Texto de Carol Banze e Fotos de Jerónimo Muianga
Um espectáculo prazenteiro, sons convidativos, harmonias clássicas e populares, algumas jocosas, mas todas elas deleitantes. Traje aprumado que cai bem ao corpo, compleição física a condizer com o ofício.
Uma verdadeira demonstração de elegância, disciplina e responsabilidade, pretexto para levar o público à animação. Assim se apresenta, em grupo, a banda militar, treinada para atender às necessidades festivas e/ou ligadas às altas individualidade. De qualquer forma, e acções conjuntas de lado, destaque vai de forma especial para uma estrela que faz a diferença pela sua desenvoltura: René Mutambe, o verdadeiro show man da Banda Militar.
Trata-se de um elemento do exército com características únicas. René Mutambe é um militar e bailarino. Alimenta uma relação fora do comum com o mundo que o rodeia. Alia a rectidão de carácter à liberdade das artes. Tanto de arma em punho, como de bengala em mão esbanja o seu talento, o que mantém polido o seu nome no exército e lhe confere a qualificação de one man show nas lides musicais. Os seus movimentos destacam-se pela junção de severidade de um guerreiro e a travessura própria de um artista.
Já na sua infância dizia que queria se dedicar às artes. Sonho realizado pois René fez parte do grupo de dança Sol nasceu adstrito à zona de Magoanine e liderado por Pedrito Mudhemwa. Mais tarde, se tornou bailarino de Jeremias Ngwenha, no grupo Halakavuma facto, este, que lhe abriu o espírito para o seu interesse pelo exército. Foi mesmo dessa forma, e grande parte da culpa é atribuída à vestimenta dos bailarinos de Jeremias, que tinha motivos militares como estampa: “Aquela roupa despertou em mim a vontade de ir à tropa. Repare que, nessa altura, nos apelidavam de militares sem formação”, recorda-se.
Infância difícil
René Mutambe nasceu e cresceu em Maputo. O ensino primário foi feito na Escola Primária 4º Congresso, no bairro da Urbanização. Ainda ali pelos arredores frequentou da 6ª até a 10ª classe, nas Escolas Secundárias Noroeste 1 e 2. Pouco tempo depois, alistou-se nas fileiras das Forças Armadas e foi enviado para Montepuez, onde decorreu o treinamento. Após a formação técnico-militar, voltou para Maputo para cursar música.
Já se tinha descoberto o seu talento nas artes, “os meus superiores observavam as minhas brincadeiras, ao longo da nossa formação, eu animava a toda gente: dançava, fazia teatro…”, facto que lhe custou uma “punição” simplesmente prazerosa, a integração na banda militar.
Revisitando a sua infância diz-nos que foi criado pelo padrasto e pela mãe. “O meu pai distanciou-se de mim desde a barriga da minha mãe. Contudo, nasci e cresci num ambiente cheio de amor. O meu pai de criação tinha uma relação afectiva muito forte comigo”.
Mas, a dado momento, o destino levou-o a experimentar o lado azedo da vida, na fase da adolescência. “O meu padrasto morreu e a vida começou a apertar. Fui obrigado a arranjar trabalho para ajudar a minha mãe nas despesas de casa”. Aos catorze anos já ia à cidade (Maputo), ganhar a vida.“Levava o cão da minha então patroa para dar umas voltas pela cidade”. Nessa altura, executava, igualmente, uma tarefa que viria a ficar consolidada na idade adulta. “Levava também o filho da senhora à escola e recolhia-o à hora da saída”. René acompanhava e protegia outra criança. Ironia do destino, hoje em dia, abraça oficialmente essa tarefa, como membro do exército, defendendo o seu solo pátrio.
Na banda é um show à parte
Conhecido pelos seus passos, arranques e malabarismos usando sua fiel bengala, destaca-se, sempre, nas apresentações devido à sua desenvoltura. Bengaleiro nacional, como é também conhecido, não se dá por satisfeito quando o assunto é treinar-se para as apresentações. O céu é o limite, os resultados são fabulosos. René arrasta multidões, até porque “uso a bengala à minha maneira, castigo-me, treinando muito para dar show”.
Contudo, a fama não conseguiu força suficiente para o transformar em imodesto. “Muitas pessoas pedem-me autógrafos, afirmam que gostam do meu trabalho, das minhas apresentações, mas isso não me sobe à cabeça”, garante.
NÃO SOMOS FLORZINHAS
Integrante da banda central, explica-nos que a mesma é dirigida por um, comandante, um chefe protocolar e está dividida em secções: Tenor, Ritmo, Baixo, Alto, Soprano… Os seus elementos são seleccionados a dedo. “Depende da postura, da compleição física, ética pois nos apresentamos perante altas individualidades”. E, conforme nos segredou, há que ter também uma dentadura nos trinques, ou seja, dentes completos.
Sendo, portanto, a estética importante nessas lides, equívocos têm surgido quando se tem em conta a pujança dos respectivos membros. Seriam os homens bem-apessoados vigorosos nas fileiras militares? O bengaleiro trata de dissipar essa dúvida: “Somos bons como militares, sem dúvida. Tivemos preparação física, carreira de tiro, entramos na mata… tal como os outros que trabalham em outras especialidades. Sabemos da existência de preconceito por estarmos virados para a actividade da banda, mas reitero que somos militares tal como a lei manda”, certifica.
Enquanto isso a banda alegra às altas individualidades e ao povo em cerimoniais importantes para a nação. As composições alcançam todos os gostos: “tocamos desde o popular ao clássico. Somos formados para ler a pauta. Tocamos todos os hinos do mundo”.
A indumentária refinada é confeccionada na FAUMIL, Fábrica de Uniformes Militares. “Ora nos apresentamos de vermelho ora de verde. Temos que estar aprumados, essa é também a nossa marca”.
Gosto de ler sobre cultura
Ser militar é sinónimo de responsabilidade e disciplina, mas nem por isso se exige que o elemento seja sisudo. René tira proveito disso e, quando pode, preme o botão de pausa nas suas actividades mais sérias e expressa o seu lado alegre e animado. “Sou um autêntico brincalhão, mas consigo separar as águas. Quando cumpro a agenda de trabalho fico sério, nem sequer sorrio”.
De qualquer forma, nos tempos livres mergulha de cabeça nos programas familiares. “Quando não me faço presente a família fica chateada. É que a minha presença é garantia de animação”. Jovem de trinta e dois anos e pai de uma menina de catorze anos focaliza, também, as suas atenções na sua namorada. A união será feita em qualquer momento, enquanto não acontece, doa-se também para a leitura. “Gosto de ler sobre cultura. Aprecio a cultura dos outros povos e gosto de aprender várias línguas”. Para além de português, fala swahili, maconde, emakwa, zulu. Mas a dança, essa, é a capitã do seu coração.