Editorial

Xenofobia II

Nos últimos dias, como havia acontecido nos meados de 2008, os noticiários nacionais e internacionais voltaram a abrir com cenas de xenofobia contra estrangeiros, sobretudo africanos, na África do Sul. Hoje, como em 2008, há já vítimas humanas a lamentar.

Estas cenas de xenofobia afectaram, segundo número oficiais até aqui divulgados, mais de 600 moçambicanos, há quem fale de mais de mil, que tiveram de fugir das suas coisas, pois as mesmas foram saqueadas, roubadas e destruídas e por isso, os nossos compatriotas perderam tudo o que tinham e que os permitia que vivessem com dignidade possível.

Como em 2008, nesta nova onda contra estrangeiros, já há compatriotas nossos que foram linchados e cada dia que passa vão sendo localizados centros de refúgio onde as pessoas se aglomeram fugindo desta barbárie e sem qualquer tipo de condições para se instalarem.

No caso recente, o rastilho parece estar nas declarações do rei zulu Goodwill Zwelithini que desafiou os estrangeiros “a fazerem as suas malas e ir embora”. O rei recusa ter proferido tais palavras acusando a Imprensa de deturpação, mas em Durban elas foram interpretadas como ordens para “correr” com todos os estrangeiros africanos, que supostamente estariam na origem da onda de criminalidade nas comunidades sul-africanas.

Por isso, agora volta-se a reviver episódios de 2008, com pessoas queimadas, sejam crianças, mulheres, sejam homens, ou velhos e velhas. As turbas que se movimentam de dia e de noite como predadores humanos (?) parecem, com os seus actos, estarem a ironizar o dito de Thabo Mbeki, quando no auge da xenofobia, em 2008, afirmou: “faremos todo o possível para garantir que não tenhamos a necessidade, no futuro, de fazer este humilde pedido de desculpas, inspirado no nosso genuíno remorso”.

É que tanto em 2008 como agora, há a convicção profunda de que o governo sul-africano não está a fazer tudo o que está ao seu alcance para conter estes actos e mostrar aos que os praticam o quanto são abomináveis.

Tanto em 2008 como agora, parece que o governo sul-africano trata isto com mãozinhas de lã e não de forma implacável como devia ser, sob o olhar  (quase) passivo dos governos da SADC que já deveriam ter, a nosso ver, pedido uma reunião de emergência para encostar à parede o poderoso vizinho que desprotege os cidadãos dos seus países da forma como o faz e trata-os pior que animais.

As pessoas que estão ali a serem vítimas são zimbabweanas, malawianas, tanzanianas, zambianas e africanos de outras nacionalidades e não há direito de apenas ficarmos de longe a assistir e condenar os actos sem exigir de forma vigorosa acções de protecção e contenção dos mesmos que já tornaram a nossa região num exemplo negativo de tolerância e convivência humana.

Todos os cidadãos, com quem contactamos nestes dias, entre políticos, clérigos e outros, consideram os actos protagonizados na África do Sul contra os estrangeiros, e de forma particular, contra os moçambicanos, como bárbaros e não havendo qualquer justificação para a sua ocorrência. As imagens que nos são apresentadas pela Comunicação Social provocam maior indignação e perplexidade e ninguém percebe como é que em pleno século XXI existem pessoas a agirem daquela forma.

Como também ninguém percebe como é que numa aldeia global em que a solidariedade entre pessoas deve prevalecer, há estes actos de barbárie inconcebível a serem cometidos com mais ou menos impunidade

Os moçambicanos recordam-se sempre do passado de luta dos sul-africanos em que Moçambique e outros países da região sofreram para apoiar a causa deles e hoje, como retaguarda segura, (dizia-se nesses tempos) e que agora, por razões outras, eles esqueceram-se de tudo isso.

A lição que se deve tirar destes actos de intolerância e de desdém pelo outro, porque este é diferente, é de reafirmar que os mesmos são totalmente inúteis na convivência humana. Somos todos diferentes, mas iguais, pois fazemos todos parte desta espécie humana e estamos condenados a vivermos juntos, com respeito pelo outro, com tolerância, com amor. Só assim é que podemos como pessoas e não como animais ou qualquer outra espécie diferente do Homem.

A terminar vamos citar palavras sábias do nosso escritor-mor publicadas na última página deste jornal:

“A xenofobia que se manifesta hoje na África do Sul não é apenas um atentado bárbaro e cobarde contra os “outros”. É uma agressão contra a própria África do Sul. É um atentado contra a “RainbowNation” que os sul-africanos orgulhosamente proclamaram há uma dezena de anos. Alguns sul-africanos estão a manchar o nome da sua pátria. Estão a atacar o sentimento de gratidão e solidariedade entre as nações e os povos. É triste que o seu país seja hoje notícia em todo o mundo por tão desumanas razões. (…) Para isso urge tomar medidas numa outra dimensão, medidas que funcionam a longo prazo. São urgentes medidas de educação cívica, de exaltação de um passado recente em que estivemos tão próximos. É preciso recriar os sentimentos solidários entre os nossos povos e resgatar a memória de um tempo de lutas partilhadas. Como artistas e fazedores de cultura e de valores sociais, estamos disponíveis para de enfrentar juntos com artistas sul-africanos este novo desafio, unindo-nos às inúmeras manifestações de repúdio que nascem na sociedade sul-africana. Podemos ainda reverter esta dor e esta vergonha em algo que traduza a nobreza e dignidade dos nossos povos e das nossas nações. Como artistas e escritores queremos declarar a nossa disponibilidade para apoiar a construção de uma vizinhança que não nasce da geografia mas de um parentesco que é da alma comum e da história partilhada”.

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