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Olhar para os albinos com humanismo

Por admin

Com muita tristeza, em pleno século XXI, em que se defende o primado do conhecimento, racionalidade e razão, vislumbramos homens que ainda caçam outros homens como se estivessem a caçar um javalim ou uma ratazana.

Movidos por instinto macabro, olham para o corpo de cidadãos albinos (nossos irmãos) como mercadoria, como fonte de “objectos” que podem configurar matéria-prima para cultivo de poções mágicas para produzir “sorte e riqueza”. “Irmão mata irmão”, “tio mata sobrinho”, “pai mata filho”, são títulos que, infelizmente, fazem manchetes nos jornais, relatando a maldade de um pseudo-negócio arrepiante que hoje não respeita fronteiras.

A brutalidade é tal que o albino é esquartejado, é trinchado como animal, ainda vivo, pois há quem acredita que quanto mais grita, contorcendo-se de dores, mais eficaz será o membro amputado na produção de tais poções e amuletos de “sorte e riqueza”. Tanta selvajaria.

Na Tanzânia, país que alberga maior população de albinos no mundo, estes eram caçados na rua e seus braços arrancados, sem piedade, obedecendo este princípio funesto.

Da Tanzânia, o “negócio” pulou para outros países da SADC e da África Central, traçando teia internacional em circuito mais ou menos fechado, com cadeia de valor e até meios de conservação de corpos ou peças humanas, feitas “mercadoria” da circunstância.

Moçambique acabou entrando neste “puzzle ” a todos os títulos condenável. Primeiro reportando vandalização de campas de cidadãos albinos para comercialização de seus ossos e mais tarde caindo no atoleiro do comércio internacional de órgãos humanas recém-arrancadas, destacando-se, aqui, as províncias de Niassa, Cabo Delgado e Niassa com proximidade geográfica à Tanzânia.

A gravidade da situação no país sensibilizou o Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, a intervir, mandando criar uma Comissão Interministerial (liderada pelo Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos) com mandato claro para prevenir e combater o tráfico de seres humanos.

Aplaudimos este gesto ao mesmo tempo que enaltecemos o “saber estar” do estadista ao mobilizar a Procuradoria-Geral da República e a Polícia da República de Moçambique para travar a propagação da onda pelo resto do país.

 

Foi na senda de gestos como estes que vimos em Nampula, Norte do país, a condenação, recente, pelo Tribunal Judicial de Nampula, a quarenta anos de prisão aos quatro réus envolvidos na morte de Alfane Amisse, portador de albinismo, brutalmente triturado como se de frango se tratasse para alimentar este negócio macabro de venda de peças humanas.

O juiz da causa condenou, na circunstância, Atumane Abacar (curandeiro e professor numa madrassa), Luís Rodrigues (comerciante), Issa Abdula e Momade Óscar, obrigando-nos, também, a indemnizar a família do malogrado com oitocentos mil meticais.

Quando todos nós pensávamos que finalmente o efeito dissuasor da Lei estava a dar frutos, somos surpreendidos, pela negativa, pelo esquartejamento de uma criança albina em Chimoio, capital provincial de Manica.

Os restos mortais da menor de seis anos foram encontrados num saco sem cabelos, pernas e braços. Os traficantes levaram consigo essas partes do corpo e partiram à busca de comprador.

Algumas partes do corpo como tronco, mãos e cabeça foram deixados na linha-férrea para serem trucidadas pelo comboio e mascarar este crime a todos os títulos hediondo.

Este arrazoado todo vem a propósito do facto de se assinalar amanhã, em todo o mundo, e no nosso país em particular, o Dia Internacional de Consciência sobre o Albinismo, na sequência de ataques de vária ordem contra portadores de albinismo, que se consubstanciam em descriminação, estigma e assassinatos com fins obscuros (ler artigo na página 18).

O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, fez uma recomendação à Assembleia Geral para que 13 de Junho fosse proclamado o Dia Internacional de Consciência sobre o Albinismo.

Acreditamos que mais do que consciencializar, chegou o momento de olhar para a caça e massacre de albinos como crime transnacional que carece de melhor articulação entre as polícias de diferentes países, cujo desdobramento se vislumbra vital na vigilância de fronteiras e troca de informações como sucede, por exemplo, no combate ao narcotráfico internacional.

Porque práticas radicais impõem medidas radicais de dissuasão, seria de bom-tom estudar a iniciativa tanzaniana, que enforca todo aquele que for encontrado a assassinar um albino.

A Tanzânia, obrigada a relatar assassinatos de albinos todos os dias, cansou-se. Prendeu curandeiros indiciados nos negócios macabros. Não teve sucesso. Não autorizando expressamente a pena de morte em moldes constitucionais, excepcionalmente dizima quem dizima o seu semelhante seguindo práticas obscuras.

A medida parece estar a resultar. Os algozes estão a recuar, contudo fogem da Tanzânia e penetram em Moçambique.

Acreditamos que o Governo moçambicano deve mover todo seu peso e influência para travar esta onda assustadora. Muitos concidadãos estão a morrer. Não podemos continuar a construir com tijolos de palha.

Henry Kissinger, ex-Secretário de Estado dos Estados Unidos disse no passado que o problema fundamental em política, não está no controlo da maldade, mas das limitações da justiça.

Neste ponto estamos de acordo e reiteramos que tudo indica que, infelizmente, todo esforço até aqui realizado não tem sido bastante para travar o fenómeno da matança de albinos, o que tem evidente expressão de ponto de vista social.

 

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