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Coesão continua a ser grande arma do ANC

Por admin

Quando faltam pouco menos de três meses para as eleições municipais na África do sul, domingo entrevistou Paulo Wache, investigador, pesquisador e docente no Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI) que faz antevisão do que poderá suceder.

Quem será o grande vencedor das eleições municipais?

É uma pergunta bastante complexa sobretudo por ter dito grande vencedor; porque isso não implica necessariamente quem vai vencer. Significa sim quem ganhou vantagem relativa em relação aos outros.

E aí?

Na minha percepção se o EFF (Combatentes pela Liberdade Económica) conseguir dois ou três municípios, desse ponto de vista, pode ser considerado grande vencedor, porque é um partido novo e não tem eleitorado ou é inexpressivo. No geral, as eleições vão ser ganhas pelo Congresso Nacional Africano (ANC). Haverá algumas nuances como o Partido da Aliança Democrática (AD) fazer melhor resultado do que alguma vez alcançou. Poderá aumentar entre um ou dois municípios, mas não tem aquela força em virtude das suas origens (partido tido como representante dos interesses da população branca).

E o Congresso Nacional Africano?

O ANC mantém a sua pujança não pelo desempenho, mas pela história e pela virtude de ainda manter a coesão dos grandes movimentos que são o seu principal suporte, nomeadamente a COSATU, o Partido Comunista e o próprio ANC. Esta coesão continuará a ser a grande arma do ANC apesar de todos os problemas de governação, de corrupção e dos resultados que não são os esperados.

Como se pode interpretar o(s) discurso(s) do EFF  de Julius Malema?

É um discurso de massas e assente numa utopia que o próprio ANC usou durante muito tempo mas que teve de abandonar quando chegou ao poder. O discurso do EFF é um pouco demagógica mas tem o seu eleitorado e encontra eco sobretudo nos municípios mais pobres. Nesses municípios, as pessoas acreditam em promessas como nacionalização de terra, distribuição da terra gratuitamente, nacionalização de empresas mineiras, combate a corrupção, etc. Depois, o manifesto do EFF apela ao coração e inspira ou pelo menos faz acreditar que se vive uma ditadura ou uma crise profunda na África da Sul, mas vão ter que ponderar o seu discurso caso vençam em alguns municípios.

A Aliança Democrática (AD) tem novo líder de há um ano a esta parte. Que mais-valia pode trazer para o partido? Refiro-me a Mmusi Maimane, de 34 anos.

A mais-valia talvez seja a cor dele. É negro. Na África do Sul estes aspectos de cor contam. Em outros países conta menos. Na África do Sul conta muito até pela história recente do país. A sua origem (Mmusi Maimane) há-de ser vista, sempre, com suspeita tanto que muitas vezes que tive acesso à entrevistas com sul-africanos as partes mais entusiastas, quanto a Aliança Democrática (AD), são indivíduos de raça branca, académicos de raça branca. A coisa muda de figura quando se fala com académicos de raça negra. Não ouves ou mencionam muito pouco ou quase nada a AD. Também se percebe isso na África do Sul em termos de raça que o ANC no mather what it does, it is our party (“não interessa o que faz, mas é o nosso partido”). Creio que a AD e o EFF, durante a campanha eleitoral, vão cingir-se aos locais onde sabem que têm maior probabilidade de êxito. No reverso da medalha está o nome ANC que por si só já é campanha. Não vejo que a posição consiga 50 municípios. Poderão conquistar entre cinco e dez municípios, o que para eles será um bom resultado.

Qual é a base de apoio do EFF?

É a ala jovem da mesma faixa etária de Julius Malema que não só não se revê no ANC, ou se revê pouco, como também não viveu a história concreta do país. O idealismo que Malema traz é próprio da juventude “pensar em mudar o mundo”. Malema encarna esta visão da juventude, que não viveu na carne as atrocidades do apartheid , como não percebeu o papel que o ANC jogou para o fim desse regime, mas também tem a percepção de que o país podia ser conduzido melhor. Essa juventude vai ter uma palavra a dizer.

Porém…

Porém a questão é: até que ponto essa juventude é representativa em cada município? Por exemplo, os adultos dizem que o Malema podia fazer tudo o que está a fazer dentro do próprio ANC.  Fiz dois estudos sobre África do Sul e foi essa a impressão com que fiquei. Quando falo com sul-africanos adultos dizem Malema, this child is rebellious (esta criança é rebelde). No sentido negativo. Eles acham que Malema podia ser rebelde dentro do partido. Interessante é que ninguém questiona a sua capacidade de liderança, mas entendem que ele devia conquistar o seu espaço dentro do partido.

A questão é essa?

Sim, acrescido com o desvio do discurso que ele produz que não é próprio para unidade do Estado. Ninguém tem garantias de que se eclodir violência na África do Sul, ele como indivíduo, vai estar seguro se Malema estiver a dirigir. Este radicalismo de Malema, em parte, cria-lhe aquela simpatia pela coragem de que era preciso dizer algumas coisas.

Então? …

Estes elementos vão jogar muito na reflexão e na escolha. A população que já tinha 17/18/ 19 anos quando acabou o apartheid vai ter muita relutância em votar no Malema. A franja de apoio há-de sair entre os pobres e os jovens motivados pelo discurso que é revolucionário, porque quebra parâmetros determinados, mas também e utópico porque não é realizável no terreno.

Texto de André Matola
andre.matola@noticias.co.mz

Fotos de Inácio Pareira

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