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Angústias da Linha Centro-Norte

por admin

A Electricidade de Moçambique (EDM) realizou há dias uma operação de manutenção da Linha Centro-Norte, que vai de Tete até Nampula e percorre cerca de 1500 quilómetros. Desta intervenção ficou claro que, por detrás das luzes que acendemos, há muito suor, longas caminhadas, incluindo a travessia de rios, dormidas na floresta e até se faz casar a ciência com espíritos ancestrais para que os equipamentos funcionem.

A EDM investiu há dias mais de um milhão de meticais para garantir que parte da região Centro e Norte do país continuem ligados à Rede Nacional de Energia (RNE) e possam beneficiar de energia com qualidade e segurança. Segundo no foi revelado, as despesas não se vão ficar por aqui, mas comecemos pelo que já está feito.

A EDM delegou à Divisão de Transporte Centro-Norte (DTCN) o dever de realizar uma obra catalogada como “urgente” pois, uma das torres daquela linha ameaçava ruir e arrastar consigo outras quatro, o que provocaria um indesejável apagão em quatro províncias, nomeadamente Zambézia, Nampula, Cabo Delgado e Niassa, com danos sociais e económicos incalculáveis.

Dada a dimensão da empreitada, a DTCN alinhou um grupo de técnicos especializados em matérias de operações de construção e manutenção de grandes infra-estruturas eléctricas, incluindo subestações, para lidar com o assunto no mais curto espaço de tempo.

Porque se tratava, de facto, de uma intervenção de grande vulto e com contornos delicados, cerca de uma dezena de jornalistas, de diferentes órgãos de informação nacionais, foram convidados a assistir aos trabalhos que iriam decorrer nas cercanias de uma aldeia remota denominada Muemba, no Posto Administrativo de Sinjal, distrito de Mutarara, em Tete.

Entretanto, a base central da DTCN localiza-se na cidade de Quelimane, ponto intermédio da linha, pelo que a reparação obrigou a uma viagem de tipo aventura, daquelas que turistas europeus e americanos adoram realizar, pois para além do asfalto, incluía correrias em terra batida, travessia do rio Chire num batelão à manivela, uma penosa marcha em terreno lamacento, escalada a montanhas pedregosas até a viatura Land Cruiser não poder mais e se concluir a viagem a pé com equipamentos às costas, enfim.

A par dos contratempos típicos duma deslocação feita maioritariamente em vias secundárias e terciárias, as equipas tiveram que pernoitar na vila sede de Mutarara, em Tete, onde todos os melhores quartos estão tomados por organizações não-governamentais e trabalhadores de empresas mineiras.

Sem alternativas, tanto as equipas da EDM e da imprensa tiveram que se contentar com quartos de tipo cubículo, onde a higiene pessoal dependia do fornecimento de água em baldes, com colchões, almofadas e lençóis usadaos até à exaustão, entre outros.

Porque a vila de Nhamayabwe, sede do distrito de Mutarara não faz parte de nenhum corredor rodoviário, o abastecimento em combustível é sazonal. Por causa disso, ao amanhecer, percorremos a vila em toda a sua extensão à procura de combustível e, para a nossa aflição, os reservatórios da vila estavam secos. A partir dali, a viagem começou a ser feita com os olhos postos no manómetro que parecia descer mais rápido que o normal.

Espíritos atrapalham obra

Vencidos todos estes percalços, alcançamos a pacata aldeia de Muemba, onde o espaço de servidão da Linha Centro-Norte esteve inacessível durante décadas a ponto de as árvores crescerem livremente até atingirem os cabos eléctricos, de Alta Tensão, recorde-se. Terá sido durante uma recente operação de limpeza da floresta que uma árvore tombou sobre a torre e vergou várias cantoneiras.

Conforme disse o director da DTCN, Abubacar Babu, “cada cantoneira tem uma função específica na torre. Se uma delas verga ou é removida, a estrutura perde a sua estabilidade e pode ruir quando sujeito a força do vento ou correntes de água. No caso desta torre, temos um conjunto de cantoneiras empenadas que devem ser substituídas urgentemente”.

Babu sublinhou ainda que a EDM não lançou nenhum Concurso Público para a execução daquela obra por dispor, internamente, de meios humanos e materiais, à excepção de uma grua de 55 toneladas que foi alugada a uma empresa estabelecida na cidade de Tete.

Dados fornecidos logo pela manhã indicavam que aquela actividade teria a duração de oito a 10 horas mas antes, seria feita uma cerimónia tradicional de evocação dos espíritos de Muemba e Sinjal para que tudo corresse de feição. Para a concretização deste objectivo, um ancião local se colocou à disposição da equipa e até recomendou a aquisição de farinha de milho, algum vinho, aguardente, rapé, entre outros afins.

Porque todos queriam sair dali sem desatinos com os “Muembas” e “Sinjalis” vivos e mortos, houve uma obediência cega e a cerimónia foi realizada quando o sol ainda se espreguiçava do outro lado do horizonte. O ancião se ajoelhou num arbusto próximo e balbuciou algumas silabas numa língua que fez lembrar um músico de jazz em transe artística.

Porém, findo o diálogo com os que estão no além, por volta das seis horas da manhã, as equipas posicionaram-se para desmontar a torre “adoentada” mas, incrivelmente, a moderna grua não funcionou. Os minutos se sucederam até formar horas e, nada. Entendidos e leigos deram ideias, pontos de vista, entre outros e, mesmo assim, a máquina se manteve estática.

Por volta do meio-dia, quando o desespero começava a derrotar a mente dos mais optimistas, a líder comunitária local irrompeu pelo local e quis perceber o que faziam tantos homens juntos naquele local. Da conversa resultou que seria necessário realizar uma segunda cerimónia tradicional num outro local e que as testemunhas deveriam estar vestidas como “mandam as regras”, ou seja, nada roupa vermelha, cor de laranja ou de rosa.

Aquela líder dirigiu-se para um bosque, que mais tarde se ficou a saber que era o cemitério local, onde se despiu e estabeleceu a ligação com os verdadeiros espíritos locais, os quais autorizaram a execução da obra. Pouco depois, a grua que teimava em não arrancar, começou a funcionar. A ciência e a metafísica estavam casadas e a obra decorreu até ao fim da manhã do dia seguinte sem sobressaltos.

Energia de qualidade só em meados do próximo ano    

Apesar do êxito alcançado naquela tarefa, a DTCN continua a ter em mãos uma missão espinhosa para manter aquelas quatro províncias pois, a linha que as alimenta funciona em sobrecarga e somente em finais deste ano é que será reforçada para um período de três a quatro anos.

Dados em nosso poder indicam que a solução passa pela construção de uma linha entre Caia, em Sofala e Nacala, na província de Nampula, porém, das contas feitas até ao momento, tudo indica que investimento necessário deverá andar a volta de 620 milhões de dólares, o que não é pêra doce para ninguém.

Enquanto se anda às voltas à procura de uma fonte de financiamento para a construção desta linha, à EDM sobra uma saída amarga que consiste em fazer restrições diárias nas cidades de Nampula, Pemba e Nacala tendo como objectivo salvaguardar a segurança a qualidade de energia na região Norte.

Para além de cortar aqui e ali, como quem faz a gestão de uma manta curta em noite de inverno, a EDM vai sensibilizando aos consumidores para que reduzam os consumos nas horas de ponta, numa missão que produz resultados ainda imperceptíveis tendo em conta que o défice de energia ao nível nacional é de 150 MegaWatt (MW), o equivalente ao consumo das províncias de Nampula, Cabo Delgado e Niassa.

Para além disso, consta que terá havido um mal-entendido quando se decidiu pela declaração da Zona Económica Especial de Mocuba, cujo pressuposto é a disponibilidade de energia. Em alguma papelada constava que a EDM dispunha de 200 MegaVolt Ampere (MVA) de energiados quais 193 MVAeram ociosos. Puro engano pois, o sistema que fornece energia a Mocuba opera no limite e sem capacidade para acomodar novos consumos.

A solução passa necessariamente pela construção da Linha Caia-Nacala em fase de mobilização de 620 milhões de dólares para o financiamento e que a conclusão da sua construção deverá ocorrer depois de 2018”, refere uma documental fonte da EDM a que tivemos acesso.

Enquanto 2018 não chega, Abubacar Babu revelou que está em curso um programa de aquisição e montagem de bancos compensadores para permitir a transferência de mais energia com mais estabilidade. O primeiro desses bancos será instalado na subestação de Mocuba, no interior da Zambézia e poderá entrar em funcionamento a partir de meados do próximo ano.

A verdade sobre a cacimba e os cortes

No rol de actividades que a Divisão de Transporte Centro-Norte está a desenvolver, consta um programa de troca de isoladores de vidro que são vulneráveis às descargas atmosféricas e à acumulação de poeira e cinza que por um novo tipo de isoladores feitos de borracha.

Segundo Abubacar Babu, a DTCN realiza a troca de cerca de 600 isoladores por ano e o troço que vai de Chimuarra até Mocuba já conta com este tipo de peças que parecem oferecer uma maior resistência aos relâmpagos e à acumulação de detritos sólidos e líquidos.

O que se pretende com esta troca é reduzir ao mínimo a ocorrência de cortes de energia resultantes de curto-circuito que ocorrem quando as “saias” dos isoladores estão poluídas e há contacto com a cacimba (que ocorre no inverno). Conforme testemunhámos no local, quando os isoladores estão carregados de poeira e há humidade na atmosfera, estas peças deixam de exercer a função para a qual foram concebidas e passam a conduzir corrente eléctrica, o que provoca apagões, como os que aconteceram em Maputo recentemente.

Por outro lado, quando algumas saias se partem, o campo magnético criado pela passagem da corrente eléctrica expande livremente até atingir a torre que também passa a conduzir corrente eléctrica como se fosse um “fio terra” provocando igualmente a interrupção do fornecimento de energia.

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