Nacional

Mil e uma pessoas num só actor

Texto de Luísa Jorge

A sua mente é um turbilhão de ideias. Para além de teatro, desafiou a maré do mundo cinematográfico. Actualmente, aposta na publicidade e se faz aos nossos ecrãs publicitando diversos serviços de uma operadora móvel… mas confessa-se apaixonado mesmo pelo teatro!

A entrevista com Tomás Bié decorreu num ambiente descontraído, numa das esplanadas na baixa da cidade de Maputo, próximo ao edifício da Sociedade de notícias. Escolhemos aquele espaço porque queríamos estar num ambiente natural. A caminho perguntou-nos o que havia feito para ser convocado a uma entrevista pelo nosso jornal. Da resposta, soltou risadas e afirmou estar mais descansado.

Na conversa falamos da sua vida como actor de teatro e fora deste. Contou-nos que é pai de três filhos e é filho único. Seus pais separaram-se ele ainda pequeno. Teve a sua infância dividida entre os bairros de Mahotas e 25 de Junho. Por motivos de segurança, na 6ª classe foi transferido da Escola Secundária Noroeste 1 para a Escola Primária do Segundo Grau de Bagamoyo. É lá onde descobre a sua inclinação pela representação.

Como entra para o mundo da representação?

Foi tudo graças a um professor de educação física da Escola Primário do II Grau do Bagamoyo, onde frequentei a 6ª classe. Por causa dessa minha forma de ser, um pouco traquino, ele incentivou-me a fazer parte de um grupo teatral da escola que estava a ser formado. Hesitei tanto, mas ele insistia que eu era capaz. Isto por volta de1990.O grupo chamava-se Mhala-Mhala.

E dali não parou mais…

Não, não parei. Do Mhala-Mhala passei para Mabanhelo. De Lá fui convidado a fazer parte do Grupo Taguma de Alfredo Maurício. E do Taguma fui para o Gungu. Também fiz parte do Kudumba.

Porque é que diz que aprendeu o que era teatro no Mabanhelo?

Antes as peças teatrais não eram feitas por muitos actores. Eram vários personagens para um só actor. E lá, eu tive que substituir o colega Chandinho, o que não era tarefa fácil pois, para além de grande actor ele era o personagem principal e ainda fazia outros papéis. Inicialmente fugi. Mas o próprio Chandinho incentivou-me…

Primeiro espetáculo…

O meu primeiro espetáculo teatral foi na Manyanga e o nosso público era a comunidade escolar. A peça falava de um manhembana que fazia negócio de coco e tinha lá uma filha que o ajudava.Porém, um dia é mandada fazer cobrança que é paga em cheque. O pai entra em pânico.

Depois dessa perdeu o medo…

Sim. E actuei como personagem principal em todas as peças subsequentes. Fomos o primeiro grupo a actuar no cinema Xenon. Já tínhamos um público diversificado. Na altura não se cobrava muito dinheiro para o uso de salas…

Depois de Taguma, foi convidado para a companhia Gungu Quer contar como entra para a Companhia?

No Grupo Taguma de Alfredo Maurício, actuávamos no Estúdio 222, ao lado da Sala do Gungu. Depois de acompanharem as minhas actuações, uma grande encenadora do Gungu, a Cândida Bila, convidou-me para trabalhar com eles. Aceitei e fui integrado no Gungulinho 2,isto em 1996.

Porque saiu do Gungu?

Tive várias saídas no Gungu, mas sempre voltava. A primeira foi quando a Cândida Bila abandona a Companhia e cria o grupo Kudumba. Convidou-me a fazer parte e aceitei porque foi a minha primeira encenadora. Lá fiz a primeira peça intitulada Primeira Forma e quando estávamos a ensaiar a segunda peça, já sentia falta de algo. Estava habituada a dinâmica do Gungu. Em termos de ensaios e actuações não parávamos. Enquanto que no Kudumba parávamos muito tempo sem ensaiar porque não tínhamos sala própria e aquilo quebrava o ritmo.

Em 2009 volta a sair do Gungu e enfrenta novos desafios.

Sim, queria criar a minha associação cultural apesar de não ter dado certo dado o problema de salas para actuaçao. Nisto sou chamado para ir gravar o filme Viva Riva que havia feito castinghá algum tempo atrás. Fiquei lá tres meses. Quando voltei não continuei. Actualmente, tenho sido convidado pelo Gungu para fazer algumas peças. Mas não a tempo inteiro, por causa do meu trabalho.

AINDA HÁ PRECONCEITOS

Já está há muito tempo no mundo da encenação. A nossa sociedade valoriza a profissão de actor?

As pessoas ainda não perceberam o que é ser actor. Sequer imaginam o que é representar. Qualquer um pensa que pode faze-lo. Não é apenas problema do actor. É muito complicado quando fazes uma arte que não é valorizada e não podes viver dela. Sendo assim, és obrigado a fazer outras coisas. Por exemplo, o indivíduo está no palco como actor e é aplaudido pelo talento que tem.E dia seguinte você entra numa bomba de gasolina para abastecer o teu carro e é aquele actor talentoso que limpa o vidro do carro, verifica os óleos, etc. E ele não tem como largar aquele emprego porque é o que realmente o sustenta.

Sabemos que também está trilhando caminhos no mundo cinematográfico…

Apesar de ter uma grande paixão pelo teatro, gosto também do cinema. Já participei de castings para filmes de Hollwood. O meu nome está em grandes festivais de cinema. Participei em várias longas e curtas-metragens. Participei no filme de Mohamad Aly que foi também gravado cá, com o actor Will Smith. Participei no Viva-riva um filme congolês onde fiz o papel de um angolano bandido; Fiz a longa-metragem intitulada Apesar da Solarenga Tarde lá Fora, de Renato Chagas; e outras curtas-metragens sobre HIV e Sida da Nweti.

Que metas ou sonhos quer ainda atingir na sua carreira?

Tenho o sonho de fazer o nível superior em teatro na Universidade Eduardo Mondlane. Segundo as palavras de Leonardo Da Vinci, nenhuma prática será perfeita se não aliada a teoria. Graças a Deus viemos de uma geração que tem um pouco disso. Tenho formação noutras áreas porque preciso de sobreviver. Tenho licenciatura em engenharia de informática pela Universidade Eduardo Mondlane. Aprendi a gostar de informática, mas me sinto bem no teatro.

O PALCO EM SI

SURPREENDE

No palco acontecem coisas inesperadas que em algum momento obriga-vos a recorrer ao improviso. Já passou por isso?

Várias vezes. Me lembro que na Manyanga, em plena apresentação de uma peça, a minha mente bloqueou. Falavam comigo e eu não respondia. Aperceberam-se que eu estava apagado. Paramos a peça rimo-nos. Depois o encenador voltou ao palco pediu desculpas e contou o que aconteceu. Consegui voltar ao palco e foi um momento espectacular da minha vida. Nesta altura não tinha conhecimento de improviso. Mas mais tarde já no Gungu foi diferente já sabia como contornar estas situações.

Qual é o personagem que não gosta de encarnar? Porquê?

A personagem de uma mulher. Porque exige muito de nós. Mas quando faço um trabalho tenho toda entrega. Pois para mim é: ou faço com perfeição ou não faço. Mas devo dizer que como actor é fácil para mim encarnar uma mulher. Agora já sei como fazer um bom tique de mulher.

Recentemente fez uma peça publicitária para uma operadora móvel em que faz papel de uma mulher e homem. Qual foi o feedback do público?

Algumas pessoas reagem com estranheza. Uma vez acabava de gravar a peça publicitária como mulher e tive que depilar o corpo e maquilhar. Depois da gravação na corrida limpei a maquilhagem, mas o baton que era vermelho não saiu completamente. Saí com uns amigos para uma casa de pasto e com os lábios ainda com vermelhos, apercebo-me que um grupo estava a discutir sobre a minha sexualidade dado o batom. Tive que me levantar e explicar porque ainda estava com alguma maquilhagem ainda no rosto.

O que é intolerante num actor para si?

A falta de seriedade para com o trabalho. Recentemente tive desentendimento com um colega de teatro porque combinamos para trabalhar e chegou a cheirar a álcool.

Tem feito sport publicitários. Sente-se confortável frente as câmeras?

Trabalhar com câmaras e estar no palco são coisas extremamente diferentes. É verdade que o autor de teatro é bom a trabalhar para o cinema porque ele sabe viver as emoções. Mas é mais fácil buscar alguém na rua colocar câmaras e pô-lo a filmar, pode não dar um personagem perfeito mas há maior naturalidade, contrariamente a os actores de teatro que estamos habituados a representar.

Como assim?

No palco eu tenho que fazer com que o espectador que está lá na última fila perceba todos os gestos e a minha voz. Se eu pisco o olho o espectador que está na última fila tem que ver que eu pisquei o olho. Com as camaras já não funciona assim. Gestos exagerados podem estragar todo o trabalho.

É casado? Quantos filhos têm?

Sou casado e com 3 filhos.

Em algum momento a sua vida sentiu que a sua vida de actor interferiu na vida social?

Não. Graças a Deus, a minha esposa conheceu-me a fazer teatro e ela tem sabido gerir.

Que religião professa?

Sou muçulmano convertido desde que me casei. Meus pais são católicos.

Nós temos algo que fazemos religiosamente todos os dias, uma espécie de ritual de vida? Tem algum? Qual é?

 Rezar, embora o faça geralmente em casa. Não saio de casa e não durmo sem rezar. Acredito muito na divindade.

Qual é o valor que mais presa na vida?

A própria vida. Não suporto ver alguém em maus lençóis.

Como olha para a nossa juventude?

 Não acho que tudo esteja mal. Sinto que hoje ela é muito esforçada. Corre atrás dos seus ideais de vida. Porém, se sente umadegradação dos valores morais. Melhor dizendo a sociedade toda está em crise moral.

Luísa Jorge

luísajorge@snoticias.co.mz
Fotos de Jerónimo Muianga

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