Editorial

Quando os números são mais importantes…

José Craveirinha, nosso poeta maior, diz-se que disse certa vez que se soubesse que determinada ponte fora construída por um certo engenheiro, ele jamais arriscaria a sua vida atravessando-a; antes preferia ir a nado para a outra margem. 

Ao que consta, Craveirinha teria dito semelhante frase ao constatar a má prestação de um treinador de basquete, que por acaso também era engenheiro de construção civil. Vem isto a propósito da Reportagem que publicamos nas páginas Centrais da presente edição sobre a compra e venda de notas nas nossas escolas.

As fraudes académicas que ciclicamente abalam a nossa educação têm raízes bem fundas. No ensino primário de Primeiro Grau (que vai até à 7ª classe) os alunos transitam de classe sem serem submetidos praticamente a nenhum exame. Limitam-se a fazer testes e, em função do seu aproveitamento, progridem. Discussões à parte sobre a funcionalidade do método, o ponto que chama particular atenção está relacionado com as chamadas “Metas de Aproveitamento”. Explicando: no final de um ciclo – trimestral, semestral e anual – os professores são avaliados em função dos números que apresentam. Se determinado professor diz que certa turma teve um desempenho na casa de 30 por cento de alunos com aproveitamento positivo, a sua competência é questionada. Noutro extremo, se o desempenho dos seus alunos for de 80 ou mesmo 100 por cento de aproveitamento positivo, esse professor recebe todos encómios da direcção da escola e até dos colegas. Quer dizer, o delineamento mais frequente de aplicação da meritocracia na Educação é a avaliação do professor por meio das notas obtidas pelos alunos. A partir daí instituem-se “premiações”, como forma de “estímulo” para que o professor ensine melhor. Grande engano! Diversos estudos, em várias realidades, demonstram que o resultado dos testes tem muito mais relação com as condições socioeconómicas dos alunos e com as condições de trabalho e ensino das escolas do que com o esforço ou “mérito” de professores e funcionários.

Olhando apenas para os números pode-se chegar a várias conclusões, mas a verdade é bem estranha; os professores têm de atingir obrigatoriamente números expressivos de “Bom Aproveitamento” apenas por uma questão de estatística. Quer dizer, são obrigados a tudo fazerem para que o aproveitamento dos alunos seja positivo mesmo quando estes se revelam fraquitos. Exemplificando: se um aluno tem uma média de 4 a Matemática no fim do primeiro trimestre lectivo, o professor é obrigado a atribuir uma nota, no mínimo de 7, para não “prejudicar” as estatísticas. Dito isto à bruta: não importa a qualidade; importa a quantidade!

A atribuição de notas – independentemente do aproveitamento real do aluno – tem o condão de fazer subir os números, mas, por outro lado, faz com que os alunos preguiçosos permaneçam na letargia. Se é verdade que no final do ano lectivo transitam de classe, também é verdade que chegam ao ensino médio e depois ao superior com muitas lacunas. E como é que chegam ao ensino superior? Regra geral, comprando notas! E, como se pode ver, fazem-no, muitas vezes, com a cumplicidade dos pais e encarregados de educação que, naturalmente, não querem que os seus educandos chumbem. Essa prática pode, a médio e longo prazos, gerar, pelo menos, duas implicações. A primeira envolve o provável comprometimento da formação dos futuros profissionais e, consequentemente, da qualidade dos serviços prestados à sociedade. Outra implicação diz respeito à banalização da utilização da fraude como forma de solução dos desafios da vida social e corporativa. É na educação dos filhos que se revelam as virtudes dos pais, como disse e bem Coelho Neto, reconhecido pedagogo brasileiro. No fim do dia, os professores levam com a culpa pela falta de compromisso das autoridades tutelares, das políticas equivocadas desenhadas muitas vezes por pessoas que nunca viveram as alegrias e angústias da sala de aula.

O professor é um dos sujeitos determinantes do processo de ensino-aprendizagem, na medida em que é responsável pela avaliação, além do ensino em sala de aula, obviamente. Mais do que qualquer profissional, o professor pode contribuir para que o conhecimento seja valorizado e tenha sentido para os estudantes – na medida em que estes consigam ver a relação daquele com as soluções das questões e dos desafios de suas vidas. A corrida para o cumprimento das metas desvirtua completamente a profissão do professor. Os compromissos políticos não podem, de forma nenhuma, interferir no processo de ensino e aprendizagem sob o risco de termos os tais engenheiros referidos pelo poeta Craveirinha.

Resumindo e concluindo: O homem não é nada além daquilo que a Educação faz dele.

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