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Mais um começo com “o pé esquerdo”

Por admin

O ano de 2016 mal começou e o país já soma feridas que vão levar muito tempo a sarar. Na região Norte do país chove a cântaros. Infraestruturas diversas estão a colapsar todos os dias. No Sul e parte do centro o drama é bem diferente. 

 

Nem um pingo de chuva, o que coloca produtores agrários e pecuários numa tremenda encruzilhada. A seca está a fazer das suas e os números de vítimas dela não param de crescer. Há cerca de 180 mil pessoas em insegurança alimentar aguda.

No ano passado (2015), por estas alturas, o país assistia impotente ao desmoronar da ponte sobre o rio Licungo, fruto da violência das águas dos rios Licungo e Lugela, na província da Zambézia. Esse foi o auge da destruição.

Até as imagens nos chegarem através da televisão, muitas outras infraestruturas sociais e económicas tinham sido literalmente varridas, incluindo torres de alta tensão que alimentam o centro e o norte do país. Sofreu-se até dizer basta.

Sem energia eléctrica e sem estradas, a economia moçambicana, que é ainda frágil, ficou estagnada. O povo ficou a contar segundos, minutos, horas, dias e meses para voltar a ter os seus projectos a pulsar.

Passado um ano, e numa altura em que as contas que se fazem são de uma economia prejudicada pelo passo galopante que o dólar decidiu dar, sobretudo na última metade de 2015, o clima que se vive volta a ser de apreensão devido à chuva que cai demais de um lado e não dá sinal de vida no outro. Um verdadeiro e estranho contraste.

Na próxima quarta-feira, o Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e Nutricional (SETSAN) deverá apresentar um relatório mais aproximado da realidade do que se passa no país ao governo, para este poder saber como agir e por onde começar.

Segundo aquela entidade que está subordinada ao Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA), pelo menos 176.139 pessoas estão em insegurança alimentar aguda, aquela que é considerada preocupante.

Estas vítimas estão distribuídas pelas províncias de Gaza (77.365 pessoas), Inhambane (75.565 pessoas), Sofala (14.006 pessoas) e Niassa (9.203 pessoas). Estas pessoas não estão a conseguir satisfazer as necessidades mínimas alimentares.

Estes números poderão aumentar nos próximos meses dependendo do comportamento da presente época chuvosa, uma vez que a maioria dos agregados familiares em risco tem como principal fonte de alimentos básicos a produção própria”, refere a fonte. 

 

Segundo o SETSAN, é preciso que se dê especial atenção aos agregados familiares que já estão na insegurança alimentar, ou seja, àqueles que já não estão a conseguir satisfazer as suas necessidades alimentares mínimas para garantir uma vida saudável e ter capacidade de trabalhar.

As estruturas locais nomeadamente, administradores distritais, chefes de postos administrativos e de localidades devem trabalhar de forma coordenada de modo a identificar as regiões prioritárias e o tipo de intervenções necessárias para minimizar as dificuldades no acesso a alimentos”, recomenda o SETSAN.

Aquele organismo do Estado recomenda ainda que nos distritos com pessoas em risco, há necessidade de uma monitoria permanente até aos meses de Fevereiro e Março de 2016, altura em que se observa o pico em termos de proporção de agregados familiares com dificuldades no acesso a alimentos suficientes.

Por recomendação do governo, foi realizada uma pesquisa um pouco por todo o país, a qual demonstrou que a insegurança alimentar está a piorar em algumas regiões devido à sazonalidade da produção. Apesar disso, paira uma certa esperança de que a situação melhore, mas ressalva-se que isso só poderá acontecer caso o desempenho da campanha agrária 2015/2016 seja bom. O que é pouco provável, pelo menos tendo em conta o quadro actual.

A título de exemplo, nas províncias de Gaza e Inhambane, os números de pessoas em insegurança alimentar subiu de Maio para Novembro de 2015, tendo passado de 66.119 para 75565 pessoas em Inhambane, e de 71.665 para 82.377 pessoas em Gaza.

Aqui, sublinha-se o facto de a região norte destas duas províncias ser semi-árida, nomeadamente nos distritos de Massangena, Chicualacuala, Chigubo e Guijá, isto em Gaza, e Funhalouro, Panda, Mabote e parte de Massinga, em Inhambane.

 

SECA: A GRANDE AMEAÇA

A nossa Reportagem teve acesso a um informe bastante fresco do Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA) que versa sobre o ponto de situação do impacto da seca decorrente do comportamento da estação chuvosa 2015/2016 que demonstra que o drama que hoje se vive já tem alguma barba.

Segundo este documento, durante o mês de Outubro do ano passado, registou uma escassez de chuva em quase todo território nacional. O país caracterizou-se por anomalias negativas de precipitação em quase todo o território.

No mês de Novembro houve falta de chuva em quase todo território nacional e, neste período, ocorreram anomalias negativas de precipitação em quase todo o país. Porém, em Dezembro o quadro mudou ligeiramente com a queda de significativa de chuva nas províncias de Inhambane, Sofala e Manica e na região norte do país.

Onde a situação não foi nada boa foi em Maputo, Gaza, Norte de Sofala, Zambézia e Tete que não tiveram qualquer tipo de precipitação meteorológica.

Perante este cenário pouco animador, o Instituto Nacional de Meteorologia (INAM) entregou ao MASA o seu boletim no qual se pode observar que a previsão do estado do tempo para os meses de Janeiro, Fevereiro e Março indica que haverá chuvas normais com tendência para acima do normal para toda a extensão da província de Cabo Delgado e Nampula, a parte norte-nordeste, centro a sueste da província de Niassa e a parte norte da província da Zambézia junto a província de Nampula.

Entretanto, o mesmo boletim indica uma previsão de chuvas normais com tendência para abaixo do normal para as províncias da Tete, Manica, Sofala, Inhambane, Gaza, Maputo e a parte centro a sul da província da Zambézia.

No que se refere ao estado das bacias hidrográficas (o mesmo que rios e zonas adjacentes), o MASA faz saber que a situação mostra que “o presente ano hidrológico nas bacias hidrográficas da região Sul do país é atípico” pois, os escoamentos situam-se muito abaixo do ano médio, ou seja, abaixo dos anos secos de 1991e1992 e de 1997 e 1998, quando o fenómeno denominado El-Nino entendeu fazer das suas.

No que se refere às barragens, o informe do MASA refere que a barragem dos Pequenos Libombos (construída com o objectivo de assegurar o abastecimento de água à Cidade de Maputo, para a irrigação e para a produção de energia) encontra-se ao nível de enchimento de 46 por cento, correspondo a uma cota de 40,5 metros.

Contudo, com base na análise de dados históricos constata-se que com este nível de encaixe, esta barragem está potencialmente capacitada para satisfazer as demandas actuais e globais da cidade de Maputo que são estimadas em cerca de 3,5 milhões de metros cúbicos mensais”, diz o documento, o que por outras palavras equivale a dizer que “teoricamente” não faltará água na capital do país até ao início da época chuvosa de 2016 para 2017.

Aliás, e para que não seja a nossa Reportagem assumir esta posição, transcrevemos o parágrafo que diz que “Tomando as condições iniciais actuais e considerando o ano de similaridade do fenómeno El-Nino registado em 1997 e 1998, foi possível observar através da projecção linear que até ao final da época chuvosa 2015 e 201616, a barragem atingirá uma cota de 40,33 metros, correspondente a um volume de armazenamento de 44,72 por cento, ou seja, a dois metros abaixo da cota do ano 2014 e 2015. Importa realçar que o volume previsto satisfaz as demandas até ao início da época chuvosa 2016/17”.

Em relação à barragem de Corumana, igualmente localizada na província de Maputo, o MASA faz saber que neste momento esta encontra-se ao nível de enchimento de 28 por cento, que corresponde a uma cota de 98,7 metros.

Porém, este nível de armazenamento barragem não irá satisfazer as demandas actuais estimadas em cerca de 29 milhões de metros cúbicos mensais, que correspondem a um caudal de cerca de 11,14 metros cúbicos por segundo.

Tomando as condições iniciais actuais e considerando o ano de similaridade do El-Nino de 1997/1998, foi possível observar que até a primeira semana do mês de Julho de 2016, a barragem atingirá a cota de 95 metros (cota do nível morto), nível pelo qual a água não poderá ser descarregada pelos órgãos hidráulicos”. Se quisermos trocar isto em miúdos diríamos que, caso não chova, até meados deste ano, da barragem de Corumana não virá um pingo para o lado de cá.

Outra barragem importante que existe na região sul é a de Massingir que serve para a irrigação, controlo da intrusão salina, produção de energia e amortecimento de cheias que encontra-se ao nível de enchimento de 54 por cento, correspondo a uma cota de 115,44 metros, no seu estado normal de operação.

Devido a inoperacionalidade dos descarregadores do fundo, esta barragem regista um volume possível de se explorar de apenas cinco por cento. Também é possível observar que a barragem de Massingir nas condições actuais de operação não irá satisfazer as demandas de cerca de 78 milhões de metros cúbicos por mês, caso as condições meteorológicas não melhorem.

A barragem que está tranquila é a famosa Cahora Bassa, na província de Tete. Ela funciona como produtora de energia e para o amortecimento de cheias. Presentemente encontra-se a um nível de enchimento de 61 por cento que corresponde a uma invejável cota de 321.2 metros.

Das análises feitas é possível observar que para a barragem de Cahora Bassa irá satisfazer as demandas actuais estimadas em cerca de 3,7 mil milhões de metros cúbicos mensais, correspondendo a um caudal de cerca de 1.450 metros cúbicos por segundo”, aponta o informe do MASA.

 

HÁ MEDIDAS DE MITIGAÇÃO

Apesar do quadro ser aterrador, o governo, por via das mais variadas instituições e até mesmo de parceiros de cooperação, há muito que se desdobra para fazer face à situação. Aliás, existe até uma estratégia de mitigação que está a ser implementada aos mais variados níveis.

A título de exemplo, a nossa Reportagem apurou que, por exemplo, estão em curso monitorias da situação e definição de medidas de mitigação para a minimização dos impactos negativos que potencialmente poderão resultar em sementeiras tardias em conformidade com as recomendações agrotécnicas elaboradas em consonância com o prognóstico da estação chuvosa.

Também estão a ser realizados encontros entre os governos provinciais e distritais, incluindo representantes de organizações de produtores e outros operadores do sector agrário, para a divulgação da antevisão do comportamento da estação chuvosa e das recomendações agrotécnicas a serem cumpridas em conformidade com a antevisão.

Apuramos ainda que, a curto prazo serão reforçadas as provisões de sementes para fazer face às re-sementeiras da primeira época, bem como a diversificação da produção com outros produtos agrários (culturas perenes, criação de animais de pequeno porte e, a médio prazo, deverá ser assegurado o aprovisionamento de semente de hortícolas e de outras culturas praticadas na segunda época.

A extensa lista de medidas inclui a promoção e massificação da utilização das áreas das zonas baixas, aproveitamento dos cursos naturais de água e sistemas de rega de baixo custo, aproveitamento de sistemas de irrigação existentes e reforçar os investimentos para a provisão de kits de uso múltiplo de água e a promoção da realização de feiras agropecuárias para a venda e troca de produtos para a aquisição de outros.

O governo entende ainda que se deve promover e divulgar a prática da agricultura de conservação, como uma forma de retenção de humidade ao nível do microclima das culturas, acelerar a conclusão do Programa Nacional de Irrigação (PNI), incentivar a população a potenciar o aproveitamento de lagos e lagoas naturais e colecta de água pluvial em edifícios públicos e privados e optimizar a operação das albufeiras.

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