A Academia de Ciências Policiais (ACIPOL) entregou à sociedade os primeiros especialistas em Investigação e Gestão do Local do Crime e em Investigação e Instrução do Processo Criminal, isto na área de Investigação Criminal, e outros em duas especializações de Segurança Pública, nomeadamente, Diagnóstico e Planificação de Segurança e em Gestão da Segurança Rodoviária, todos a nível de Mestrado em Ciências Policiais.
Os especialistas, em número de cerca de 55, frequentaram o curso de Mestrado Profissional em Ciências Policiais naquelas especialidades, concebido para profissionais da PRM no activo, que deverão usar os conhecimentos adquiridos para o aprimoramento da sua actuação de forma mais científica.
Lisboa Machavane, director pedagógico da ACIPOL, disse ao domingo que esta formação, a nível de pós-graduação, segue a uma outra de Mestrado Académico que se concentrou em duas especializações mais amplas, nomeadamente em Investigação Criminal e Criminalística e em Segurança Pública.
Os mestres são os primeiros especializados, ao pormenor, e espera-se que dêem uma nova dinâmica na gestão e investigação de acidentes de viação, na concepção de melhores estratégias de garantia da ordem e segurança públicas e tragam bons resultados na instrução de processos criminais e no esclarecimento de crimes.
A sua formação contou com a assistência técnica de especialistas cubanos para além de docentes nacionais.
ADESTRANDO
O CORPO E A MENTE
O Curso de Ciências Policiais ministrado na ACIPOL tem a duração de quatro anos durante os quais o futuro oficial da Polícia passa por um processo de adestramento físico e formação científica e académica de nível superior.Tal como fizeram questão de sublinhar todos os cadetes entrevistados pela nossa Reportagem, o primeiro momento do processo de integração e socialização no campus consiste num cerimonial de apresentação das instalações e suas regras designado Hop ACIPOL, em que os cadetes dão voltas carregando todos os seus pertences, que é ao mesmo tempo um treino de evacuação em caso de emergência.
Geralmente representa um momento de choque para quem chega carregando na mente uma entrada a uma simples universidade. Curiosamente, nenhum dos cadetes se queixa deste momento, visto como uma verdadeira iniciação.
Na verdade, durante todo o primeiro ano, os cadetes juntam a sua formação académica com uma intensa preparação militar que só termina com o juramento da bandeira, acto que os torna membros da PRM, continuando o resto da formação policial superior nos anos subsequentes já como parte da família.
Durante dois dias completos, a nossa Reportagem esteve na rota do cadete, tendo testemunhado os momentos iniciais do despertar, onde tudo funciona com base na corneta que marca o despertar às 4.00 horas.
Dependendo do programa do dia, alguns pelotões podem ser acordados para correr, outros para trabalhos internos de limpeza geral, dentre outras actividades.
Mas, particularmente para o primeiro ano, o apito ou corneta pode tocar a qualquer momento, disse um dos estudantes do 4.º ano, responsável por este processo de socialização e integração do primeiro ano.
AMPLIADAS ÁREAS
DE ESPECIALIZAÇÃO
Na evolução do seu “curriculum” para responder à cada vez mais crescente demanda de formação, a ACIPOL criou áreas de saída internamente designadas por perfis de saída, cujos primeiros formandos nestes moldes estão prontos para o trabalho. Trata-se de uma orientação de nível de licenciatura para Ordem Pública, Investigação Criminal e Criminalística, Migração e Fronteiras e a Administração e LogísticaPolicial.
Pela primeira vez a ACIPOL não vai fornecer quadros só para a Polícia em geral, mas também para a Migração e sectores específicos como Força de Guarda Fronteira, Serviço Nacional de Investigação Criminal, área de Logística e a própria Ordem e Segurança Pública.
ACIPOL ABRE-SE AO MUNDO
A Academia de Ciências Policiais, na sua qualidade de instituição paramilitar, esteve durante um certo tempo, digamos que fechada relativamente ao mundo exterior, mas agora, mercê da visão da nova Direcção, encabeçada pelo Reitor José Mandra, está a abrir-se, chegando a desenvolver várias actividades científicas em parceria com outras instituições, declarou à nossa Reportagem António Caetano Lourenço, director de Investigação e Extensão naquele estabelecimento de ensino superior.
O nosso interlocutor apontou como um dos exemplos mais recentes dessa abertura e desenvolvimento de parcerias a realização, em Setembro último, de um seminário conjunto com a Procuradoria-Geral da República, versando sobre a criminalidade organizada.
Nesse seminário, especialistas tanto do Ministério Público como da área policial, apresentaram comunicações com grandes reflexões sobre como enfrentar os raptos, o tráfico de pessoas e de órgãos humanos.
O resultado desse seminário vai ser apresentado em brochura temática, marcando também uma nova era de início de pesquisas e publicações conjuntas entre ACIPOL – PGR.
Esta abertura é acompanhada por trabalho de extensão universitária que se corporiza na concepção de cursos de curta duração mas de aplicação prática em diversos campos.
INVESTIMENTO NA PESQUISA
E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
Falando particularmente do estágio actual da pesquisa na ACIPOL, como instituição do ensino superior que deve não só transmitir mas também produzir conhecimento, António Lourenço indicou que aquela instituição abraçou o modelo de pesquisa-acção, que consiste em buscar soluções académicas de aplicação imediata no campo da Ordem e Segurança Públicas.
Reconhecendo algumas limitações de ordem financeira para o alargamento da carteira de projectos de pesquisa em implementação, o nosso interlocutor salientou o facto de existirem algumas organizações que têm dado o seu apoio.Apontou como exemplo concreto o facto de a ACIPOL ter desenhado um projecto de pesquisa que visa buscar um melhor conhecimento sobre HIV no seio do Ministério do Interior cujo financiamento está garantido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.
Solicitado a apontar exemplos de pesquisas já feitas pela ACIPOL e a sua filosofia em relação a esta matéria, o director de Investigação e Extensão destacou temas como vitimização, policiamento comunitário, HIV/SIDA no seio da PRM e adequabilidade do currículo da Escola Prática da Polícia de Matalane. Este último tema enquadra-se na responsabilidade que a ACIPOL tem de prestar assistência no sistema de formação do Ministério do Interior.
O maior desafio e aposta do momento é o campo de publicação e divulgação do manancial do conhecimento que vem sendo produzido no âmbito das pesquisas para a elaboração dos trabalhos de culminação de graus de mestrado e licenciatura bem como das iniciativas institucionais.
Não sabia
o que é ser polícia
– Itelvina Gujamo, 3.º Ano
Itelvina Gujamo vem de uma família de polícias, mas afirma que antes de entrar na ACIPOL não tinha uma correcta ideia do que era ser polícia. De 23 anos de idade e natural de Xai-Xai, este cadete que este ano vai estudar no terceiro ano afirma que entrou naquele estabelecimento paramilitar do ensino superior por opção. Segundo as suas palavras, em 2014 concorreu simultaneamente para a UP, UEM e ACIPOL, tendo sido admitido na UP e na ACIPOL, mas optou pela carreira policial.
Afirma que lhe impele a opção por esta profissão a vontade de proteger os cidadãos, embora reconheça que antes de ser parte do sistema não tinha boa impressão dos polícias tendo inclusive compactuado com aqueles que prestavam um tratamento pejorativo aos patrulheiros com a designação de cinzentinho. “Hoje sei que ser polícia é antes de tudo pensar em si próprio, pensar nos outros que precisam de protecção”.
Para a cadete Itelvina Gujamo, a vivência em regime de aquartelamento e a aprendizagem a que são submetidos vai muito para além dos conhecimentos académicos.“A minha vida mudou. Aprendi a cuidar de mim mesma, desde as minhas coisas individuais, começando pela arrumação da cama até as actividades colectivas, onde aprendi a cuidar do jardim e outras coisas que me fazem acreditar que na minha vida futura muitas coisas vou fazer pessoalmente”, disse.
Surpreendi-me
na ACIPOL
– Paulo Nhachungue, 4.º ano
“Concorri para a ACIPOL depois de quatro anos como polícia, para aumentar os meus conhecimentos, mas fiquei surpreendido com tudo o que cá encontrei e comecei a aprender”, assim começou a nossa conversa com Paulo Nhachungue, cadete do 4.º ano.
Sendo ele um jovem (28 anos) que já passou pela instrução básica na Escola Prática de Matalane, diz que não esperava encontrar a mesma dureza e rigor nos treinos na ACIPOL. “No campo académico já adquiri um conjunto de conhecimentos que penso poder transmitir com êxito aos meus colegas”.
Deixei de ser preguiçosa
– Ivelise Mwamine, 1.º anoCom apenas um mês na Academia de Ciências Policiais, frequentando o primeiro ano do curso de Licenciatura em Ciências Policiais, Ivelise Mwamine Calisto, 23 anos de idade, afirma que o programa de inserção a que está sujeita já lhe removeu o seu primeiro defeito: a preguiça.
“Em casa não fazia quase nada. Estou a mudar a forma de ser. Agora estou a aprender outra forma de ser, sobretudo, deixei de ser preguiçosa”.
O seu maior sonho é terminar o curso e ir comandar na terra do seu pai, província do Niassa.
Ganhei maturidade
– Casimiro Machava, 2.º ano
Casimiro José Machava, de 23 anos de idade, frequenta no presente ano lectivo o 2.º ano, tendo, curiosamente, se inspirado num vizinho que já foi graduado pela ACIPOL.
Na sua opinião, o processo por que passou durante o primeiro ano, onde para além da formação académica participou em acções e actividades inerentes à instrução básica policial na categoria inicial de guarda, lhe trouxe maturidade.
“Ao entrar aqui eu não era tão maduro como sou agora. Presentemente sinto-me apto para lidar com qualquer assunto e saber conduzir a boas conclusões e desfecho”, referiu o jovem Machava.
A uma nossa pergunta sobre a razão principal de ter optado por concorrer para a ACIPOL no lugar de outros estabelecimentos do ensino superior, Machava, peremptório disse:“Aqui tenho o emprego garantido assim que terminar a formação”.
José Mandra lança
projecto de piscicultura
O relançamento da agropecuária como actividade extracurricular dos cadetes e o amor à biodiversidade constituem a principal marca trazida por José Mandra, há dois anos a frente dos destinos da Academia de Ciências Policiais.
De acordo com o testemunho dos cadetes entrevistados, logo à sua chegada em 2014, José Mandra lançou o programa “um cadete, uma árvore”, em que todos os estudantes do primeiro ano tinham de plantar uma árvore.
A outra grande inovação foi o lançamento da piscicultura, sendo hoje a ACIPOL uma referência obrigatória na produção de peixe. Os estudantes abriram tanques piscícolas.
A nossa Reportagem observou tanques com alevinos crescendo bem como campos verdejantes de milho e hortícolas ao longo do rico Vale do Infulene onde já se colhem ingredientes vegetais que enriquecem a dieta dos próprios estudantes.
Paixão pela tecnologia policial
Duarte Tembe é um dos docentes, fruto da formação na ACIPOL, que se apaixonou definitivamente pela tecnologia policial. Lecciona as cadeiras de Armamento e Explosivos, Criminologia e Tiro policial.
Por causa desta sua paixão, rara entre os graduados da ACIPOL, foi-nos indicado como uma das pessoas que melhor nos podia falar da tecnologia policial, sobretudo no campo do manuseamento de explosivos e armas de fogo.
Trata-se de um docente que foi do primeiro grupo de graduados pela ACIPOL em 2004 e que depois foi fazer o Mestrado em Criminologia e Investigação Criminal em Portugal.
Para Tembe ser docente na ACIPOL tem um sabor peculiar por ter sido formado na mesma instituição, o que lhe permite desenvolver e fornecer aos estudantes aquilo que faltou para si mesmo.
Entretanto, tratando-se de uma instituição paramilitar, ser docente envergando aquele fardamento dá outro garbo. “É como se o uniforme fosse a pele da nação que nos veste”, disse.