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Moçambicanos regressam à casa

Por admin

Texto de Abibo Selemane e Fotos de Carlos Uqueio

Mais de cem de moçambicanos vítimas de xenofobia voltaram ao país na madrugada da última sexta-feira. Trata-se de nacionais que viviam nas cidades de Soweto e Durban, onde foram obrigados a abandonar todos os seus bens para salvar as suas vidas.

Os concidadãos que conseguiram escapar dos actos xenófobos mostram-se desesperados e sem perspectiva sobre o seu futuro, uma vez que os malfeitores pilharam todos os seus bens.

A nossa equipa de Reportagem trabalhou há dias no centro de trânsito de Boane, onde uma parte dos regressados estava concentrada. No local, era visível um semblante de tristeza e frustração no seio deles.

Pascoal Novela, natural de Zavala, província de Inhambane, lembra dos maus momentos que viveu nas últimas semanas em Soweto. Conta que foi perseguido e lhe bloqueado o caminho que seguia, tendo escapado por puro milagre.

Novela vivia com os seus dois irmãos desde o ano de 2000 e trabalhava na construção civil.

“Nessa altura, a convivência com os naturais daquele país era saudável. Custa-me lembrar o que vivi nestes últimos dias. Ninguém acreditava que íamos chegar aqui hoje. Muitos compatriotas foram mortos e outros perderam seus bens. Por exemplo, eu só recuperei um pouco de roupa”, disse.   

Por sua vez, Adelina Manuel, natural da cidade da Beira, província de Sofala, disse que quando o fenómeno começou a fazer sentir-se naquele país, abordou a dona da casa onde vivia sobre o que estava a acontecer.

“Ela garantiu-me que podiamos continuar a viver naquela residência e não seriam assaltados. A verdade é que a ajuda da dona da casa não bastou, porque o meu marido foi assaltado no mercado local onde fazia negócio, contou.

 Visivelmente emocionada, Adelina Manuel lembrou que quando tudo começouestava nas vésperas de parto.

“Fui a um hospital local onde não me trataram bem. Até tinham decidido para fazer cesariana, mas Graças a Deus logo dei parto sem precisar da ajuda deles”,disse.

Acrescentou que passado algum tempo, o casal decidiu voltar para Moçambique uma vez que o negócio tinha parado e não tinham dinheiro, por um lado, e por outro, porque temiam voltar a ser assaltados.

“Não sei o que vai ser nós daqui em diante. Temos três filhos e perdemos tudo. Tínhamos equipamento de serralharia, mas ficou naquela casa e não sei como poderemos recuperá-lo. Voltar ou não para África do Sul vai depender do meu marido. Estou com medo”,referiu.

Por seu turno, Florinda Alfredo, do Município da Matola, conta que vivia na África do Sul desde o final de 2013 com seu marido.

Falando da situação que viveu nas últimas semanas naquele país disse que se lembra-a com emoção, pois a residência onde vivia foi incendiada com os bens no seu interior. “Perdemos tudo. Lembro-me que essas pessoas chegaram a casa às 18 horas. Ouvimos o barulho, quando tentamos perceber o que acontecia, a casa já estava cercada. Saímos a correr sem levar nada. Fomos ficar no centro de acolhimento”, disse ela, tendo acrescentado que todos foram surpreendidos com aquela atitude, uma vez que nos anos anteriores o ambiente era de harmonia e familiaridade.

Por sua vez, Luís Eusébio, natural de Chimoio, província de Manica, disse que vivia há seis anos naquele país na companhia da sua família. Fazia negócios.

“Antes, o relacionamento era óptimo. Ficamos surpreendidos quando num desses dias vimos alguns compatriotas a correrem dum lado para outro e ninguém conseguia explicar sobre o que estava a acontecer. Quando vi que a coisa estava a ficar séria, desmontei a minha banca e fugi. Por causa do susto, deixei tudo naquela casa e fomos para o centro de acolhimento”, afirmou.

Falando sobre o que pensa em fazer daqui em diante, disse que neste momento não tem ideia sobre o que vai ser da sua vida.“Não sei! Mas avaliando aquilo que vivi nestes dias, não dá para voltar. Vou-me decidir quando chegar à casa”, disse.

Danito Vilanculo é de Mapai, província de Gaza, e estava em Durban, África do Sul desde o ano de 2012, onde trabalhava por conta própria no sector de obras. Este voltou apenas com a roupa do corpo e baldes de água que terá recebido no centro de acolhimento aberto naquele país.

“Agradecemos porque escapamos do linchamento. Não sei o que será de mim daqui em diante. A primeira ideia que temos é ficar de vez em casa e tentar fazer outras coisas que nos podem ajudar a melhorar as nossas vidas”,disse.

Por sua vez, Rachid Nussussa, natural de Lichinga, Niassa, modista de profissão, disse que estava naquele país a desenvolver aquela actividade desde o ano de 2012.

Naquele país produzia roupa para ambos os sexos que era vendida pela esposa no mercado local. Agora se sente aliviado, uma vez que conseguiu salvar a sua vida e da sua família. “Aquelas pessoas são perigosas. Antes éramos amigos, irmãos, mas logo que decidiram expulsar os estrangeiros, comportam-se como pessoas que nunca conviveram connosco. Lembro me que chegaram na minha casa às 19 horas e disseram-me para dar o dinheiro que tinha. Eu respondi que não tinha. Um deles disse: você não fala nada. Antes de começarem a nos maltratar, dei sinal à família. Fugimos sem levar nada, disse.

ACTOS DESUMANOS

– Sheik Aminodin, do Conselho Islâmico

O Conselho Islâmico, representado por Sheik Aminodin, considera desumanos e bárbaros os actos protagonizados, há dias, na África do Sul contra os estrangeiros, e de forma particular, contra os moçambicanos. “Não concordamos! Faltam, inclusive, palavras adequadas para denominar esses actos. Não há justificação para a sua ocorrência. Quando vemos as imagens ficamos ainda mais indignados e perplexos, daí que questionamos como é que em pleno século XXI existem pessoas que agem daquela forma. Já não estamos nos tempos antigos, não se justificam os actos bárbaros”, manifestou-se o Sheik.

Em seguida, lembrou que o mundo consiste numa aldeia global e que a solidariedade africana deve prevalecer. Ademais “somos vizinhos e temos que nos tratar como tal; procurando saber das dificuldades do outro, ajudando-o. Conforme explanou, estes elementos colocam os actos cometidos na África do Sul como inconcebíveis. E o que agrava a situação é que “no passado, o povo moçambicano ajudou sobremaneira o povo sul-africano. Sofreu torturas a vários níveis pelos seus irmãos vizinhos. No entanto, “tudo indica que eles se esqueceram disso”.

De qualquer forma, é chamada a sociedade civil a não pagar o mal pelo mal. “Nós temos que mostrar que somos possuidores de melhor educação; somos humanos, mesmo sendo pobres. Não se paga o mal pelo mal, pois isso tem as suas consequências”. E, igualmente, há que ter em conta que “os vizinhos não se escolhem” e, valorizando as formas correctas de vida.

EDUCAR E LEGISLAR

– Dom João Carlos, da Arquidiocese de Maputo

Reagindo aos actos xenófobos protagonizados pelos sul-africanos contra cidadãos estrangeiros, Dom João Carlos referiu, primeiramente, que “condenamos essa intolerância e olhamos para isso com muita tristeza. Endereçamos, então, os nossos sentidos pêsames às famílias que perderam os seus ente-queridos e as nossas preces para os que se encontram feridos se restabeleçam o mais rápido possível”.

Dom João Carlos realçou que nada justifica os actos de violência “mesmo tendo em conta que a África do Sul está a enfrentar uma crise política, não se aceitam estas barbaridades”. Daí que, “há que consciencializar as pessoas, através de campanhas, que a xenofobia é desnecessária, não constrói, pelo contrário retarda. E é preciso perceber que o desenvolvimento de uma sociedade passa também por assumir o estrangeiro. O medo pelo estrangeiro deve acabar, é preciso encará-lo como irmão, cultivando ao mesmo tempo a tolerância”.

Esta forma de ser e estar deve acompanhar e cimentar-se ainda mais em Moçambique pois, de acordo com o Bispo João Carlos, “não se deve aplicar a mesma medida. Devemos mostrar a nossa indignação utilizando o caminho de paz e tolerância”.

É AFROFOBIA

– Dom Dinis Sengulane, Bispo Emérito

Existe ódio por (outro)africano. Trata-se de Afrofobia”. Assim se pronunciou Dom Dinis Sengulane, em torno do problema que polariza as atenções dos africanos, de forma particular, e do mundo, em geral. Com efeito, “endereço condolências às famílias enlutadas e votos de rápidas melhoras para os feridos”. Não obstante a gravidade dos actos, Dom Dinis apela à calma, à não retaliação, “fazendo jus ao espírito pacífico por que sempre se notabilizou o povo moçambicano”. Argumentando, reforça que “violência não se responde com violência, isso agrava a situação”. Entretanto, “há que desenvolver um mecanismo de diálogo contínuo entre os países”, para coibir a reincidência destes casos.

Adiante, lembra que “cada pessoa que morreu é um precioso presente de Deus, por isso é preciso realizar uma cerimónia nacional evocando essas perdas e traçando um compromisso de nunca mais deixar acontecer situações desta natureza”. Evidentemente, a participação dos sul-africanos é também chamada, sendo que, acima de tudo, “cada um de nós deve dizer ao outro ‘Tu és um Outro Eu’”.

Ministra do Trabalho pede

para não haver retaliação

A Ministra do Trabalho, Emprego e Segurança Social, Vitória Dias Diogo, considera que é preciso expandir a explicação para outros estrastos sociais sobre o que está a acontecer nestes dias na vizinha República da África do Sul (RAS), em torno da onda de xenofobia a que estão sujeitos os cidadãos estrangeiros, incluindo moçambicanos.

Falando em Tete num encontro com mulheres daquele ponto do país, Vitória Diogo disse que, não obstante o trabalho de consciencialização que os governos de Moçambique e RAS estão a levar a cabo, visando acabar com a situação, esta deve ser também encarada como sendo de todos os cidadãos e sectores da sociedade, porque é um mal que não tem rostos definidos e qualquer um pode ser vítima.

Texto de Abibo Selemane

habsueli@gmail.com

fotos de Carlos Uqueio

 

 

 

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