Os médicos que têm estado em greve, estão, a meu ver, a cometer o seu pior erro, porque estão a condenar à morte aqueles que, indirectamente, custearam a sua formação através dos seus
impostos: que é o POVO, povo esse que é quem de facto precisa deles para os curar das suas doenças.
Para que esses médicos grevistas entendam muito bem que estão a penalizar esse POVO que não tem outra alternativa que não sejam eles que trabalham nos hospitais públicos, que é o mesmo que dizer hospitais do mesmo povo, porque foram construídos pelos seus impostos com que também se pagam os seus salários, é imperioso que os diga, na definição do Dicionário Verbo, o que é o povo, que agora se recusam a tratá-lo: povo é o conjunto formado pela maioria dos membros duma sociedade, por oposição às classes economicamente mais abastadas, mais cultas e mais influentes nos órgãos do poder político.
Assim visto, creio que esta greve, por mais legítima que seja, peca por penalizar as mesmas pessoas que deviam ser tratadas com mais carinho porque foi dos seus impostos que quase todos os que são médicos hoje se formaram, e nunca, por qualquer das razões, os deviam deixar morrer como está a acontecer há mais de uma semana à escala nacional.
Ora, deixar este povo, é não só retribuir em chumbo o que os médicos receberam em ouro, como montar para um crime contra inocentes e, pior que isso, contra quem os fez ser o que são exactamente hoje: médicos.
De facto, tanto quanto eu sei, quase todos os médicos se formaram em universidades moçambicanas que foram construídas com impostos do povo, e que são mantidas em funcionamento com base nesses impostos, incluindo os salários, magros ou não, que lhes são pagos a eles, a todos os profissionais da saúde e até a grande parte dos funcionários do Estado.
Pessoalmente, estou consciente de que a maioria dos nossos médicos ganham salários muito baixos, tal como são muito baixos os auferidos pela maioria dos outros funcionários deste País ainda em formatação, incluindo eu próprio. Mas sou da opinião de que o culpado pela magreza dos nossos salários, se é que mesmo existe algum culpado, não é ninguém do povo tal como o define o Verbo.
Assim dito, não faz sentido nenhum que se penalize, logo pela pena de morte, quem não só é inocente, como quem financiou os estudos dos médicos.
Uma das questões que penso que devem tomar em consideração, é que não vejo como é que o governo não os iria pagar mais, se tivesse de facto dinheiro para isso. É que tanto quanto eu sei, o Ministério da Saúde é um dos poucos que teve sempre a sorte de ter ministros que eram ou são médicos, como o é o caso do actual Ministro Alexandre Manguele. Faço referência a este facto, porque não estou a ver um médico que depois de chegar a Ministro, não seja capaz de, como membro do Governo, influenciar para que a sua classe seja bem paga. Neste País até tivemos um médico primeiro-ministro, que foi o Dr. Pascoal Mocumbi, e agora temos o Dr. Alberto Vaquina. Será que se houvesse mesmo fundos para se aumentar os salários não o fariam?
Posso admitir que tenha havido alguns médicos que movidos pela ‘gula’, tenham dito que bem, agora o meu problema de salário se resolveu, e daí não quererem ajudar os seus colegas a ganharem bem também. Mas não posso admitir que todos os ministros que o Ministério teve, desde a independência, em 1975, tenham optado por não influenciar, para que a sua classe fosse das mais bem pagas. Se não o fizeram, só pode ser porque depois de integrarem o governo, viram eles próprios que o nosso Tesouro ainda não está em condições de pagar mais, pelo menos a todos nós funcionários.
Creio que seria bom que cada um e todos os médicos que agora se recusam a ir tratar os doentes, se perguntem mais do que uma vez o seguinte: O que terá feito com que todos os seus colegas que foram sendo nomeados ministros, nunca se preocuparam mais em propor ao governo, de que já eram parte intrínseca, uma grelha salarial melhor. Será que todos se esqueceram depois de que como classe, ganham mal? E veja que quando olho para todos esses médicos que já foram ministros, noto, com base no que sei deles como pessoas e até como amigos, que são pessoas tão humanas que, certamente, teriam feito algo para que os seus colegas ganhassem também mais. Creio que se o não fizeram, não foi por falta de vontade, mas apenas porque os impostos que pagamos ainda não são suficientes para que os que trabalham para o Estado tenham todos bons salários.
Uma das provas de que os impostos que o povo paga ainda não são suficientes, é o facto de haver ainda muitos países que ainda contribuem para reforçar o nosso Orçamento. Pelo menos 40% do nosso Orçamento é doado por alguns países. Isto mostra que esses países vêm matematicamente que Moçambique ainda não está em condições de ter por si só, um Orçamento à altura das suas necessidades. Se esses países continuam a dar-nos o seu dinheiro, certamente é porque há dados irrefutáveis que justificam esse apoio. De contrário, teriam parado há muito tempo.
Sei que há os que dizem que o nosso Orçamento não chega porque é roubado pelos corruptos. Ora, mesmo que isto seja verdade, e há de facto alguma verdade nisto, não vejo como é que se penaliza o povo por um crime que nunca o cometeu. Todos os países têm alguns membros do governo que são corruptos, mas não se pode matar o trigo por causa do joio que está no seu seio. Samora ensinou-nos sempre que devemos saber identificar bem o inimigo comum.
NÃO HÁ PROFISSÕES SUPREMAS
Um dos aspectos que a mim ressalta como sendo a principal motivação de muitos dos médicos que aderiram a esta greve, é a de assumirem que a sua profissão é mais do que todas as outras. Digo isto porque, no último aumento salarial geral que o Governo fez em Abril último, coube aos médicos a maior fatia, ou seja, 15%, mas mesmo assim, optaram pela greve. Isto só pode ser prova de que vêm a sua profissão como sendo a que é a mais de todas. Se é que é assim que pensam, estão redondamente enganados, porque a arte moderna de curar doenças, não é a fonte exclusiva e muito menos a sagrada da vida.
Quem de facto tem as nossas vidas em suas mãos, e que nos pode condenar à morte colectiva, incluindo os próprios médicos, são, por incrível que pareça, os camponeses ou produtores da comida, que infelizmente, são os menos favorecidos de entre todas as classes profissionais moçambicanas. Noutros países, como os do Mundo Ocidental, os governos gastam biliões de dólares para subsidiar os camponeses ou produtores da comida, para que não subam o seu preço, de modo a que todos possam ter o que comer e poder estar vivo. Sem comida, morremos. Isto basta dizer se um dia os produtores da comida entrarem em greve indeterminada como o estão a fazer esses médicos, todos nós morreremos de fome! Isto mostra que todas as profissões são vitais, e é por isso mesmo que se fez a divisão do trabalho, para que as nossas vidas sejam menos trágicas e mais completas possível.
Um dos exemplos que mostra que cada um de nós precisa dos outro, é a história do ovo e da galinha, em que aquele dizia que é mais importante que esta, porque é dele, ovo, que saem as pobres galinhas, mas que estas (galinhas), replicavam dizendo que sem elas, o próprio ovo não existiria, porque são elas que o põem ou o nascem. O facto é que sem ovo não há galinha, e sem galinha não há ovo. Assim dito, os médicos para estarem vivos, têm de comer, do mesmo modo que para o camponês não morrer das doenças, precisa dos médicos para o tratarem. E é por isso que digo que esta greve peca por matar aqueles que não só ajudaram esses médicos a serem médicos, como alguns deles os mantêm vivos também, como é o caso dos produtores da comida. Termino saudando a Ordem dos Médicos, por, finalmente, ter chamado à atenção aos grevistas, esta quinta-feira última, dizendo que devem garantir pelo menos a assistência mínima, e nunca condenarem os doentes à morte nos bancos de socorro ou nas enfermarias.
Gustavo Mavie