Internacional

Guerra aos talibans africanos

A França deu ordem de marcha às suas tropas para socorrer o Mali. François Hollande enfrenta, agora, a perspectiva de um conflito que se pode revelar longo, num território onde se 

entrecruzam todos os tipos de interesses económicos

Confrontado com o facto de a capital do Mali poder cair nas mãos do Ansar Dine e da Al Qaeda para o Magrede Islâmico- como perecia indiciar, na sexta-feira, 11 de Janeiro, a derrota das forças de Bamaco, na cidade de Konna, o Presidente francês antecipou-se à força  da  ONU que estava a ser preparada para intervir no pais. Eis 12 perguntas e respostas sobre o intrincado tabuleiro da política maliana, da guerra pela política maliana, da guerra pela independência do Anzawad e da resposta da França.

1. O que querem os tuaregues?

As rebeliões tuaregues não são  de hoje. Os tuaregues são um antigo povo nómada, espalhado pelo deserto do Sahara, com presença na líbia, Argéli, Mali  e Burkina Faso. A primeira rebelião, no Norte do Mali, em 1962-64, pouco após o país ter obtido a independência da França, foi rapidamente esmagada pelo exército de Bamako, mas há notícia de revoltas daquela etnia, no Niger, logo na primeira década de 1900. Uma segunda vaga de enfrentamentos ocorreu nos anos 90, depois da desertificação e das secas de 1972-74 e 1984-85 terem forçado a alteração  das rotas migratórias deste povo. Aproveitando, como agora, as guerras entres os diferentes atores políticos da capital, os tuaregues, que há muito se queixavam de serem marginalizados pelos poderes centrais das nações do sahel e da costa mediterrânica, rebelaram-se, mas viriam a ser apaziguados com a concessão de algum grau de autonomia à região de kidal e com a promessa, nunca cumprida, de uma maior integração no exército nacional maliano. Os acordos de paz, assinados em 1995, foram novamente rasgados em 2007, tendo, desta vez, a revolta começado no Níger com reivindicações tuaregues  de uma maior fatia dos proveitos da exploração de urânio (na cidade de Arlit, há importantes minas, exploradas por companhias francesas, que representam cerca de um quinto de todas as reservas mundiais deste minério, essencial para a industria nuclear). A revolta do Níger estendeu-se ao norte do Mali, onde a pobreza, a corrupção, o crime e o tráfico de armas, drogas e pessoas imperam e são motivo de recriminações ao poder central. O conflito foi mediatizado pelos raptos efetuados pela Al Qaeda do Magrebe Islamico (AQMI) de dois canadianos e quatro europeus. Em 2009, haveria novos acordos de paz e desarmamento, que viriam a ser novamente violados, no ano passado.

2. Como começou a rebelião?

O movimento Nacional para a Libertação do Azawad (MNLA), uma formação secular que conta com 3 mil guerrilheiros, iniciou mais uma revolta em Janeiro de 2012, tendo por objectivo a constituição, no norte do Mali, de um estado tuaregue independente, o Azawad. Foram ajudados, e mais tarde dominados, por dois outros movimentos: o Ansar Dine (Defensores da Fé ), e a  AQMI. A fraca determinação do Presidente Amadou touré na luta contra os independentistas, levou à sua destituição pelos militares, a 22 de Março. Mas o efeito no terreno foi o oposto ao pretendido: o exército maliano, mal pago – quando pago-, desmoralizado, decadente e corrupto, começou a ceder posições. Muitas vezes sem disparar um tiro. A 5 de Abril, o MNLA conquistou Douentza, e clamou ter alcançado o seu objectivo, declarando o fim da ofensiva e a independência do Norte do Mali, que ninguém reconhece. Mas foram o Ansar Dine, a AQMI e, também, um grupo que se separou desta última, o Movimento para a Unidade e Jihad na África Ocidental, que tomaram as rédeas do poder, afastando os tuaregues laicos e iniciando a italianização do Norte.

3. Com que treino e financiamento?

Os «libertadores» do Azawad pagem bem: 400 euros ao mês, vezes o salário de um professor, dinheiro que provem dos reptos e do trafico de droga efectuados pela AQMI, actualmente a mais rica de todas as filiadas da Al Qaeda. Alguns dos seus membros vieram ate do sul do Mali, atraídos pelo alto ordenado. Milhares de jihadistas de outros países, da Somália, do Iémen, do Paquistao, do  Chade, mas também de Estanha e de França-juntaram- se lhes. Por contraste, boa parte dos soldados do exército central alistam-me apenas pela comida quente, não recebendo qualquer soldo. Um número significativo de rebeldes foi treinado e combateu na líbia de Kadhafi, de onde trouxe armas pesadas ate aqui nunca vistas nas revoltas tuaregues. Afinal foram os gauleses quem, contra os conselhos dos mais pessimistas, lançou por pára-quedas, no deserto líbio, e sem qualquer controlo, armamento moderno para ajudar a então guerrilha local. Parte desse arsenal perdeu-se no deserto e acabou nas mãos dos terroristas. Há quem entenda que a presença de Hollande no Golfo Pérsico, na terça –feiro, 15, não foi mero businesss as usual, mas que teve também que ver com obter garantias de que não sai dali dinheiro para alimentar os fundamentalistas do norte do Mali..

4. O que se passa no norte?

O regime imposto pela AQMI, com o consentimento do Anser Dine, é de terror, com o corte de mãos aos ladroes, o apedrejamento das adúlteras, o  chicoteamento de mulheres por usarem maquilhagem, a proibição  da musica, do  futebol e de outro tantos«venenos» ocidentais. A destruição de santuários muçulmanos milenares em Tombuctu- património da Humanidade da UNESCO- por serem «sacrílegos», em Julho e novamente em Dezembro, simboliza bem a forma como as rígidas crenças dos guerrilheiros salafistas, inspirados na corrente saudita hiperconsevadora do wahabismo, se impuseram á tradicional tolerância da maioria sufi da população. Os seus principais centros, alem de tombustu, são as cidades de Gao e Kidal.

5.Qual a situação politica, no sul?

Depois da queda de Amadou Touré provocada por uma junta militar golpista liderada por um ate então desconhecido capitão, Amadou Haya Sanogo, os políticos de Bamako parecem estar reféns dos militares, como bem prova a demissão de Modibo Diarra do cargo de primeiro-ministro, a meio do mês passado, depois de «visitado», em casa por um contingente de soldados. Sanogo prepara-se-ia, agora, para destituir o presidente interino, segundo Le Monde, e esta seria uma motivação secundária escandida da intervenção militar francesa.

6.O que precipitou a intervenção francesa?

A queda da cidade de Konna fez antever que o conflito se dirigia para Sevaré-Mopti, onde o exército do Mali se reagrupou, depois da derrota de Gao. Aquela é uma zona  crucial para o domínio do pais, dada a sua situação geográfica e a presença de uma base aérea militar. Trata-se de uma «porta de entrada» tanto para a capital como para uma potencial  reconquista do Norte, pelo que a sua perda tornaria muito mais difícil o trabalho futuro da força da ONU que a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) está a preparar para intervir. Boa para dos  mais de 300 mil refugiados que fugiram de Tombuctu, Gao e Kidal, escolheram para na zona de Sevare- Mopti. Konna foi reconquistada no sábado.

7.Qual será a duração provável e a intensidade do conflito?

Esta é a pergunta crucial. O presidente François Hollande já disse que a operação Serval- o nome de um felino do deserto – durará o tempo que for necessário. Mas a queda de Diabaly, no Sudoeste do pais, na segunda-feira, quatro dias após os bombardeamentos terem começado, pôs, de facto, as forças da AQMI e do Ansar Dine mais perto de Bamako do que alguma vez tinham estado –a apenas 400 quilómetros da capital. Este facto suscita receios de que a guerra vá durar mais do que as optimistas «algumas semanas» prometidas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Laurent Fabius. Duas cartas podem ser lançadas no jogo do Eliseu: esperar pela primavera e pelo treino das forças internacionais sob mandato da ONU ou avançar já para a conquista do Norte, uma hipótese que alguns analisas franceses não descartam. Os guerrilheiros disporão de cerca de 6 mil homens, dos quais «menos de 2 500» estão em condições de empunhar uma arna com eficácia- dizia, em Dezembro, o ministro da Defesa francês, jean-yves le Drian. Trata-se do mesmo número de militares (2500) que fontes em Paris admitem tencionar o Governo colocar no terreno. Mas controlar uma zona desértica e de algumas montanhas, maior do que a França ou o Afeganistao, e que os guerrilheiros conhecem como a palma da mão, com um contingente de apenas alguns milhares de homens, não  será  fácil e há e há mesmo quem levante a hipótese de os gauleses estarem a meter-se num pesadelo. Os terroristas, pelo menos, parecem convencidos disso:« A França abriu as portas do inferno. Caiu num armadilha muito maior do que o Iraque, o Afeganistao ou a Somália», disse Omar Ould Hamaha, porta-voz do Ansar Dine.

8.Qual a legitimidade da intervençao?

A força internacional de Apoio ao  Mali está ainda em fase de constituição  e foi autorizada pela resolução 2085 do conselho de Segurança, de 21 de Dezembro. Será composta por, pelo menos, 3 300 homens provenientes dos exércitos da Costa do Marfim, Burkina-faso, Niger, Nigeria, Senegal, Togo, Benin e Chade. O Presidente do Mali pediu formalmente a intervenção da França, ex-potência colonial.

9.Quais são os aliados da França?

O reino Unido enviou dois aviões C-17 para ajudar na logística e os EUA. Que já estavam a monitorizar a zona com drones, fornecem o indispensável apoio ao reabastecimento em voo e, também, telecomunicações e comunicações satélite. A Argélia, que se pronunciou contra uma intervenção armada estrangeira no Mali, abriu o seu espaço aéreo, sem restrições, à força aérea francesa. A Bélgica, a Dinamarca, a Holanda e a Alemanh também se dispõem a ajudar. Mas não se arriscam a colocar tropas no solo.

10.Como foi recebida a intervenção pelos malianos e em África?

Em Bamako, a intervenção foi saudada pela população. Nas cidades controladas pelos fundamentalistas, parece ter havido algum alivio, mas muitos residentes começaram a fugir, com medo de serem confundidos com os islamitas radicais. Em África, a maior parte dos meios de comunicação saudou guerra de Hollande aos terroristas como corajosa. A generalidade dos Estados da CEDEAO está a favor. Até o MNLA, que iniciou a revolta, se dispõe, agora, a lutar ao lado dos franceses e da ONU, para desalojar os talibans africanos.

11.O que está em jogo para a França?

O ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Laurent Fabius explicitou os motivos da intervenção: deter o avanço rebelde para o sul do país; salvaguardar a integridade territorial do Mali; proteger os cerca de 6 mil franceses residentes; e impedir a constituição de umEestado terroristas um novo Afeganistão – que ameaçaria a toda a África e também a Europa. Se a AQMI conseguir fazer do Norte do Mali aquilo que, ate agora, não conseguiu fazer da Argelia, onde esta sediada, o Azawad poderá tornar-se uma base de contaminação ideológica de toda o Sahel, onde residem mais de 60 mil cidadãos gauleses, e  da Africa francófona, pondo em causa os  interesses económicos da «Franceafique», em países como o Togo, o Congo, o Ruanda, o Senegal, entre outros, bem como nos da costa do  Mediterraneo, como a Tunísia, a Argélia ou mesmo  Marrocos. Do Niger, ali ao lado e com uma história semelhante de rebeliões tuaregues, vem boa parte do urânio que alimenta as centrais nucleares francesas, as quais fornecem ate três quartos da electricidade consumida pelo sauleses. As autoridades temem, igualmente, que os radicais se infiltrem na comunidade maliana a viver em França e se repitam os incidentes dos anos 90, quando alguns franco-argelinos abraçaram a causa jihadista e puseram Paris a ferro e fogo, com uma serie de atentados terroristas. Para já, Paris reforçou a vigilância antiterrorista em serviços públicos e infra-estruturas de transporte, mas não aumentou o nível de alerta do seu sistema de protecção, o Vigipirate, que se mantém no vermelho, a terceira de quatro cores de alerta, em vigor desde 2005 e que implica o labor de 1200 soldados na prevenção de atentados.

12.Qual o número de Baixas até agora?

Um piloto de helicóptero francês foi abatido. Em resultado dos ataques aéreos às bases das cidades do Norte, e das operações militares no Centro, alguns relatos falam em centenas de baixas entre os terroristas, mas não há forma de confirmar a informação. Human Rights Watch já debunciou a morte de dez civis, entre os quais três crianças.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Artigos Relacionados

Botão Voltar ao Topo