Editorial

Que soluções para os transportes colectivos de passageiros?

Sobre este tema já correu muita tinta. Nós, também, aqui já o abordámos de diversas maneiras, mas ele continua sistematicamente actual. A falta de transporte colectivo e semi-colectivo é uma realidade que se acentua a cada dia que passa nas cidades de Maputo e Matola.

E isto leva a que milhares de utentes sofram, sem vislumbrarem soluções a curto prazo. Despertam cada vez mais cedo para tomarem o meio de transporte que os pode conduzir aos seus destinos a horas e muitas vezes não o conseguem, chegando, amiúde atrasados, enfrentando olhares reprovadores e caras carrancudas dos chefes.

São obrigados a fazerem ligações de um ponto para outro e depois para outro ainda, antes de conseguir um transporte que finalmente os leve ao destino desejado, se esse também não se decidir pelo encurtamento.

Para além da batalha para aceder à viatura, há que suportar os congestionamentos que podem durar mais de duas horas com os ocupantes dos transportes públicos e semi-colectivos “ensardinhados”.

Entretanto, nos últimos anos o Governo experimentou várias medidas com diferentes parceiros, num esforço visando a busca de uma solução para este problema. De entre as saídas encontradas destaca-se a introdução de Táxi-Marítimo que fazia o transporte de passageiros Maputo-Matola-Rio e os autocarros articulados com capacidade de levar mais de 160 pessoas. Mas, foi tudo sol de pouca dura.

Em 2011, o Governo através do Fundo de Desenvolvimento de Transporte, instituição tutelada pelo Ministério dos Transportes, atribuiu por leasing 50 autocarros à Federação Moçambicana de Transportes Terrestres (FEMATRO) e 70 para a Empresa Municipal de Transporte Público de Maputo, vulgo TPM. Dados em nosso poder (ver reportagem nas páginas 34 e 35) dão conta de que, passados três anos, quase a metade dos carros atribuídos à FEMATRO já não circula.

O acordo rubricado com o sector privado indicava que cada empreendedor beneficiário de um autocarro deveria pagar em prestações num período de cinco anos até completar o montante. A verdade é que, pouco tempo depois, alguns agentes económicos, mesmo exercendo a actividade, não pagaram as letras em dívida. Esta situação foi confirmada por Castigo Nhamane, membro da direcção da FEMATRO, que referiu que mais tarde os autocarros que estavam na gestão destes foram recolhidos e devolvidos ao Fundo dos Transportes.

Além destes constrangimentos todos, assiste-se nos últimos dias ao fenómeno do “transporte escolar” que está a levar grande parte dos transportadores semi-colectivos a enveredar por esse negócio, abandonando o transporte de passageiros, que parece mais oneroso para se dedicar àquele que parece ser mais rentável.

Os próprios transportadores afirmam que um bom número de “chapas” foi desviado para o transporte escolar. Isto é “uma faca de dois gumes”. Por um lado, esta iniciativa está a ajudar os alunos a chegar mais cedo às escolas, mas, por outro, está a contribuir para a falta de transporte de passageiros em Maputo e Matola.

Os transportadores vêem vantagens no negócio do transporte escolar. É  que aqui ninguém interfere na decisão do preço, pois o acordo é feito entre os encarregados de educação e os proprietários dos carros.

Por isso, o mercado foi inundado pelos chamados “my love” que são carrinhas, camionetas e camiões (de caixa aberta) que abundam nas manhãs e aos fins da tarde, transportando as pessoas, como dizia o escritor, como se de gado se tratasse. As consequências para esse tipo de transportes: são quedas constantes de passageiros, mutilações e ser transportado de forma indigna. Semana passada no Parlamento, o Procurador-geral da República, dr. Augusto Paulino, fez saber que devido ao transporte de passageiros em carros de caixa aberta, sem as mínimas condições de segurança, só no ano passado, “registaram-se 69 casos de queda de passageiros, ocasionando a morte de 44 cidadãos e ferimentos em 25”. Números obviamente alarmantes, que devem preocupar a toda gente, sobretudo os que decidem sobre estas matérias.

Que soluções?

Os transportadores entendem que a solução da falta de transporte de passageiros é a abertura de faixas exclusivas nas estradas que ligam Maputo e Matola e dentro da cidade de Maputo para que se reduza o tempo que o carro leva a chegar ao destino, entendendo que  tal pode flexibilizar o movimento dos carros de transporte de passageiro e, por conseguinte, permitir aos utentes chegarem cedo aos seus destinos.

Argumentam que se há dois anos os chapeiros percorriam a rota Maputo Matola em 50 minutos, agora, por causa do congestionamento, percorrem a mesma distância em mais de duas horas. Os transportes públicos defendem que há dois anos um autocarro dos TPM fazia 16 viagens, no intervalo entre as 4:00 horas da manhã às 23:00 horas. Actualmente, no mesmo intervalo de tempo, faz metade, isto é oito.

Estão contra o aumento de autocarros nas estradas, alegando que“havendo um aumento do número de meios de transporte, o tempo de espera continuará a aumentar. Precisamos de resolver o problema da mobilidade do trânsito. Com as faixas exclusivas, voltaríamos a fazer mais viagens e o tempo de espera seria mais curto”, argumentam.  

Outros defendem que é preciso sim aumentar o número de autocarros, que poderão, a determinada hora, levar toda a gente da periferia para cidade, de uma única vez, na hora da ponta, para evitar atrasos, e, nas horas de menor procura, reduzir o volume de frota em circulação, aguardando o próximo afluxo máximo.

O Município tem também soluções de longo prazo, como a introdução de metro para ligar as cidades de Maputo e Matola.

Nós entendemos que um dos deveres do Estado consiste na criação de condições (leia-se, no caso, transportes públicos) a fim de que os cidadãos possam exercer as suas actividades no dia-a-dia das suas vidas. Se o Estado faltar a este dever primário e elementar, a sua estrutura jurídica de Estado de Direito e de justiça social, consagrada com a devida ênfase na Constituição da República, fica seriamente comprometida e o combate, em boa hora entusiasticamente lançado contra a pobreza absoluta, sofrerá um rude golpe.

Há, por isso, pensar seriamente numa política de transportes públicos, mais consentânea com os problemas das pessoas, mais chão-chão, falha esta que se vem arrastando há vários anos, quando o Estado se demitiu da sua função para se colocar inteiramente à mercê dos privados, os quais podem, por falta de regras, se o quiserem e, quando quiserem, paralisar o país.

O Estado não pode lançar-se inteiramente nos braços dos privados. Tem de pôr de pé uma estrutura forte de transportes públicos.

Os “chapeiros” fazem o que fazem. Não os vamos condenar. São uma classe livre e plenamente legítima. Exploram um segmento de mercado, onde, por falta de políticas públicas, são reis e senhores e podem mandar e desmandar, enquanto a porca não acordar.

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