Editorial

Pediu desculpas… e daí?

Os processos migratórios formaram, no mundo inteiro, elos inquebrantáveis entre os povos. Várias razões levam as pessoas a migrarem: eficiência dos meios de transporte e comunicação, desenvolvimento do sector turístico, desigualdades socioeconómicas entre os países, entre muitas outras. Naturalmente que esses movimentos resultam em consequências positivas, mas também negativas. Por um lado, produzem encontros de povos de diferentes culturas, raças, credos e religiões. Por outro, sobretudo nos países mais desenvolvidos, onde há maior contingente de imigrantes, ocorre um sério problema: a xenofobia.

O leitmotiv do fenómeno xenofobia surge do facto de os nativos acreditarem que os imigrantes são responsáveis pelo desemprego, criminalidade e todos os problemas sociais do país. Há países onde os xenófobos estão até organizados em grupos muito bem identificados; todos nos lembramos do fenómeno dos Skinheads, na Inglaterra, e os Neonazis, na Alemanha. Portanto, é um fenómeno global tal como a migração que pode ocorrer também dentro de um mesmo país, como acontece no Brasil e nos Estados Unidos, por terem dimensões territoriais enormes. Nos Estados Unidos há uma discriminação histórica contra os negros considerados como inferiores aos brancos. Bob Marley já dizia que enquanto imperar a filosofia de que há uma raça inferior e outra superior o mundo estará permanentemente em guerra… infelizmente estava coberto de razão.

Recentemente, na vizinha África do Sul, uma vez mais, diga-se, houve manifestações violentas de xenofobia. Milhares de estrangeiros viram as suas vidas transformadas num piscar de olhos. Bandos sanguinários, empunhando armas brancas, martelos, varapaus e até blocos, perseguiram e mataram perto de uma dúzia de pessoas, incluindo 3 moçambicanos. As imagens de pessoas transformadas em tochas humanas tentando fugir das amarras e dos pneus, correram o mundo. As imagens do ataque mortal ao moçambicano Emmanuel Sithole mostraram, com toda a crueza, a maldade dos homens. Como era possível que num país apelidado de Nação Arco-Íris, negros caçassem outros negros com tamanha fúria? Como era possível que irmãos que lutaram lado a lado contra o Apartheid se virassem uns contra os outros? Muita pergunta sem resposta mas sabe-se que a razão pela qual racismo e intolerância existem é o medo. As pessoas têm medo dos seus sentimentos, medo do desconhecido e acabam projectando essas angústias nos menos favorecidos.

Jacob Zuma veio a Maputo em visita oficial e de trabalho. À talhe de foice pediu desculpas formalmente ao povo moçambicano pela asneira cometida pelos sul-africanos sobre imigrantes vivendo na África do Sul. Com este pedido de desculpas, Zuma espera que as relações entre o povo sul-africano e moçambicano voltem à normalidade e dentro da legalidade e respeito pelos direitos humanos. Ele cumpriu o seu papel de líder de uma nação que no seu seio tem vândalos e assassinos sem escrúpulos. Se o fez de coração não temos com saber mas há muitas perguntas sem respostas sobre a forma como ele, na qualidade de Chefe de Estado, geriu a confusão. Aliás, há mesmo sectores sul-africanos que o apontaram como um “instigador passivo” da confusão. Do Rei Goodwill nem sequer vale a pena gastar tinta… ele simplesmente ignorou todo um passado comum de luta e irmandade que, no final do dia, concorreu para a aniquilação do Apartheid na África do Sul!

Nas vésperas da visita de Zuma circularam, nas redes sociais, convites para manifestações pacíficas de protesto contra a xenofobia. A ideia central era mostrar ao presidente sul-africano o nosso descontentamento e desconforto diante dos acontecimentos trágicos e das deportações. Feliz ou infelizmente nada disso aconteceu. Entretanto é importante referir que apesar de não estarem presentemente a ocorrer ataques físicos aos estrangeiros na África do Sul, a campanha de deportações em curso não deixa milhares de compatriotas nossos dormirem o sono dos justos. Aqui é preciso também fazer a mea culpa… há centenas de compatriotas nossos que, a despeito de qualquer cidadão poder obter o seu passaporte, preferem atravessar a fronteira sem o indispensável documento como acontecia nos anos 90. Arriscam as suas vidas atravessando a fronteira ilegalmente e, naturalmente, alimentando a indústria do tráfico humano. A nossa sorte é que não temos mar nenhum a separar os dois países senão seriam tragédias todos os dias à semelhança do que acontece no Mediterrâneo.

A xenofobia é em si um fenómeno latente à espera de um estopim para lançar as suas lavas ferventes sobre a humanidade. Se por um lado é difícil prever quando é que irá rebentar, por outro já é possível evitar constrangimentos como a deportação tão-somente porque não se tem um passaporte. Nada justifica a violência inaudita que se abateu sobre os estrangeiros na África do Sul. Nada justifica que um qualquer rei, julgando-se acima dos comuns mortais, incite toda uma nação a virar-se contra os estrangeiros que partilham o mesmo espaço físico.

Zuma veio pedir desculpas mas mais do que isso deve saber gerir os problemas que grassam a África do Sul e afectam maioritariamente a população negra. A lenta reacção ao fenómeno e as críticas internas, sobretudo parlamentares, que caíram sobre ele, mostram que ele afinal pode ser parte do problema. Pediu desculpas sim, mas… e daí?

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