Emídio Jossefa Macie já não está entre nós. Seu corpo foi ontem sepultado no Cemitério da Texlom, na Matola, perante coro de lágrimas familiares e de centenas pessoas que não o
conheceram em vida.
Moçambicanos, sul-africanos e cidadãos de diversas outras nacionalidades foram ontem proferir o último adeus ao homem que pagou com a vida o preço de um encontro casual com uma polícia assassina.
É este o sentimento que a nossa Reportagem colheu nas visitas que efectuou à residência do malogrado e também nas cerimónias de velório.
Como diria a governadora da província de Maputo, Maria Jonas, nada justifica tanta atrocidade num ser humano indefeso, confrontado com oito agentes policiais fortemente armados.
Sublinhe-se que o nosso compatriota morreu porque foi espancado, atado à bagageira de uma viatura policial e arrastado pelo asfalto, coisa que não se faz nem com uma mercadoria reles, que vai directo à uma lixeira.
Os moçambicanos deram uma lição de unidade nos tempos difíceis. Marcaram forte presença no funeral e ofereceram o testemunho de uma virtude que preservam até as últimas consequências e souberam perdoar os prevaricadores.
Trata-se, enfim, de uma dignidade que não trará de volta a vida de um jovem de 27 anos. Todavia, analisando o teor de diferentes discursos apresentados pelo Governo, pelos deputados da Assembleia da República e por amigos, ficará para sempre na memória dos moçambicanos as imagens de um compatriota desprezado e torturado pela Polícia num país que libertou-se com sacrifício do seu povo, perdendo até um Chefe de Estado.
A família está inconsolável (ler depoimentos à parte) e chora por um filho que partiu quando ninguém esperava, deixando uma criança de três anos de idade. Para aquela criança ficará a memória do pai revelar-se-á por imagens que poderão causar sequelas sem fim.
O Governo sul-africano prontamente pediu desculpas e o seu povo saiu à rua para manifestar-se contra os excessos de uma Polícia com tendência selvagem nos últimos tempos.
Isso ajuda a consolar, mas não devolve Emídio Jossefa Macie .
O FILME DA TRAGÉDIA
Dia 27 de Fevereiro de 2013. Emídio Jossefa Macie, 27 anos de idade, é mandado parar numa rua em Daveyton, perto de Joanesburgo, alegadamente por ter estacionado mal.
Após troca de palavras com agentes policiais, é imobilizado e amarrado à traseira de um veículo da Polícia sul-africana.
Seguidamente, é arrastado por cerca de 400 metros e seu corpo rola desfalecido pelo asfalto enquanto a viatura policial roda em velocidade não especificada, oferecendo um espectáculo macabro aos circunstantes.
Na esquadra é brutalmente espancado acabando por falecer, desfecho claramente “festejado” por oito agentes da Polícia sul-africana, que impávidos e serenos, deliciavam-se com cena, alegando que Macie desferiu valente murro num dos agentes e tentou arrancar a arma.
Eles organizaram o espectáculo funesto longe de pensar que alguém filmava cenas de brutalidade e canibalismo policial. As imagens retransmitidas pela NCA, canal de televisão sul-africano, correram rapidamente o mundo quer através dos media, quer pelas redes sociais.
Veio o choque geral, sobretudo em Moçambique, onde o jovem deixou viúva e um filho de três anos de idade e tudo resto já se sabe.
POLÍCIAS DECLARAM INOCÊNCIA
Conscientes maldade que praticaram, mesmo assim os agentes envolvidos na carnificina declararam-se inocentes perante o tribunal. Numa das sessões do tribunal disseram que Emídio Jossefa Macie “foi arrastado pela viatura policial por acidente”.
Estranhamente, o condutor do veículo disse não saber que o taxista estava algemado à parte de trás da carrinha e que só arrancou porque alguém da multidão, revoltado com a cena que assistia, lhe atirou com um objecto.
Disse ainda que só quando voltou a parar reparou numa pessoa «pendurada» na carrinha, tendo Macia depois sido carregado para dentro do veículo. Adiantou que o taxista entrou na esquadra «pelo próprio pé».
Facto curioso é que nenhum dos agentes explicou, até agora, como é que o taxista moçambicano acabou amarrado à parte de trás do veículo da polícia.
Uma autópsia feita ao corpo do malogrado, revelou, entretanto, que morreu devido a falta de oxigénio e apresentava ainda cortes e contusões.
A mesma autópsia também deu conta de uma hemorragia no pulmão direito e lesões no couro cabeludo e na mandíbula. O corpo apresentava, ainda, queimaduras em diferentes pontos do corpo.