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O pior está por vir…

Por admin

Texto de Jorge Rungo

Maputo está a experimentar o sabor acre da falta de corrente eléctrica resultante da avaria de um transformador da Subestação da Matola. Trata-se de um estrago que trás à tona a necessidade urgente de se investir no reforço e manutenção das subestações, linhas de transporte e postos de transformação porque, “pelo andar da carruagem”, o futuro será muito mais amargo.   

Pelo menos uma centena de prédios novos vão surgir na cidade e província de Maputo e outros tantos já estão a ser construídos. Fábricas, armazéns, lojas e bairros residenciais estão a ser projectados e erguidos um pouco por todo o lado.

Estes empreendimentos comungam a demanda pela corrente eléctrica que lhes deve ser fornecida a partir de uma linha que chega às subestações da Matola e do Infulene com a carga eléctrica no seu limite. São estas duas subestações que devem alimentar as províncias de Maputo, Gaza e Inhambane.

A Electricidade de Moçambique (EDM), através dos diferentes Presidentes de Conselho de Administração (PCAs) que por ela passaram nos últimos temos, bastas vezes fez saber que a região sul depende de uma rede cujo sistema está a operar no limite e que já não há capacidade para acomodar novos clientes.

A saída, conforme referiram, reside nos investimentos em diferentes frentes, tais como construção de novas centrais de geração, reforço das subestações, estabelecimento de redundâncias, entre outros. Pelos vistos, ninguém lhe deu ouvidos.

O que constrange no desenvolvimento urbano que se assiste em Maputo é que a maior parte das novas infra-estruturas estão a ser feitas sem a necessária coordenação com a EDM. Constrói-se apenas. Como quem faz um baloiço ou pombal no fundo do quintal.

No caso da cidade de Maputo, que agora está com os ânimos revolvidos por causa da falta de energia, assiste-se à demolição de vivendas unifamiliares para, no seu lugar, serem erguidos prédios de mais de 20 andares. Em alguns casos fala-se de arranha-céus.

Por exemplo, onde funcionava a antiga FACIM, na baixa da cidade, pretende-se erguer um complexo de edifícios que se vai chamar de Maputo Bay Waterfront. Noutros cantos desta mesma cidade projectam-se edifícios como o Maputo Plaza, The Palm, Polana Twin Towers, sedes de bancos comerciais, entre outros.

Aparentemente, a troca de uma casa unifamiliar por um prédio é pacífica, mas quando se observa com mais atenção nota-se que a rede eléctrica ali instalada estava projectada para uma residência e não para um prédio. Resultado disso são as sobrecargas que afectam a qualidade da corrente e danos na rede. É como usar um Toyota Vitz para rebocar um camião.

Para agravar, os conselhos municipais não trocam uma palavra com a EDM para que haja o mínimo de coordenação sobre as necessidades de consumo e até mesmo para a reserva de espaços para uma eventual construção de subestações. Neste domínio, age-se como comadres desavindas.

Aliás, pelo nível de crescimento que Maputo está a registar, impunha-se que a baixa da cidade, particularmente no extremo onde se localizam os edifícios JAT, tivesse pelo menos uma subestação para oferecer um certo conforto à imensa demanda de carga que por ali se observa. Mas, nicles.

DEPENDENTES DA

HCB EM 94 POR CENTO

A este propósito, nota-se que até projectos de Zonas Económicas Especiais, ou Zonas Francas, têm sido aprovados para locais onde não existe rede eléctrica ou a rede existente não tem capacidade para responder aos requisitos dos novos e empreendimentos.

Prova disso foi a declaração da Zona Franca Especial de Mocuba, na Zambézia, que ocorreu sem se observar que a linha que alimenta aquela região opera no limite. Recentemente foi anunciado um financiamento de cerca de 200 milhões de dólares para a construção da segunda linha que vai ligar a Subestação de Chimuarra, na Zambézia, à Nacala, em Nampula, passando por Mocuba.

Mas, como um azar nunca vem só, a obra está orçada em 620 milhões de dólares, pelo que o Governo deve encontrar um parceiro que disponibilize a maior fatia que sobra, que são 420 milhões de dólares. Mas, os problemas da EDM não param por aqui.

Como é sabido, esta empresa recebeu a missão espinhosa de levar a corrente eléctrica para todas as 128 sedes distritais e fê-lo com total obediência, tendo em conta o interesse social e político de criar bases para que estes se tornassem em verdadeiros polos de desenvolvimento.

Para a materialização deste plano, a EDM foi incentivada a abraçar vários parceiros externos que cediam fundos sob a condição de trazerem seus meios materiais (equipamentos e peças) e assessoria diversa o que fez com que a Rede Nacional de Energia se parecesse com uma manta de retalhos.

Assim, a rede nacional tem cabos, postos de transformação, isoladores, torres, transformadores, disjuntores vindos da Índia, Suécia, Dinamarca, Holanda, China, enfim, cada um com o seu padrão de qualidade e todos montados na perspectiva de se integrarem. Aqui, a máxima seguida foi “quem paga a orquestra, escolhe a música”.

Apesar de tudo isto, nos últimos cinco anos foram executadas 130 mil ligações a consumidores por ano, o que fez com que Moçambique passasse a ter a maior taxa de novas ligações ao nível da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). Um feito único.

À primeira, este dado pode gerar aplausos, mas de pouca dura, pois, revela que há uma grande pressão sobre a rede eléctrica. De igual modo, a taxa de consumo médio por consumidor reduziu, porque a maior parte dos beneficiários são de baixa renda.

Por outro lado, sabe-se que a extensão da corrente eléctrica não é em si um fim. Antes pelo contrário. Coloca-se hoje o desafio de a EDM revisitar as linhas e equipamentos para fazer a respectiva manutenção e, em muitos casos, proceder ao seu reforço. Tudo isto custa dinheiro que, como se sabe, a EDM não tem.

Os aplausos cessam quando se percebe que todo este processo não foi acompanhado por investimentos na diversificação das fontes de energia. Conforme temos estado a reportar, o país continua a depender em cerca de 94 por cento da energia produzida pela Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), o que por outras palavras equivale a dizer que se um dia esta fonte tiver problemas, “adeus encomenda”. 

O jornal domingotem insistido em referir que de 2003 a 2014 o consumo de energia tem estado a crescer em 70 MegaWatt (MW) por ano, ou seja a 14 por cento, quando toda a SADC junta cresce a três por cento. Nesta toada, Moçambique precisa de investir 150 milhões de dólares por ano em fontes de energia. Para desgraça de todos, nem um cêntimo foi para esse lado.

OPERAR ACIMA DO LIMITE

Evidências de que a situação que o país vive em termos energéticos não é nada boa são múltiplas, e aqui vai mais um exemplo. A capacidade contractual de transporte de energia da HCB que entra para a região sul do país, via África do Sul, está limitada a 300 MW, mas o consumo desta região já roça os 450 MW, o que faz com que já não seja possível suportar consumos adicionais.

No conjunto, as noves fontes de geração de electricidade existentes no país, incluindo a HCB, produzem 610 MW, mas o país possui uma ponta de consumo estimada em 761 MW, o que faz com que o défice se situe em 151 MW que corresponde à energia consumida pelas cidades Nampula, Cabo Delgado, Niassa e mais algumas vilas.

Porque se está perante um quadro negro, há que recordar que a rede eléctrica nacional, na sua maioria, tem 30 a 40 anos de funcionamento e que a electrificação distrital levada a cabo até ao ano passado produziu linhas longas, muitas delas com mais de 150 quilómetros (km).

É por muitos sabido que “por causa da limitação de recursos, a EDM tem tido dificuldades de repor as redes avariadas e a situação poderá se agravar no futuro”, disse uma fonte do sector. Entretanto, ainda não são visíveis movimentos tendentes a reverter este quadro.

Avaria na Matola

DOIS MESES PARA

VOLTAR À NORMALIDADE

Avarias de transformadores em subestações não são coisa comum. Acontecem em pelo menos 20 anos de funcionamento, pois este tipo de equipamento é tido como robusto e com redundâncias que permitem que os excessos de carga sejam detectados e as máquinas assessórias se desliguem automaticamente.

Fonte da Electricidade de Moçambique (EDM) sublinha que ao contrário das subestações que geralmente são robustas, as linhas de transporte de energia sofrem muito mais. Em cada ano, podem ter até 20 cortes resultantes de descargas atmosféricas, entre outros factores naturais e humanos de aparente facilidade de resolução.

As panes nos transformadores de subestações são tão raras que nos nossos registos constam apenas as que ocorreram em Matambo, província de Tete, na cidade de Xai-Xai, em Gaza, e pouco menos. A subestação da SONEFE teve uma explosão fatal e não explicada até hoje, mas na área dos painéis de comando.

Dada a robustez que este tipo de equipamento apresenta, a sua manutenção é tida como simples, pois consiste maioritariamente em verificar o nível dos óleos neles contidos, ou a sua troca, bem como apertos aqui e acolá.

No interior dos transformadores há bobines e outras tecnologias, pelo que se suspeita que a origem da presente avaria resida nestas peças. A questão de fundo é descortinar porquê. A causa deve ser investigada. Pode ter havido uma descarga atmosférica em tempos que, com o tempo, enfraqueceu o equipamento até chegar a esta avaria”, aponta a nossa fonte que não quis ser identificada.  

Enquanto esse processo avança, com o apoio técnico de especialistas da empresa que forneceu o transformador à EDM, é importante notar que apenas 60 por cento das principais subestações de Maputo é que possuem redundância. As restantes cidades não tem redundância, o que torna o fornecimento de energia vulnerável.

A falta de investimento na infra-estrutura eléctrica, com particular incidência para a capital do país, onde as necessidades de consumo crescem a cada instante está a tornar difícil o fornecimento de energia para a Baixa de Maputo. Quem o diz é a própria EDM em comunicado publicado ao fim da tarde de sexta-feira.

Como medida de emergência para que os clientes que são fornecidos energia eléctrica a partir da subestação da Matola não ficassem desprovidos de corrente, a EDM optou por transferir todas as cargas para a subestação de Infulene que, embora tenha capacidade para alimentar a zona sul do país, tem constrangimentos de escoamento de potência, sobretudo para a Baixa da cidade de Maputo, provocando desta maneira restrições”, citamos.

O facto é que a Baixa da cidade de Maputo é onde estão reunidos os centros de decisão económica do país, nomeadamente, escritórios centrais das principais e maiores empresas estabelecidas no país, bancos, centros comerciais, a principal rede de hotéis e restaurantes, incluindo imprensa.

O que multiplica o desânimo geral é que a EDM avisa que uma equipa de especialistas vindos da empresa que produziu o transformador está a avaliar a situação. Mas, uma apreciação preliminar “de todas as hipóteses, designadamente a reparação ou a aquisição de um novo transformador, indica que, lamentavelmente, a subestação estará inactiva por um período não inferior a 60 dias”.

Este quadro evidencia que Maputo está agora numa situação de vulnerabilidade, uma vez que a única subestação que sobra é a de Infulene para assegurar a ligação eléctrica entre Maputo, Gaza e Inhambane.

Trocando em miúdos, nos próximos 60 dias (dois meses) não pode haver um curto-circuito ou avaria na Subestação de Infulene sob pena de as três províncias do sul do país mergulharem num caos igual ou pior ao que se assistiu nos primeiros meses deste ano nas províncias do centro e norte do país na sequência das cheias que se registaram no rio Licungo e que derrubaram várias torres de transporte de energia.

Jorge Rungo
jrungo@gmail.com

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