Em Foco

O pão duro dos aposentados

A vida de um trabalhador comum e no activo é um autêntico desafio. Mesmo tendo o salário em dia, o ordenado lembra uma manta curta. Se cobre os pés, desnuda a cabeça, e vice-versa. As contas permanecem no vermelho. O saldo é sempre negativo.

Imagine-se a situação de quem, por idade, tempo de serviço ou por incapacidade se vê na contingência de se afastar da vida laboral e passar a depender, apenas, de uma pensão.

É por demais sabido que
o salário nunca chega.
Para se ter uma ideia
precisa de quão dura é
a luta por melhores ordenados,
basta ver os dísticos
que os trabalhadores empunham
nas marchas alusivas ao
1.º de Maio. Aqueles letreiros
dizem tudo.
Apesar da unanimidade em
torno da justeza das reivindicações,
os empregadores retorquem
a uma só voz que não
há dinheiro para pagar mais e
melhor. O Estado, que também
é empregador, e simultaneamente
funciona como árbitro,
procura um equilíbrio para
agradar a “gregos e troianos”.
Um autêntico jogo de cintura.
Com um salário claramente
deficitário, muitos trabalhadores
improvisam alternativas susceptíveis
de oferecer algum desafogo
às contas domésticas. Uns
procuram ter um segundo emprego
e outros montam bancas,
oficinas, barracas, capoeiras e
hortas no quintal. O que importa
é oferecer à família uma qualidade
de vida cada vez melhor.
O tempo passa e um dia,
pela idade, tempo de serviço ou
por incapacidade resultante de
doença, acidente de trabalho,
entre outras razões, a aposentadoria
chega e começa uma
nova etapa de vida que obriga
à concepção de uma nova rotina
para a qual nem sempre há
preparo.

No lugar de descanso e de
reconhecimento pelas décadas
de trabalho, a aposentação
transforma-se num pesadelo,
porque o valor da pensão não
cobre as necessidades básicas
da família, o que amplia
em larga medida a sensação
de insegurança do agregado
que, em certos casos, culmina
com o rompimento de vínculos
conjugais. Aliás, reza um velho
adágio que “em cada onde
não há pão, todos ralham e
ninguém tem razão”.
É que um reformado comum
recebe uma pensão-base de
3.342 meticais que lhe devem
sustentar durante o mês. Como
é sabido, muitos aposentados
são chefes de família e, por diversas
circunstâncias da vida,
são encarregados de educação
de netos.
Diz a lei que a pensão de
velhice deve ser atribuída ao
trabalhador que tiver atingido
60 anos de idade (55 anos para
as mulheres) com pelo menos
10 anos de contribuição para
a Segurança Social e que os
benefícios de aposentadoria
também revertem a indivíduos,
independentemente da idade,
se tiverem sido registrados no
sistema por 30 anos e cumprir
25 anos de contribuição.
Onde todos torcem o nariz é
no ponto que se refere ao que
deve ser pago a este contribuinte.
“Apensão de velhice
não deve ser inferior a 60
por cento do salário mínimo
nacional”. Feitas as contas, a
pensão-base termina ali nos
3.342 meticais aos dias de hoje.
Para quem tem o infortúnio
de passar por uma situação
de invalidez, a lei prevê prestações
de pensões em caso de
acidente, lesão ou doença que
resultam em incapacidade permanente
não-ocupacional. Para
estes casos, o trabalhador deve
ter sido cadastrado no sistema
há pelo menos cinco anos e ter
pago 30 meses de contribuições
antes do início da incapacidade.
“A quantidade de meses
de pensão de invalidez
é igual a 60 por cento da
pensão de velhice a que o
trabalhador teria direito se
tivesse atingido a idade da
reforma. O montante da pensão
de invalidez não pode
ser inferior a 60 por cento
do salário mínimo nacional”,
refere.
OFÍCIOS AJUDAM

A nossa Reportagem conversou
com vários reformados
que revelaram que, no lugar de
se sentarem à sombra e “jogar
cartas”, tem optado por desenvolver
pequenos negócios agrícolas
e comércio informal para
terem alguma uma tranquilidade
nas suas contas.
Na verdade, todos concordam
que a reforma é necessária
e bem-vinda, entretanto, setorna dolorosa para quem não
investiu suficientemente contando
com esta fase crucial,
inclusive em termos técnico-
-profissionais, que o podem
habilitar a desenvolver alguma
actividade nessa fase, bem
como ao nível da rotina a seguir.
Alberto Quepisso, reformado
em 1994, conta que conseguiu
equilibrar imediatamente
as suas contas porque logo
que se aposentou conseguiu
uma vaga como ajudante num
projecto que estava a ser desenvolvido
pela empresa Caminhos
de Ferro de Moçambique,
em Maputo.
A seguir a esta oportunidade
veio uma outra num projecto
das Nações Unidas que recorda
com certa nostalgia, uma vez
que lhe deu um certo desafogo.
Entretanto, em 2003 tudo
cessou. As portas fecharam-se
e Quepisso passou a viver exclusivamente
da sua pensão de
aposentadoria que, como é de
imaginar, não vai por aí além.O nosso entrevistado disse
que “é difícil gerir a pensão
de reforma porque é pouca
coisa e a família depende
somente desta fonte de renda”.
Para se aguentar, Quepisso
referiu que viu-se obrigado
a apostar no negócio informal,
actividade da qual no começo,
sentia alguma vergonha. “No
início foi difícil, mas foi uma
boa escolha porque já consigo
fazer face às principais
despesas domésticas”.
Como “o salário é sagrado”,
Alberto Quepisso não revela o
valor que aufere, mas jura a
pés juntos que “aquilo que recebo
de pensão não dá para
nada” e até sublinha que “mesmo
que fosse solteiro não
seria capaz de sustentar as
minhas necessidades. É muito
pouco”.
Perante esta nova realidade,
Quepisso hoje compreende melhor
que a vida de um reformado
só se torna mais fácil se este
tiver um ofício que lhe permite
trabalhar por conta própria.
“Mas nem todas as profissões
dão essa possibilidade.
Por exemplo, eu sou técnico
militar, tive a formação como
assistente administrativo,
estas área de formação não
têm utilidade no tempo de
reforma, disse.
Por seu turno, António Mondlane
chegou à reforma há seis
anos depois de 42 anos de trabalho
numa empresa. Conta
que num primeiro momento
deixou-se abater e ficou meio
deprimido, porque já tinha uma
rotina muito bem definida e não
se imaginava sentado em casa
sem qualquer tipo de trabalho
capaz de oferecer algum rendimento.
“Nos primeiros meses foi
difícil. Não me conformava
com a ideia de ficar sentado
em casa a ver o tempo passar.
Mas, o tempo passou e
hoje já me sinto melhor, pese
embora as dificuldades que
todos conhecemos. Posso
afirmar que dei a volta por
cima”, disse.
Porque o tempo passava e
as necessidades começavam a
“apertar”, aglutinou algumas
ideias de amigos e familiares
e decidiu passar a lidar com a
agricultura. Actualmente, produz
hortícolas, sendo que uma
parte desta produção vai para o
consumo e outra vende para os
revendedores dos mercados da
cidade de Maputo.
“Não posso dizer que a
pensão é boa, mas também
sei que não posso exigir
mais porque já não estou a
contribuir para a empresa.
Neste momento posso dizer
que estou satisfeito porque
superei várias atribulações e
já dependo de mim mesmo”,
disse.
Acrescentou que já recebeu
convites para o trabalho de
guarda, mas que não aceitou
por considerar que a actividade
é de alto risco e requer
uma certa juventude. “Disse
para mim mesmo que melhor
continuar com a minha
actividade de produção de
comida, porque para além
de sustentar a minha família
consigo ajudar outras famílias.
Agora estou a equacionar
aumentar a minha área
de cultivo”, disse.
Boavida Wate é reformado
desde 2009 e conta que a pensão
da reforma não chega para
fazer nada, sobretudo, nos últimos
tempos que os preços dos
produtos subiram por causa da
flutuação do dólar, da inflação e
do oportunismo dos comerciantes
informais.
Actualmente, viúvo e a viver
com os seus cinco filhos conta
que desistiu de fazer a gestão
directa da pensão porque esta
é bastante magra. “Quando
recebo entrego todo o valor
aos meus filhos para fazerem
o que podem no mercado”.
Wate conta que nos primeiros
anos de reformado praticava
agricultura no bairro de
Magoanine e fazia, também, a
produção de cestos de palha. O
produto que saía da machamba
servia para o consumo, enquanto
os cestos vendia para
atender outras necessidades.
O nosso entrevistado disse
que a sua situação ficou mais
complicada quando deixou de
fazer os cestos por causa das
distâncias que tinha que percorrer
para adquirir a matéria-
-prima. Segundo ele, era necessário
viajar para o distrito
de Maomba, na província de
Maputo, que dista uns 70 quilómetros
do seu local de residência.
“Quando saísse para buscar
a palha era obrigado a
permanecer dois dias no
mato, porque depois de cortar
tinha que esperar secar.
Sinto que já não tenho idade
para ficar dois, três ou mais
no mato ou longe da família,
referiu.
Porque o azar nunca vem só,
a área que Wate usava para fazer
a sua machamba viria a ser
ocupada por projectos habitacionais.
“Chegou uma altura
em que achei que devia voltar
a trabalhar, mas as propostas
que recebia eram para
ser guarda e eu acho que já
não tenho idade para perder
noites”.
Para o caso de Domingos
Gicoronge, reformado desde
2003, a situação tornou-se
mais complicada nos últimos
tempos, visto que já não tem
dias exactos para receber a
pensão. Foi este reformado que
nos alertou para o facto de até
ao dia 24 de Fevereiro corrente
não terem sido pagas as pensões
de alguns reformados.
“Eu consigo sustentar
a minha família através do
meu negócio. Sou vendedor
de roupa usada no mercado
da Malanga, mas isso não é
suficiente para atender às
minhas necessidades”, disse.
Pagamento de pensões volta à normalidade

 

Cerca de nove mil pensionistas de diferentes
pontos do país que auferem as suas
pensões por via bancária tiveram problemas
na recepção das suas remunerações mensais
deste mês de Fevereiro, devido a um problema
técnico que foi registado numa das agências
bancárias e a dificuldades que alguns operadores
tiveram para lidar com o novo sistema de
pagamento, denominado e-SISTAF.
Contudo, segundo o director nacional adjunto
de Providencia Social do Ministério da
Economia e Finanças, Julião Langa, o problema
relacionado com o e-SISTAF foi resolvido
na passada segunda-feira, enquanto o de
banco só ficou solucionado na última sexta-
-feira.
Langa esclareceu que normalmente as pensões
começam a entrar nas suas contas no
dia 15 de cada mês e prosseguem até 24. No
presente, o processo estendeu-se até última
sexta-feira, dia 26.
Entretanto, o Governo passou a partir do
presente mês, Fevereiro, a pagar os pensionistas
através e-SISTAF que numa primeira fase
abrange a cerca de nove mil pensionistas, mas
perspectiva-se que até final deste ano serão
abrangidos cerca 20 mil.
Julião Langa disse ainda que a sua direcção
está a trabalhar com vista a contar com mais
pensionistas neste sistema, sobretudo aqueles
que ainda recebem nos Correios de Moçambique
e nas administrações distritais. Para o
efeito, estão a ser desencadeados contactos
com os gestores dos Correios de Moçambique
de forma a conduzir os pensionistas que são
pagos naquela instituição para o sistema bancário.
De referir que o Ministério da Economia e
Finanças paga a cerca de 153 mil pensionistas,
dos quais pouco mais de 46 mil são civis.

 

Abibo Selemane
habsulei@gmail.com

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