Início » Pescar na costa já não está a dar

Pescar na costa já não está a dar

Por admin

A quantidade de peixe capturado junto à costa nas províncias de Cabo Delgado, Nampula e da Zambézia está a definhar. 

 

Há cada vez mais pescadores artesanais a competirem pelos recursos marinhos e muitos deles usam artes de pesca nocivas. A situação é tida como grave pois, em alguns casos, regressa-se à terra de mãos a abanar. “Sem caril”.

 

Viajamos recentemente até ao distrito costeiro de Quissanga, tido como um dos principais centros de pesca da província de Cabo Delgado. Os pescadores locais receberam-nos com entusiasmo, mas não puderam cumprir com uma das suas tradições, que é servir uma suculenta garoupa, um bom peixe-pedra, salmonete ou tainha. Não havia peixe para dar ou para vender.

A conversa começou mesmo por aí. “O que se passa?” De pronto obtivemos a resposta. “As capturas reduziram muito”, responderam os membros do Conselho Comunitário de Pesca da pequena vila de Quissanga-Praia, quase todos com ar desanimado porque os tempos são visivelmente de “vacas magras” ou, se preferirmos, de “peixes magros

Maidala Jamal, pescador e fiscal do mercado local disse que já não faz sentido continuar a pescar junto à costa. “Interessa-nos actuar em mar aberto porque há espécies que estão a desaparecer por causa da pressão”.

Muidine Mussá, também pescador, sublinhou que “o desaparecimento do pescado é real. Pior porque faltam-nos meios. Temos embarcações muito pequenas que não nos permitem pescar para lá das três milhas. São canoas, também chamadas de casquinhas”.

Prova de que a situação tende a agravar naquelas paragens é que, num passado recente, conforme nos foi revelado, um grupo de pescadores regressava com 200 a 400 quilogramas de pescado por faina. “Hoje voltamos com 50 quilogramas e celebramos, porque em determinados dias, nem peixe para caril conseguimos”, disse Mussá.

De Quissanga-Praia rumamos para o vizinho povoado de Tandanhangue, tido como campeão local de pescaria. Para a nossa tristeza, nem lá havia um peixinho para amostra. Quando pedimos para ver o que tinham para a venda ou consumo, aqueles pescadores entreolharam-se e apontaram o dedo uns aos outros.

Aqui soubemos que há uma sobrecarga do esforço de pesca nas chamadas zonas tradicionais que resulta da entrada massiva de embarcações de outros destinos da província e também da Tanzânia, a que se adiciona o uso de redes de arrasto, daquelas que não poupam até peixes em fase de desenvolvimento.

Tandanhangue é uma aldeia onde quase todos os habitantes (cerca de dois mil) são pescadores. Tem energia da Rede Nacional de Energia (da Electricidade de Moçambique), mas como não há bela sem senão, a corrente eléctrica continua a ser subaproveitada para efeitos de conservação do pouco que se consegue pescar. Faltam congeladores.

Para além da falta de embarcações capazes de participar na pesca no alto mar, os pescadores daquela área queixam-se da falta de um espaço apropriado para o processamento e venda. Algo de tipo mercado de primeira venda. Também lhes faltam meios e capacidade de produzir gelo.

Manuel Teodoro, Secretário Permanente do distrito de Quissanga disse que até ao ano de 2012, os pescadores locais capturavam cerca de 600 toneladas de peixe por ano, mas esta cifra tem estado a reduzir drasticamente e já se situa em pouco menos de 300 toneladas por ano. “Há sobrecarga nas áreas tradicionais de pesca e entrada de embarcações de outras regiões”, disse.

 

LUZ PARA ATRAIR PEIXES

Na nossa ronda pelos centros de pesca de Cabo Delgado, escalamos o povoado de Pangane, na parte costeira do distrito de Angónia, onde às primeiras horas da manhã, mais de uma centena de homens e mulheres, entre pescadores e revendedores, disputavam caixas de pescado desembarcado a instantes.

Apressamo-nos para ver o conteúdo das caixas e, para o nosso espanto, eram apenas peixes minúsculos, com uns dez centimetros no máximo, conhecido por anchovetas. Segundo aqueles pescadores, compradores e revendedores, aquele tipo de peixe nunca passa daquele tamanho. “Mesmo que seja mantido em cativeiro durante anos”.

Na tentativa de obter melhores resultados, os pescadores de Pangane foram “beber” a experiência dos colegas tanzanianos que usam embarcações carregadas de lâmpadas que servem para atrair a pescaria para a superfície. Aí o trabalho dos peixeiros vira moleza. É só puxar as redes e transferir os peixes do mar para o interior das embarcações.

Entretanto, a época é tão má, que nem essa técnica traz resultados dignos desse nome, pelo menos pelo que nos foi dado a ver naquele entreposto pesqueiro. As caixas que eram desembarcadas só traziam anchovetas que, mesmo assim, eram disputadas como se de peixe a sério se tratasse.

Porque a província de Cabo Delgado já não tinha nada a exibir no capítulo pesqueiro, rumamos para Nampula, em cuja capital coincidimos com a realização de uma Feira de Peixe. Naquele local, havia de tudo um pouco. O que até nos devolveu algum ânimo.

Porém, no centro de pesca de Mucoroge, no distrito de Moma, o cenário não era de bons dias. Aliás, só a via de acesso, com cerca de 30 quilómetros contados a partir da sede do distrito, já tornava evidente o grau de dificuldade que os residentes da zona costeira encontrariam para escoar a sua produção, caso esta fosse significativa.

Aquela via terá sido reabilitada em 2014, com fundos do governo moçambicano, da União Europeia e do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrário (FIDA), mas as intensas chuvas registadas no começo de 2015 devolveram a degradação e ainda acentuaram-na.

Para além dos fracos resultados pesqueiros, e m Mucoroge também há problemas relacionados com a penetração de pescadores idos de outras paragens, com particular destaque para os de Nacala que capturam espécies protegidas, tais como tartarugas marinhas.

Nesta região, os nativos realizam a pesca com recurso a canoas feitas de troncos escavados, o que não lhes permite ter resultados capazes de mudar o rumo das suas vidas. No total, são 506 embarcações de tronco escavado.

No centro de pesca de Sangage, no distrito de Angoche, idem. Só existem quatro embarcações a motor que podem se fazer ao alto mar para um universo de 2249 pescadores. Como resultado disso, alguns pescadores recorrem a redes mosquiteiras. Pelo menos 24 foram identificados recentemente a usar essa técnica nociva.

Você pode também gostar de:

Leave a Comment

Propriedade da Sociedade do Notícias, SA

Direcção, Redacção e Oficinas Rua Joe Slovo, 55 • C. Postal 327

Capa da semana