A crescente ocorrência de Acidentes Vascular Cerebral (AVC) está a registar impacto no sector de Medicina Física e Reabilitação do Hospital Central de Maputo (HCM), onde o número de doentes que recorrem ao departamento de reabilitação física contínua elevado. Facto preocupante é que esta doença está a afectar, nos últimos tempos, mais jovens do que idosos. Os especialistas apontam os hábitos alimentares e o sedentarismo como a principal causa.
Dados facultados pelo sector de Medicina Física Cerebral indicam que no primeiro trimestre do ano de 2013 deram entrada naquele sector 164 novos casos. No mesmo período, em 2012, foram diagnosticados 223 e em 2011 receberam 290 casos.
O Departamento de Medicina Física e Reabilitação do HCM é composto por diferentes sessões, nomeadamente o serviço de ortopedia, fisioterapia e acupuntura.
A ortopedia dedica-se à produção de próteses e ortóteses para pacientes.
A acupuntura é outra terapia de origem chinesa que funciona naquele departamento. Esta técnica consiste na aplicação de agulhas em diferentes pontos definidos do corpo para atingir efeito terapêutico no corpo.
A secção de fisioterapia é composta por dois ginásios, dos quais um, para crianças com doenças gerais e neurológicas e outro, para adultos. Para além dos ginásios, este subsector possui igualmente terapia ocupacional realizada pelos doentes na fase avançada de recuperação.
Com esta terapia, o doente reaprende a realizar as actividades normais do dia-a-dia, permitindo que o paciente maximize a sua independência nas actividades quotidianas, como por exemplo tomar banho, vestir, arrumar entre outras.
A hidroterapia (terapia com base na água)e electroterapia(terapia levada a cabo com base no uso de corrente eléctrica) constituem igualmente outras subsecções da fisioterapia lá existente.
O sector de Medicina Física e Reabilitação conta com uma equipa multidisciplinar composta por dois fisiatras, 23 técnicos fisioterapeutas, umlogopeda (técnico que exercita a terapia de fala) e um oligofoniatra (médico que avalia o impacto da doença que terá afectado a fala e voz).
De acordo com a Directora do Departamento, Teresa de Jesus Tiago, são encaminhados para ali doentes que sofreram patologias neurológicas, reumatológica, traumalógica, ortopédica, cirúrgica, respiratória, cardiovascular entre outras.
Entretanto, o trauma e AVC constituem as patologias frequentes no sector.
IMPACTO DA TROMBOSE
NA FISIOTERAPIA
De acordo com o Director Clínico do Hospital Central De Maputo (HCM), Domingos Diogo, o AVC é a segunda causa de entrada para tratamento no departamento de Reabilitação Física, sendo o trauma a primeira causa.
Diogo referiu ainda que o nível de mortalidade por esta doença está a tornar-se preocupante.
“Para além da cidade de Maputo registar em média 2.5 pessoas que sofrem de Acidente Cérebro-Vascular por dia, 50 por cento dos doentes que são internados nesta unidade sanitária perdem a vida. Algumas vezes por chegarem tarde ao hospital”, afirmou.
Segundo o Director clínico, esta doença mostra um comportamento diferente em relação aos anos passados. Dantes o AVC, era tida como a doença frequente em pessoas idosas, actualmente o cenário é contrário, ocorrendo mais na camada juvenil.
Este facto, segundo o Director clínico, está associado aos novos hábitos, sobretudo alimentares, e ao sedentarismo.
“Hoje não nos damos tempo de nos dedicarmos a nossa saúde. Porque se nós comêssemos em excesso e bebêssemos um pouco a mais e, em seguida, na segunda, quarta e sexta- feira, por exemplo, fôssemos correr e queimar algumas calorias isso ajudaria bastante e evitaria o aparecimento não só do AVC como de outras doenças”, explicou.
INSUFICIÊNCIA DE TÉCNICOS
COMPROMETE ACTIVIDADE
A Medicina Física e Reabilitação têm como principal objectivo estimular, melhorar e devolver a função (seja física ou psíquica) que o doente perdeu tentando, deste modo, maximizar a sua independência.
No momento o sector enfrenta o problema de insuficiência de quadros técnicos para responder à procura dos serviços o que acaba condicionando a realização de diferentes terapias. O departamento conta com apenas um médico logopeda e um oligofoniatra, ambos estrangeiros.
No que diz respeito a especialidade de fisiatria, o Sistema Nacional de Saúde conta com apenas dois médicos nacionais formados nesta área.
“Actualmente os doentes praticam a fisioterapia três vezes por semana por falta de recursos humanos, pois, o recomendável é que o doente faça fisioterapia todos os dias da semana”, alertou Teresa de Jesus Tiago.
Este facto, segundo a nossa entrevistada reflecte-se no tempo que o paciente leva para se recuperar. Um doente com desajuste neurológico, por exemplo, pode levar meses ou anos a recuperar, pois a luta é reintroduzir na sua memória tudo o que perdeu na parte afectada.
Pela razão acima mencionada, a recomendação dos médicos fisiatras para os familiares é que o paciente dê continuidade nas actividades terapêuticas também em casa.
CONTRIBUIÇÃO DAS FAMÍLIAS
NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO
A família desempenha um papel fundamental no processo de recuperação dos doentes. Entretanto, momentos há em que algumas, por algum motivo não são presentes. Dado o facto de alguns doentes se encontrarem depressivos devido à doença, Teresa Tiago revelou queo departamento também conta com um psicólogo que apoia os doentes.
Segundo a directora do departamento, as famílias cuja recuperação do seu parente é uma aposta familiar e um facto, o resultado tem se revelado positivo.
Jovens em luta contra o AVC
Domingo visitou o ginásio de adultos daquele Departamento. O ginásio conta hoje com uma roupagem diferente dos anos anteriores. Lá, a nossa equipa pôde testemunhar a existência de novos equipamentos. Entretanto, alguns equipamentos de eletroterapia recentemente adquiridos (com cerca de quatro meses de uso) encontram-se avariados.
A nossa equipa conversou com dois jovens adultos que sofreram de trombose e que se encontram em tratamento para recuperação das suas funções afectadas.
PERMANECI HORAS
SEM CONSEGUIR
LEVANTAR-ME DA CAMA
Vicente António Quive de 32 anos frequenta o ginásio da Medicina Física e Reabilitação do HCM há quase um ano. Aquando da nossa chegada, estava a fazer exercício físico de rotina.
Dado o tempo e a autonomia que conquistou com a sua progressiva recuperação, já não precisa de apoio dos fisioterapeutas para o exercício físico, é apenas supervisionado. Nos acomodamos num colchão do ginásio para conversar.
Conta que sofreu um AVC há quase um ano. Segundo partilhou, tudo começou numa manhã na sua residência onde vivia sozinho. Preparava-se para ir ao seu estágio profissional quando a dado momento sentiu fortes dores de cabeça. Não resistindo, optou por descansar escassos minutos até que estivesse em condições de sair de casa.
“Eram 8 horas da manhã quando decidi me deitar na cama para descansar um pouco. Porém quando despertei por volta das 10 horas, não conseguia levantar-me dali e sequer falar. Tentei bater na porta para despertar alguém da vizinhança do meu bairro, mas foi em vão”, recorda-se com alguma angústia.
Segundo Vicente o apoio veio horas depois quando uma vizinha idosa não vendo nenhum movimento na residência desde manhã, decidiu bater na porta que se encontrava entreaberta e chamar por ele. Depois de tanta insistência aquela decide entrar.
“Eu conseguia ouvi-la a chamar por mim, mas me sentia imóvel e sequer conseguia responder. Apenas às 15 horas quando ela entrou para dentro da casa é que fui socorrido e levado ao hospital pelos meus familiares quando chegaram”, revelou.
Após internamento de duas semanas na enfermaria de medicina, Vicente foi encaminhado aquele departamento para a sua recuperação física. No princípio, era totalmente dependente de familiares para se deslocar ao hospital. “No inicio me deslocava na carinha de rodas. Umas vezes ia a fisioterapia era acompanhado pela minha namorada e noutras, pelos meus familiares, neste caso a minha mãe”, conta com um sorriso no rosto. Diz que sem eles não teria forças para lutar contra aquela doença.
É estudante de comunicação. Quando aquele mal assombrou a sua vida estava a terminar o último trimestre do quarto ano de Jornalismo na Universidade Eduardo Mondlane. Mas afirma que logo que estiver em condições de saúde vai terminar o seu curso, e lutar pelos seus objectivos de vida. Hoje, devido a sua condição de saúde, voltou para a casa dos pais, mas já não depende de ninguém para ir ao tratamento no hospital.
Nunca havia medido a minha tensão arterial
O historial do AVC de Madalena Chongo de 36 anos é diferente da do Vicente.
Enquanto realizava o seu exercício, sob um colchão e com ajuda de uma fisioterapeuta, Madalena conversava com a nossa equipa. Teve trombose há seis meses e tudo iniciou com uma simples dor no braço e depois na perna. Dada a alguma dificuldade na fala, Madalena conversou connosco com o auxílio do seu esposo, quem a tem levado ao tratamento.
Revela que no princípio não deu importância as dores que sentia no braço. Porém, dias depois quando iniciou-lhe dores na perna decidiu ir, na companhia do seu esposo, ao hospital. “Na consulta mediram a minha tensão e disseram que as dores eram efeito da minha tensão arterial que se encontrava alta. Receitaram-me comprimidos e fui tomando”, conta.
Com o tempo as dores foram se agravando e duas semanas depois o ataque vascular cerebral aconteceu quando se encontrava na sua residência na cidade de Maputo.
Voltou ao hospital e já tinha perdido a fala. Não foi internada. Segundo o seu esposo, um mês depois, esta mulher sofreu uma obstipação que depois foi tratada. À semelhança de Vicente, após o ataque, Madalena era dependente de carrinha de rodas para se deslocar. Contudo, hoje estamulher já começa a ensaiar a sua independência tanto na fala como na locomoção.
No princípio não foi fácil ela adaptar-se a sua nova condição. “Inicialmente ela havia perdido totalmente a fala e para nos comunicarmos nem sempre era fácil porque, quando eu e os filhos não a percebêssemos, ela ficava nervosa e irritada, porém com tempo fomos nos adaptando e adotando códigos para nos entendermos”, lembra senhor Chongo.
Para além da fisioterapia, Madalena pratica terapia da fala e acupuntura.
Luísa Jorge