Nos bairros como Ndlavela, Patrice Lumumba, Kongholote, T3, Zona Verde, Machava -Socimol, Malhazine entre outros, dos municípios da Matola e Maputo vivem-se, como acima referimos, momentos
de desespero devido à crescente onda de crimes, na forma de “cocktail”, que compreende assaltos a residências, espancamentos, violações e ferro de engomar quente sobre os corpos dos donos das casas. Em pânico generalizado, as populações trocaram a noite pelo dia e, empunhando apitos, catanas, varapaus e até enxadas e machados, protagonizando autênticas operações de caça aos criminosos anónimos.
“Grupo Vinte” ou simplesmente “G20” é a denominação que a população entendeu atribuir aos protagonistas do ambiente que se vive nas cidades de Maputo e Matola, com principal incidência para os bairros suburbanos, onde até então se convivia com pequenos furtos de fundo de quintal, roubo de piscas, espelhos e baterias de viaturas, entre outros fenómenos menores.
Entretanto, e num ápice, a partir do mês passado, Julho, a criminalidade começou a assumir contornos de puro terrorismo, com masoquismo à mistura pois, os criminosos arrombam portas e janelas, introduzem-se nas residências empunhando armas.
Relatos apontam que, obedecendo a uma espécie de formulário criminal, os bandidos espancam a quem ensaia resistência, exigem dinheiro e bens de valor (jóias, computadores portáteis, telemóveis), violam e no auge da saga malfeitora ligam ferros de engomar e passam-nos sobre o corpo das vítimas. Ainda no mesmo quadro, há relatos assombrosos de mulheres que são violadas e assassinadas em plena via pública.
Todo este enredo, relatado por diversos órgãos de informação deixou a população mais do que apreensiva, pior porque a maior parte dos bairros onde estes episódios acontecem não estão servidos de uma adequada presença policial, quando muito um posto policial com um punhado de agentes despidos de meios móveis para atenderem rapidamente às solicitações.
Sem protecção das forças da Lei e Ordem, sobra para as populações o dever de se organizarem em grupos de patrulhamento nocturno, armados de pedras, garrafas, apitos, varapaus, catanas, machados, lanças e até zagaias para, por si próprias, caçaram o famigerado grupo.
No interior de bairros como São Damanso e Khomgolote de onde surgiram os primeiros relatos destes casos, homens, mulheres e crianças, abandonam as suas casas todas as noites para fazerem verdadeiras vigílias nas ruas, com direito a fogueiras.
A partir das 23 horas, um pouco por todas as zonas suburbanas de Maputo e Matola é comum dar de caras com agrupamentos que vagueiam, por vezes exaltados, e que interpelam qualquer transeunte e automobilista que lhes pareça estranho, mantendo presente o espectro de linchamento caso o indivíduo em causa apresente explicações excêntricas.
Como consequência das manobras dos malfeitores, alguns pequenos agentes económicos começam a ensaiar mudar para outros locais que lhes parecem seguros, como é o caso do interior da cidade de Maputo, uma vez que o tal G20 já invadiu casas de humildes vendedores de carvão.
Por exemplo, em Ndlavela, um casal que por razões óbvias não vamos identificar, foi assaltado e bastante violentado pelo que na manhã seguinte se mudou para outro bairro. Ainda naquele bairro, um outro casal foi assaltado quatro vezes e já içou a sua bandeira do cansaço, estando determinada a abandonar aquele espaço que lhes sabe a “antro da desgraça”.
BAIRROS SEM “SONO”
A nossa equipa de Reportagem trabalhou, há dias, nos bairros de Ndlavela, Zona Verde e T3, Kongholote do município da Matola onde conversou com os seus moradores, de entre eles as vítimas, assim como os seus familiares, para além dos respectivos secretários.
Aqui apenas ouvimos relatos de desespero, visto que ninguém vive tranquilo, as pessoas respiram de alívio quando amanhece e constatam que todos estão com boa saúde e vida, num quadro que só encontra paralelo no tempo da guerra dos 16 anos.
Para manter os bairros seguros, os secretários dos bairros, que também não dormem de tão assustados, estão empenhados em orientar os quarteirões a organizarem-se em grupos de patrulha. Quem, por razões diversas não está em condições de colaborar directamente, é convidado a “dormir com um olho aberto” e manter o apito amarrado ao pescoço ou braço.
Entre as regras adoptadas um pouco por todo o lado, destaca-se o facto de se proibir o uso do apito para fins recreativos nas noites. Este aparelho sonoro só pode ser accionado perante sinais evidentes de invasão ou presença de indivíduos estranhos.
Por outro lado, os elementos de patrulham são orientados a desdobrarem-se apenas pelo perímetro do respectivo quarteirão para evitar que sejam confundidos com os G20 e sejam linchados pelos vizinhos do quarteirão contíguo.
Esta medida, em parte, dizem que tem dado resultados satisfatórios, uma vez que desde que entrou em funcionamento vários indivíduos foram surpreendidos na calada da noite com bens como telefones, computadores, amplificadores, entre outros e foram “tratados” à maneira pela população.
Aliás, na quinta-feira passada, a própria Polícia apresentou três indivíduos que foram surpreendidos pela população no meio da noite a deambularem sem rumo concreto. Dois destes encontravam-se na posse de uma pistola e respectivo carregador com munições. Consta que um quarto elemento deste grupelho terá sido violentamente espancado e “salvo” pela polícia que o encaminhou a uma unidade sanitária.
No bairro Ndlavela, a população surpreendeu quatro jovens, grupo do qual fazia parte uma jovem, que transportavam aparelhagens sonoras e que não conseguiam explicar a origem e destino daqueles bens. Perante o interrogatório popular e eminência de sentença de linchamento, os três rapazes fugiram e deixaram a rapariga nas mãos do povo.
Ainda neste bairro, a nossa equipa de Reportagem testemunhou na madrugada da quinta-feira passada a captura de um jovem que transportava um amplificador e nas suas algibeiras foram encontradas seis chaves de carros e outros artefactos.
Porque o referido jovem não conseguia explicar a sua trajectória, alguns moradores do bairro tentaram violentá-lo, porém, um grupo de militares do quartel local aproximou-se e salvou a vida do jovem. Mesmo assim, ele apanhou uma meia dúzia de chibatadas.
O secretário daquele bairro, Dique Magaia, disse que para além de haver equipas de patrulhamento, os pequenos agentes económicos contribuíram com um montante não especificado e construíram duas casas que devem servir de postos policiais, dado que por ali só existe um posto, para os quais estão destacados apenas dois agentes.
Dique Magaia disse que a população pretende, por esta via, ter mais elementos da polícia de protecção naquele bairro para que a segurança das famílias se torne uma realidade. “Temos a impressão de que os membros do tal G20 não são ladrões mas, sim, terroristas, porque sentimos que não tem objectivos económicos. Eles limitam-se a destruir a moral das famílias”, disse Magaia.