Economia

Diálogo com uma centena de pendentes

Texto de Jorge Rungo e Fotos de Jerónimo Muianga

O governo e o sector privado sentam à mesma mesa há cerca de 19 anos à busca de soluções para melhorar o ambiente de negócios, que é o fermento para o aumento do investimento, do emprego e da produção nacional.

Em todos estes anos, a Confederação das Associações Económicas (CTA) diz que apresentou 118 pontos que preocupam o empresariado nacional mas, até ao momento, apenas 19 foram atendidos.

Representantes do governo e do sector privado reúnem todos os anos e se pronunciam sobre a pertinência da manutenção do diálogo para a remoção dos constrangimentos que afectam o sector produtivo e, nesses encontros, parecem fazer parte do coro de “Wiener Singverein”, tido como um dos melhores do mundo. Falam em uníssono e com incrível unanimidade.

Ambos concordam que o diálogo deve prevalecer e que a remoção das bareiras administrativas é a solução para que o sector privado cresça e o país seja visto como destino preferencial de investimentos. A seguir soam aplausos, sorrisos, abraços e palmadas nas costas.

Entretanto, a partir de meados do ano passado, a CTA tem vindo à rua dizer que do discurso à prática vai uma distância assustadora, uma vez que nos últimos 19 anos os empresários apresentaram 118 questões que entendem que obstruem a realização de negócios no país e que o governo só acolheu positivamente a 19 daqueles pontos, deixando 99 pontos “em banho Maria”.

Entre as matérias que terão sido tratadas e que produziram consensos, a CTA destaca a reforma das Alfândegas e do Subsistema de Comércio Internacional em meados da década 90 e a aprovação da nova Lei do Trabalho e respectiva regulamentação.

A CTA também festeja o facto de o governo ter aceite concentrar as acções de vários órgãos com funções inspectivas para actuarem em simultâneo de modo a diminuir o tempo que as empresas despendem com o atendimento de inspectores, estabelecendo-se assim o princípio de Inspecção Única e a aprovação do projecto sobre Paragem Única nas Fronteiras.

Estes sucessos foram logrados com base num modelo de diálogo já está a necessitar de reformulação de modo a torná-lo mais dinâmico, uma vez que se caracteriza pela ausência de correspondência funcional entre a estrutura institucional da CTA e a do governo”, afirma Rogério Manuel, presidente da CTA nos encontros que tem mantido com os actuais membros do governo.

Rogério Manuel refere ainda que no actual modelo de conversações persistem  níveis de diálogo dispersos, irregulares, sem responsabilização individual e que só respondem a crises.

Diz ainda que a agenda de reformas é complexa, destituída de uma visão comum e não realista, em termos do horizonte temporal para a sua execução e que os processos e procedimentos são dispersos, morosos e não padronizados na abordagem dos diversos problemas identificados.

Em consequência desta realidade, as 118 reformas propostas pelo sector privado encontram-se estagnadas, repetindo-se, em cada ano, os problemas resultantes da sua não materialização”, queixou-se o presidente da CTA junto do ministro da Indústria e Comércio, Ernesto Tonela, durante a visita de cortesia que este efectuou recentemente às instalações da CTA.

LEVAR O DIÁLOGO À PORTA

DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Em jeito de repetição do que vem dizendo em todos os quadrantes por onde passa e o tema se mostra pertinente, Rogério Manuel disse que aquela agremiação defende a reforma do actual modelo de diálogo e propõe a criação de um órgão executivo, flexível, ágil, “magro”, não burocrático e especializado para lidar direito com os problemas de hoje e de amanhã.

Sem perda de tempo, a equipa que dirige a CTA avança que o tal órgão seja denominado de “Unidade Técnica para a Melhoria do Ambiente de Negócios” e sugere que o mesmo funcione junto ao Gabinete do Presidente da República para receber as propostas de reformas, analisá-las tecnicamente, convocar técnicos das áreas concernentes à reforma específica em discussão e propor a respectiva solução ao órgão decisor que, na sua opinião deve ser uma Comissão Interministerial das Áreas Económicas.

Cansada e reunir propostas que nunca mais saem do papel, a CTA adianta ainda que esta comissão seria dirigida pelo Primeiro-ministro, podendo ser integrado por outros ministros sempre que se mostrar necessário em função das matérias a serem discutidas. Acrescenta que as decisões seriam tomadas com base nas propostas da unidade técnica, que teria articulado com os sectores relevantes do governo e com a respectiva comissão proponente da CTA.

Como corolário do diálogo público-privado, realizar-se-ia, como actualmente, uma conferência anual do sector privado, dirigida pelo Presidente da República, na qual se faria o balanço das soluções alcançadas em cada ano e se encontraria a solução para os problemas pendentes”, aponta o presidente da CTA.

DIVERSIFIACAR FONTES DE CRESCIMENTO

Para além de resolver consrangimentos internos, as medidas que a CTA sugere visam correr atrás do prejuízo no que concerne ao posicionamento do país no famoso ranking do Banco Mundial, denominado  "Doing Business”, que avalia o ambiente de negócios de mais de 180 países.

Entende o empresariado nacional que a economia nacional tem estado a cescer à contendo, ao nível de sete por cento ao ano, impulsionada pelos sectores dos Transportes e Comunicações, Serviços Financeiros e Indústria Extractiva.

Sublinham que os fluxos de Investimento Directo Estrangeiro (IDE) também vão muito bem obrigado, as Reservas Internacionais Líquidas vão sorrindo e a inflação mantem-se controlada a um dígito apesar de todos os contratempos.

Porém, o que está a faltar é traduzir todos estes resultados macroeconómicos em algo palpável para a população que brada aos céus pela persistente pobreza, falta de emprego, entre outros, o que abre espaço para que se comece a pensar em integrar e diversificar muito mais a economia.

De facto, a indústria ligeira nacional que deveria ser dominada por empresas de pequeno a médio porte, é muito reduzida. Somos um país com muita madeira mas não conseguimos produzir palitos de dentes. Importamos ovos, frangos e tomate, só para dar alguns exemplos notórios”, afirma a CTA.

Por causa disso, esta colectividade empresarial abraça a posição do Banco Mundial que diz que é preciso reverter a tendência da desaceleração da redução da pobreza que contrasta com o crescimento económico robusto do país. Para a CTA este objectivo só pode ser alcançado com a diversificação das fontes de crescimento económico por via da participação do investimento nacional em pequenas e médias empresas industriais, agrícolas, de serviços, turismo e transportes.

Para não se ficarem pelo palacreado oco, os membros da CTA apontam que é preciso aproveitar o potencial de matérias-primas que o país oferece, com destaque para a agricultura e para o desenvolvimento duma indústria de agro-processamento.

Sobre o papel da indústria extractiva entendem que estes grandes projectos deverão servir de base para a ampliação e diversificação da base industrial nacional, geradora de rendimento e emprego, para o fornecimento de bens e serviços a estes projectos bem como o processamento de produtos provenientes daquelas grandes indústrias.

No que se refere ao desenvolvimento do Turismo a CTA diz que o Estado deve proteger o empresariado nacional, que se pode emparceirar com o IDE usando a terra como capital, sem necessariamente demitir o Estado moçambicano como dono da mesma.

Em relação ao transporte público urbano, periurbano, e interprovincial, a CTA defende que este deve ser normalizado pois, o que se assiste até ao momento é um ambiente de concorrência desleal, demasiada informalidade, poucas regras de actuação e um desincentivo ao recurso do crédito para investimento devido às taxas de juros proibitivas e a ausência de fundos de garantia.

O sector privado pode oferecer um transporte público de qualidade caso o ambiente regulatório para tal esteja criado. A solução está na reintrodução das concessões de rota para as quais seria concedido o direito de explorar às empresas que oferecessem menor tarifa e maior oferta de autocarros para cada rota específica”, sugere a CTA.

MAIS SUGESTÕES

Entre as reformas sugeridas pela CTA e que ficaram a ganhar poeira e teias de aranha nos últimos 19 anos, consta a aflição relacionada com o acesso ao crédito. Na verdade trata-se de um problema cabeludo e que mais ecoou nos encontros entre o sector privado e representantes do governo.

Para os empresários nacionais, as 17 empresas de seguro que operam no país, para além dos seguros tradicionais, deviam ser incentivadas a oferecer garantias de crédito e pensar-se em investimentos de maior vulto em sectores que exigem capital expressivo, como o do transporte de passageiros com autocarros de maior porte e comodidade, conferindo maior dignidade aos cidadãos e apoiando o turismo.

No concernente à agricultura, o sector privado considera que seria valioso o abrandamento dos cusos de bens intermédios como tubos de rega e implementos agrícolas cujo custo actual não permite aos moçambicanos investir no sector, remetendo-se à actividades de subsistência.

De forma conexa, sugerem uma revisão da Pauta Aduaneira para libertar de imposições os equipamentos, implementos e instrumentos usados na agricultura, com vista a potenciar uma agricultura mais comercial e, por isso, mais geradora de rendimentos nas zonas rurais.

No que se refere ao combate à corrupção a CTA diz que este exige um combate frontal e sem quartel, “por isso, somos de opinião que se deve, de forma clara e inequívoca, adoptarem-se políticas, procedimentos, processos e práticas de combate a corrupção aos diversos níveis, indagando o enriquecimento ilícito, e adoptando medidas desencorajadoras que incluem a tributação dos sinais exteriores de riqueza”.

Sobre a aualidade dos gestores públicos, os agentes económicos entendem que a certos níveis devem ser colocadas pessoas de confiança, mas essa confiança não pode ser substituta da competência.

Vamos imprimir
uma nova dinâmica

– Ernesto Tonela, Ministro da Indústria e Comércio

O ministro da Indústria e Comércio, Ernesto Tonela, garantiu total abertura e interesse em trabalhar de uma forma fluída, com a Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), para encontrar soluções, visando a concretização dos objectivos do Governo, na perspectiva de desenvolver a indústria, com vista a agregar valor aos produtos nacionais.

Ernesto Tonela fez este pronunciamento, quarta-feira última, 25 de Fevereiro, em Maputo, momentos após efectuar uma visita de cortesia àquela agremiação do sector privado, onde se inteirou do ponto de situação do diálogo públicoprivado, da proposta do novo modelo de diálogo público-privado, da morosidade na resposta às preocupações colocadas pelo sector privado, dentre vários outros aspectos.

“O diálogo com o sector privado, com vista à criação de um melhor ambiente de negócios, constitui um dos pilares de suporte do Governo, daí que tivemos este encontro com a CTA, no qual auscultámos as preocupações que o sector privado tem, quanto à implementação das acções listadas e que estão ainda pendentes”, indicou o governante, acrescentando que “tentámos igualmente perceber melhor as razões que justificam a morosidade na execução dos compromissos que foram assumidos entre o sector privado e o Governo”.

É que, segundo consta, de uma matriz de cerca de 118 pontos apresentados pela CTA ao Governo, para a melhoria do ambiente de negócios em Moçambique, foram apenas resolvidos 19 assuntos, num espaço de um ano e meio.

“Temos uma estratégia para a melhoria do ambiente de negócios, já acordada para o período 2013-2017. A implementação das acções previstas nesta matriz vai permitir que Moçambique possa se posicionar melhor ao nível do ranking Doing Business. Essas acções serão, portanto, priorizadas no diálogo entre o sector privado e o Governo”, sustentou.

Em relação ao novo modelo de diálogo público-privado, Ernesto Tonela assegurou que “iremos trabalhar na perspectiva de encontrar a forma mais eficaz de resolver as questões que vão surgindo”.

Fotos de Jerónimo Muianga

Jorge Rungo

jrungo@gmail.com

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