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Diabruras

Por admin

Esta semana foi repleta de diabruras vindas das hostes da Renamo e obviamente do seu líder, pois como se sabe, a Renamo é o seu líder e o seu líder é a Renamo. Uma dessas grandes diabruras é uma autoproclamação de que eles ganharam eleições no Centro e Norte e por isso devem ser anunciados vencedores e a outra grande diabrura é de que os votos de Gaza devem ser divididos ao meio, entre a Renamo e a Frelimo, “devido à intolerância política (?) que ali se vive”, ou que devem ser pura e simplesmente excluídos da contagem.

A terceira grande diabrura tem a ver com a interferência estrangeira neste processo, aqui sempre denunciada ao longo dos anos. Esta semana foi noticiado que o embaixador norte-americano em Maputo, Douglas Griffith, acompanhando a secretária do Estado para os Assuntos Africanos, Shannon Smith, reuniu-se com Afonso Dhlakama e Daviz Simango, para os aconselhar a não aceitarem os resultados eleitorais. A própria Renamo, na voz do porta-voz de Dhlakama, António Muchanga, veio a terreiro dizer que a ideia da formação dum Governo de Unidade Nacional (um tal de GUN), não é deles, mas do Alto Comissariado do Canadá em Maputo. Porém, a Renamo continua a sugerir a criação desse tal governo, constituído por tecnocratas, que realizaria reformas na Administração Pública e nas Forças Armadas, de modo a permitir que dentro de dois anos fossem realizadas novas eleições.

Tanta cozedura crua num processo, que já tem vencedores anunciados. Tanta cozedura mal passada, num processo em que cada um parece ter recebido o quinhão que merecia, mas não quer aceitar tal quinhão, por pensar que não é dele. O dele está com o outro.

Mas o que fez toda esta gente perseguir a galinha com o sal na mão? Para nós duas coisas essenciais. Reconhecem que de facto, fora os casos já relatados de ilícitos, que poderão ser dirimidos nos tribunais e que não influenciaram os resultados, estas eleições foram justas e ordeiras e quem as ganhou, ganhou-as de forma clara. Outra: estas pessoas entraram em desespero de causa, pois cantaram vitória antes do tempo. Isto é, perseguiram a galinha com sal na mão, e o tiro saiu-lhes pela culatra. O povo, que decidiu nas urnas, mostrou a esta gente que não é burro e sabe o que quer.

É que não se percebe muito bem o que se está a reclamar. Na cozedura de uma nova lei eleitoral, encheram os órgãos eleitorais de “paridades” e “imparidades”. Cada um dos que cantam fraude tem lá a sua própria gente que esteve a fiscalizar todo o processo. Então, por que é que no fim fazem este triste espectáculo?

Infelizmente, este triste espectáculo não é de agora. Já estamos habituados a vê-lo no fim de cada pleito eleitoral. Com efeito, Afonso Dhlakama nunca reconheceu nenhum resultado eleitoral. Em 1994, gritou fraude. Em 1999, gritou fraude e autoproclamou-se vencedor com base numa contagem paralela fantasma como o que está a acontecer agora. Nessa altura, Dhlakama chegou a propor a nomeação de governadores da Renamo, nas províncias onde ele teria supostamente vencido. Como se as eleições gerais tivessem também um escalão “estadual”, votando-se em governadores, o que não era o caso. Depois, houve aquele barulho todo no Parlamento, com apitos e batuques que os deputados da Renamo para lá levavam sempre que discordasse de alguma coisa que ia ser debatida e/ou votada. Algum tempo depois, a coisa amainou.

Em 2004, Afonso Dhlakama perdeu as eleições e gritou de novo fraude. Em 2009, apesar de a vitória de Armando Guebuza ter sido estrondosa, 75 por cento dos votos, Dhlakama voltou a zurzir fraude, que culminou com o seu auto-isolamento e clausura em Nampula e depois refúgio em Santungira, onde foi reagrupar os seus homens, começando a fazer ataques a alvos civis e militares, impedindo a livre circulação de pessoas e bens pela Estrada Nacional Número Um (EN1).

Quer dizer, entre uma eleição e outra, houve sempre esse frenesim de gritos de fraude inicial, ameaças de dividir ou incendiar o país, e mais tarde, a coisa amainava e Dhlakama seguia depois um outro percurso, como se a coisa não tivesse sido com ele.

Por isso, houve tempo em que nos quisemos convencer que Afonso Dhlakama, líder da Renamo, quando entrava nos seus momentos de serenidade, estava a transformar-se num verdadeiro estadista: reflectido, ponderado, com contenção de linguagem, dando mostras de se preocupar com o estudo de alguns dossiers.

Diga-se, de passagem, e, para evitar mal-entendidos, que, em nossa óptica, verdadeiro estadista não significa apoiar o Partido Frelimo, nem sequer facilitar-lhe o caminho para a reconquista do poder. Verdadeiro estadista é aquele que, através de programas bem planeados, é capaz de dirigir uma equipa, em equipa, com a finalidade de criar condições adequadas ao desenvolvimento do povo moçambicano, por etapas e com objectivos bem definidos, mobilizando-o para as grandes tarefas nacionais, a começar pelas mais urgentes, como é o caso da erradicação da miséria e do analfabetismo, mobilizando-o para as grandes tarefas nacionais, como é o caso da convivência sã e fecunda na multiculturalidade que nos caracteriza e no respeito pela liberdade, que exige tolerância constante.

No início da campanha eleitoral, ouvimo-lo a dizer que desta vez é que era. Que os outros, no diálogo, tinham aceite tudo, mesmo o que ele, Dhlakama, não tinha pedido e que as coisas estavam todas bem encaminhadas para não haver fraude e que a “polícia já era republicana” por aí adiante…

A avaliar pelas notícias ultimamente vindas a público, em consequência de declarações do seu presidente, a Renamo parece não estar disposta a mudar de atitude. Afonso Dhlakama não se cansou de gritar aos fantasmas e quer editar tudo o que fez em todos os períodos eleitorais, esquecido que essas atitudes, por tão repetidas, levam ao descrédito em que vem afundando o maior partido da oposição. Esqueceu-se que durante a campanha prometeu respeitar os resultados eleitorais, fosse qual fosse o vencedor, talvez na convicção de que o vencedor seria ele mesmo, por isso não haveria problemas de se reconhecer a si próprio.

Dhlakama declarou antes que estava convencido de que, se perdesse as eleições, tal derrota não ficaria a dever-se à fraude, porque tinha gente sua capaz de vigiar a concretização do sufrágio eleitoral, porque os outros “tinham aceite tudo, incluindo aquilo que ele Dhlakama não tinha pedido”.

É pena porque nada disto está a acontecer, pelo contrário, olhámos agora e de novo para um Dhlakama igual a si mesmo. É pena porque a democracia moçambicana, para se fortalecer, precisa de uma oposição forte, bem organizada, com programas estruturados em função das necessidades do país e das exigências do Estado para colmatar essas necessidades, e não de meia-dúzia de altifalantes a glosarem bocas sem sentido, nem estratégia, vindas da impreparação e negligência do seu líder e de agendas externas de gente mal intencionada que quer tirar dividendos da nossa própria divisão.

É que, enquanto a Frelimo se organiza e reorganiza em trabalho constante a nível nacional, a Renamo vem-se afundando num “dolce fare niente”, cada qual tentando safar-se o melhor que pode e sabe, bajulando um chefe que detesta ser contrariado. Em vez de trabalho sério e aturado, de doutrina aprofundada, de dossiers bem estudados, de propostas de governação alternativa, de vigilância sobre o Executivo, de treino do seu famigerado governo-sombra (a propósito, onde é que ele pára agora? É o mesmo que quer ir ao GUN?), que mais se assemelhava a um governo à sombra, assistimos a uma montanha de deficiências gritadas e ampliadas com base no mesmo diapasão.

Estes GUN´s, esses “Governo do Norte” são idealizados por gente, entre os corifeus de uma democracia romântica, que entende que a Frelimo devia ajudar a Renamo a fortalecer-se como partido de oposição, por isso, quando ganha tem de chamar também a Renamo para governar com ela. Como se a Frelimo no poder tivesse obrigação de, perante a ineficácia da Renamo, pegar-lhe pela mão ou pelas orelhas e ensinar-lhe como se faz oposição, para que se constituisse em alternativa de governação, já que em democracia que se preze deveria haver uma alternativa credível, o que a Renamo, hoje, como hoje, infelizmente, não o é. Por enquanto. Mas devia já ser, tendo em conta que é a 5ª eleição que perde.

Uma das componentes do nosso processo democrático (a Renamo) faz que este processo progrida em marcha lenta precisamente porque no interior dessa componente se instalou o vírus da imunodeficiência. Digamos que em termos de tranquilidade quanto à manutenção do poder, a Frelimo deveria dar graças aos céus pelo adversário que o Altíssimo lhe mandou, que nunca aprendeu com os seus próprios erros e nem quer aprender.

 

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