais tempo à Renamo para se reorganizar militarmente. As fragilidades do Estado moçambicano estão sendo exploradas de várias maneiras para infiltração de armamento e outro equipamento militar para a Renamo, ao mesmo tempo que esta organização (Renamo) recruta e treina mais homens nas regiões onde as suas forças estão acantonadas, aproveitando-se da letra e do espírito do dito «Acordo de Secessão de Hostilidades Militares».

Enfim, tenho em mim que, aquele acordo de 5 de Setembro de 2014 foi um erro, contanto que só serviu para dar mais espaço e tempo de manobras para a Renamo se reorganizar militarmente. O nosso amor pela paz, o nosso pavor da guerra, os nossos apelos para que o Governo insista no diálogo com a Renamo – uma organização que nada tem a ver com a paz, a avaliar pelo discurso da sua liderança, tudo isto que consideramos «bom senso» só está a permitir uma coisa: que a Renamo se arme até aos dentes. O armamento, equipamento e demais meios de logística militar para a Renamo estão sendo introduzidos no país, camuflados com «equipamentos» importados por «projectos de investimento». Quem faz isso são alguns «investidores» pouco escrupulosos, para quem um negócio só pode correr bem num ambiente de guerra, quando um Governo fica enfraquecido. Com o investimento que estão fazendo agora, ajudando a Renamo a se fortificar militarmente, esses «investidores» pretendem assegurar que em caso de eclosão de uma guerra, os seus interesses não serão afectados. Eles (esses investidores) estão a preparar o escudo de defesa dos seus interesses, ao mesmo tempo que astuciosamente instigam uma guerra entre nós, o objectivo da qual é permitir que sejam só eles a ganhar com a exploração das riquezas de Moçambique. Deixar que isto continue como está indo é muito perigoso para a independência e viabilidade do Estado moçambicano. O Governo tem que agir depressa e sem mais contemplações, fazendo o seguinte:

(i) desmascarar e isolar os «novos mentores» da Renamo, aqui dentro e lá fora;

(ii) suspender o diálogo com a Renamo e remeter as matérias em discussão para a Assembleia da República; e

(iii) caso a Renamo teime em não desarmar, suspender todos os contratos de exploração dos recursos naturais em curso em Moçambique e preparar o país para a guerra, para desarmar quem estiver ilegalmente armado e instaurar o clima de confiança na autoridade do Estado.

Agindo desta forma (como se sugere nos três pontos acima), o Governo poderia fazer quem convenceu Afonso Dhlakama e sua Renamo que são mais fortes que o Estado a pensar outra vez. Agora já não mais é tempo de «pedir paz» nos moldes cantados pelo divo Xico da Conceição. Os tempos são outros (…)!

Julião Cumbane

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