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Regresso à Hiroshima

Por Jornal domingo

 POR JORGE FERRÃO

Os efeitos das bombas continuam a suspender a humanidade diante do espelho. O reflexo é duro, quase insuportável. Em poucos segundos, a ambição científica transformou-se em devastação absoluta, e o “progresso” mostrou o seu lado mais sombrio. Hoje, este meu olhar moçambicano percebe que não são apenas marcos históricos, são feridas abertas que sangram a cada nova ameaça de violência global.

A humanidade aprendeu algo? Talvez tenha aprendido a temer mais, mas não necessariamente a amar melhor.

A pomba branca, símbolo frágil de paz, parece hesitar no ar. Não sabe para onde voar porque os ventos da humanidade continuam imprevisíveis, oscilando entre a esperança e a destruição. Diante do monumento em Hiroshima, sinto a vibração silenciosa de milhares de vidas interrompidas, e também a perplexidade de um mundo que continua a repetir velhos erros. Ali, entre sombras e memórias, compreendo que a paz não é uma conquista definitiva é uma escolha diária, tantas vezes abandonada pela soberba humana. A maior contradição da nossa espécie revela-se cruelmente, dedicamo- -nos com paixão ao bem-estar, ao conforto, à vida e logo depois encontramos razões para nos destruir. É uma teimosia ancestral, quase inexplicável, que transforma medo em violência e diferença em ódio. Saio de Hiroshima com o coração pesado e desperto, há tristeza, indignação e também um fio de esperança, porque cada visitante que se comove pode ser uma centelha de mudança. Talvez a verdadeira lição seja esta, a memória dói, mas também educa e é nela que ainda podemos fundar a paz que teima em não nascer.

As imagens do pôr do sol sobre o imenso Pacífico pintaram o horizonte com cores que só o coração entende. E lá ao longe, nas montanhas que se vestem de silêncio, os primeiros sinais de neve pousaram como quem anuncia novos começos. Assim termina a semana, com a cortesia que se sente antes de ser dita, com a hospitalidade que aquece mais do que qualquer lareira, com gestos simples que fazem do mundo um lugar onde vale a pena regressar.

Entre o mar que se despede em tons de ouro e a neve que desperta em fios de branco, ficam as impressões de dias vividos com gratidão uma semana que se encerra devagar, mas que permanecerá luminosa dentro de nós. (x)

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