Editorial

Democracia com dedo no gatilho

Moçambique celebra quarta-feira 39 anos de independência nacional. A data é assinalada quando passam escassos 22 anos depois do calar das armas dos tristes 16 anos de guerra fratricida movida pela Renamo.

Trata-se de tempo escasso porque é suposto assumir a paz como eterna no livre pressuposto de que o ser humano devia viver sempre em paz. Desejo que, ao que parece, não fazer parte do plano de alguns moçambicanos. Triste sina a nossa.

A maioria dos moçambicanos anseia pela paz. Clama por ela. Contudo existe o triste contraponto de homens que em pelo Século XXI advogam o caos. A confusão. A balbúrdia. Para estes o troar das armas deve substituir manifestações de alegria.

Se subtrairmos os 16 anos de guerra aos 39 da independência, sobra muito pouco… e desse pedaço, também há quem queira tirar mais um quinhão com este reacender de hostilidades, apegando-se ao argumento da pólvora e deixando abaixo a capacidade dos moçambicanos, conhecidos pelo mundo inteiro pela sua capacidade de resolver pacificamente os seus problemas. A assinatura do Acordo Geral de Paz, em 1992, foi mais do que um exemplo; foi uma lição de vida para um mundo pontuado por conflitos intermitentes.

Mas há aqui um ponto que merece particular atenção; é que, ciclicamente, quando se aproximam os períodos eleitorais há sempre tensão militar no país. As ameaças de retorno às armas são recorrentes. Foi assim em 1994, altura das primeiras eleições, e a história repetiu-se ao longo dos processos seguintes, nomeadamente em 1999, 2004 e 2009. Noutras ocasiões, houve boicote às eleições autárquicas. O protagonista das ameaças é, curiosamente, o mesmo: a Renamo!

Este ano, seguindo a cartilha, a Renamo abriu publicamente as hostilidades. Avisou que iria metralhar quem ousasse cruzar o Rio Save. Cumpriu a ameaça. Há gente inocente a morrer quase todos os dias naquelas bandas. Se o argumento inicial era a Lei Eleitoral, tal parece não mais colher louros, porquanto foi revista nos termos desejados pela “perdiz”, desejosa de viver para sempre nas matas, semeando a morte de pessoas inocentes. Há dias, António Muchanga, em viva voz, reiterou a continuação dos tiros!

O curioso nisso tudo, é que a mesma Renamo tem representação no Parlamento; submeteu já a sua candidatura para as próximas eleições e até está a eleger candidatos para a Assembleia da República e para as “provinciais”.

Aliás, a partir de amanhã, a Renamo agrega-se, em Reunião Nacional, na cidade da Beira, mas sem o querido líder. Alega problemas de segurança. Mas aconteceria à perdiz-mor com tantas outras reunidas, em liberdade e em paz, no tal conclave? Á luz do dia, não parecem existir razões para essa atitude. Acreditamos que, querendo (ou se calhar podendo), Dhlakama, poderia participar dessa reunião. Mas não… ele não estará lá.  Estranha forma de agir de um partido que se auto-proclama diariamente democrata. Que se saiba, a democracia desenvolve-se sob alçada das leis e não sob a ditadura das armas…

O Presidente da República, Armando Guebuza, já disse que está disposto a receber o líder da Renamo dado que este último condiciona o cessar das armas a um encontro entre os dois chefes; Guebuza já disse que está até disponível a criar todas as condições para que Dhlakama venha a Maputo. Contudo, o “pai da democracia” diz que não pode sair do mato porque sabe que querem assassiná-lo.

Em que é que ficamos? Continuam as mortes? O país pára? O que é que se segue no próximo episódio?

O país tem estado a assinalar índices de desenvolvimento interessantes (na casa dos 8 porcento), mas – não haja ilusões – não há economia que resista ao troar de armas. Aquela pancadaria no Centro do país vai-nos fazer recuar milhares de anos. Estamos a voltar para a idade da pedra enquanto o mundo, lá fora, avança a largos passos para o desenvolvimento sustentável e equilibrado.

A asneira é tanta que já várias chancelarias já deram a voz aos protestos e condenaram as acções belicistas da Renamo. Atente-se que algumas dessas chancelarias nem sempre viram com bons olhos o Governo da Frelimo mas, neste particular, acham que é um verdadeiro absurdo a promoção de um conflito claramente desnecessário!

É que a manutenção de partidos armados no país nos tira o sono. É que as armas impõem o silêncio ditado pelo vencedor de ocasião. Os partidos passam a ser exércitos que se preparam ciclicamente para a guerra. Se se sentam à mesa do diálogo, levam as metralhadoras a talabarte. O ambiente envolvente é tecido pelo medo, em vez de favorecer a convivência pacífica, o que urge reverter.

Se os estrangeiros acham que é uma completa estupidez andarmos aos tiros, o que não passará pela cabeça de milhares de moçambicanos – os mesmos que a Renamo afirma representar? Resposta: também julgam que esta confusão é uma completa falta de respeito pela vida e dignidade humanas. Querem paz. Em todos os momentos, apelam para a resolução pacífica do diferendo. Entretanto, parece que os “bosses” da Renamo não fazem a mesma leitura. Todos os dias reiteram a necessidade da guerra.

Isto atinge gravemente o Estado de Direito modelado na Constituição da República. A Renamo aprovou essa mesma Lei-Mãe em ambiente de consenso parlamentar, não se coibindo, agora, de vir a público esburacar o seu próprio texto, amedrontando à esquerda e à direita, atacando, matando e destruindo bens. Isto porque, pensamos, não foi capaz até hoje de se apresentar aos moçambicanos como alternativa credível de governação. Por outras palavras: não tem agenda credível.

Há que reter que os investimentos feitos nas últimas décadas guindaram o país para a rota do desenvolvimento. Há biliões de dólares investidos em outros tantos projectos de desenvolvimento que iriam, a breve prazo, alavancar o país para as primeiras páginas do desenvolvimento. A guerra fará tudo menos contribuir para o desenvolvimento do país. Isso é uma certeza absoluta.

Há alguns “actores sociais” que, quando o assunto envolve a Renamo, quedam-se mudos. Não atam nem desatam, mas aguardam ansiosamente que o Governo tropece nalgum calhau para começarem a uivar. Também uma estranha forma de defender os interesses da sociedade civil. E atenção que também defendemos que, quando o Governo pisa na bola, deve ser sim criticado mas não pode haver critérios dúbios no julgamento. O que não é correcto é convocarmos a neutralidade quando nos convém.

Não tenhamos ilusões. Aescuridão só acaba quando você resolve abrir os olhos.

A Renamo parece estar em desespero de causa. Não está preparada para nada. Está tonta. Quer governar na base da chantagem. Não quer eleições. Agora se agarra apenas à solução militar. Dhlakama parece conhecer a máxima de Aquiles que, na antecâmara da guerra de Troia, proclamou: O que todos os Homens querem, eu quero mais; mas parece esquecer que "o inteligente aprende com os seus erros. Já o sábio aprende com os erros dos outros”.

 

 

 

 

 

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